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Ex-parceiro de Cristiano Ronaldo treinou com Felipão e agora está preso

Fabio Paim, ex-companheiro de Cristiano Ronaldo no Sporting - CityFiles/Getty Images
Fabio Paim, ex-companheiro de Cristiano Ronaldo no Sporting Imagem: CityFiles/Getty Images

Marcus Alves

Colaboração para o UOL, de Lisboa (POR)

13/08/2019 04h00

Rodeado de jornalistas em sua apresentação no Manchester United em 2003, Cristiano Ronaldo distribuía sorrisos e era o retrato da felicidade. Longe de se sentir desconfortável na nova casa, arriscou até mesmo uma previsão de forma espontânea: "se acham que sou bom, esperem pelo Paim". No caso, Paim era Fábio Paim, outra promessa da base do Sporting e que, naquela altura, gerava mais frisson que o próprio craque português.

Com passagem por todas as seleções de base, no radar de gigantes europeus e com o poderoso agente Jorge Mendes cuidando de sua carreira, o atacante ganhava mais do que boa parte do elenco profissional. Aos 16 anos, recebia 20 mil euros mensais (R$ 86 mil na cotação atual) e luvas de 150 mil euros (R$ 650 mil) ao fim de cada temporada.

Cinco anos depois de Ronaldo, foi a sua vez de desembarcar na Premier League emprestado ao Chelsea então comandado por Luiz Felipe Scolari. Dividia a mesa de café da manhã com estrelas como Deco e Ricardo Carvalho, treinava pela equipe reserva com Felipão, mas nunca chegou a entrar em campo. A partir dali, sua carreira foi apenas ladeira abaixo.

Pouco tempo atrás, o Sport TV, principal canal esportivo português, fez um documentário chamado "Quem quer ser Fábio Paim?".

Com passagens por diversos países, entre eles, o Brasil, Paim virou uma figura praticamente lendária do outro lado do oceano, participando de reality shows, sendo convidado para comentar na TV a ida de Ronaldo para a Juventus. Mesmo assim, é seguro dizer que hoje ninguém gostaria de estar em seu lugar. Na última semana, em mais uma reviravolta em sua vida, ele foi preso de forma preventiva sob a suspeita de tráfico de drogas.

Aos 31 anos, não se encontra correndo pelos gramados mundo afora, mas atrás das grades no Estabelecimento Prisional de Caxias, na região da grande Lisboa, no aguardo de julgamento. Um dos mais lotados do país, o presídio é classificado como de segurança elevada.

O seu nome continua sendo citado no centro de treinamento do Sporting, em Alcochete, porém, é mencionado atualmente por treinadores e psicólogos como exemplo a não seguir. Não era esse definitivamente o futuro que se desenhava para Fábio Paim.

"Como treinadores, a gente sabia quem estava sendo monitorado (por outros clubes)", conta Luís Martins, ex-coordenador da base do Sporting, ao UOL Esporte.

"Eu, por exemplo, fiz uma semana de estágio no Real Madrid. Quando estive lá, os responsáveis pela academia deles me perguntaram claramente (pelo Fábio) e afirmaram que o seguiam, que era um dos melhores do mundo em sua idade. Ele fez parte de uma geração de jogadores (no Sporting) que tinha muita visibilidade não só pelo rendimento, mas pelos títulos", prossegue.

"Em determinada altura, achávamos que ele tinha mais potencial que Ronaldo e até acreditávamos que seria difícil segurá-lo no mercado. Tinha o Real, o Manchester United e outros em seu encalço, era empresariado pelo Jorge Mendes desde muito cedo, portanto, imaginávamos que tudo seria muito rápido para ele", completa.

No fim das contas, ainda que não da maneira como se previa, foi exatamente isso que aconteceu.

"Deveria ter sido campeão da Eurocopa com Ronaldo"

Dois anos atrás, Luís Martins esteve em um jantar com parte da safra que comandou na base do Sporting. Entre outros, compareceram o goleiro Rui Patrício, o meia Adrien Silva e o próprio Fábio Paim. Boa parte deles fez parte do elenco que conduziu Portugal ao título mais importante de sua história, ao conquistar a Eurocopa em 2016.

Uma das marcas daquela campanha foi a grande contribuição do time de Alvalade entre os convocados.

Ao todo, 10 dos 14 jogadores que entraram em campo na final haviam sido revelados em Alcochete. Em circunstâncias normais, Paim deveria ter estado entre eles e acabou se perdendo pelo caminho.

"Na geração dele, o nosso diagnóstico no Sporting era de que tínhamos seis, sete, oito atletas de rendimento alto, (Hugo) Viana, (Ricardo) Quaresma, Cristiano Ronaldo, Rui Patrício, Miguel Veloso, (João) Moutinho e Daniel Carriço, que era como se fosse um irmão para ele. O Fábio fez todas as seleções, tinha grande qualidade, mas foi desviado no processo de afirmação", explica Martins.

"Em termos técnicos, ele sempre foi acima da média, porém, somente isso não basta. Existe outros fatores a considerar como o seu contexto social e também a parte física. Ele sofreu uma lesão grave no joelho ainda nos juniores que resultou em um determinado retrocesso. Faltava se dedicar mais também no aspecto de suas capacidades coletivas e sacrifício. Se calhar, são as que ainda lhe faltam hoje", acrescenta.

"Para completar, ele veio de um bairro desestruturado na região de Estoril, com uma família com características que precisavam ser cuidadas. Desde cedo, ela sempre esteve à espera do que o Fábio pudesse proporcionar em vez do contrário. Esse cenário não colaborou, claro", conclui.

Antes de ser preso, Fábio Paim ainda tentou sobrevida em sua carreira, com flertes relâmpagos com o Paraíba do Sul, do Rio de Janeiro, e o Flamengo de Guanambi, na Bahia. Nenhum deles foi para a frente.

"Gostaria de estar com o Fábio. É um ser humano fantástico, independente de qualquer coisa que possa ter feito à margem da lei, não é do perfil dele. No que estiver ao meu alcance, quero fazer de tudo para ajudá-lo", finaliza.

"Paim era um Ronaldinho Gaúcho mais baixo"

"Eu diria que, na altura de 2006, Fábio Paim era visto como a maior promessa da academia do Sporting, seguido de Altair Junior, brasileiro que era visto potencialmente como o novo Cristiano Ronaldo, e Adrien Silva, que era um ano mais novo que Paim, mas mentalmente mais maduro.

Paim era um atleta diferente de Ronaldo, mais baixo, com maior coordenação motora, mais técnica e mobilidade, uma espécie de Ronaldinho Gaúcho mais baixo.

O seu principal problema foi a falta de maturidade. Muitas vezes, quando falham, as pessoas tentam se desculpar de responsabilidades dizendo que este ou aquele era um "menino mau", mas penso que terá havido falta de empatia por parte dos adultos que o cercavam.

Já ouvi torcedores do Sporting em núcleos do clube que não conhecem Paim de canto algum e apenas papagueiam o "spiel" (discurso) que vem de Alcochete, ou seja, que os adultos fizeram tudo para ajudá-lo, mas que ele era irresponsável, que não tinha cabeça e, assim, a torcida vira-se contra o atleta como se ele fosse algum delinquente.

Na realidade, com 18 anos, Paim era um adolescente normal, imaturo e traquina. Os comportamentos de Adrien Silva, João Moutinho e João Mario é que eram "anormais" para a sua idade devido à maturidade acima da média que evidenciavam.

Paim é um bom garoto, muito brincalhão. Uma vez, trocamos números de celular, mas ele acabou me dando o contato do então coordenador geral da base do Sporting, o professor Jean Paul. Então, eu andava a enviar SMS para o Jean Paul pensando que era o Paim. Era o tipo de brincadeiras que ele gostava de pregar. Nunca o vi ser mal educado, rude, bruto, antipático com ninguém.

Em 2006, eu não podia imaginar que Paim seria um jogador ao nível do que o Ronaldo era com 21 anos, pois Ronaldo, com 17, jogou na equipe principal enquanto que Paim ainda jogava nos juniores com 18. Acima de tudo, Paim tinha uma qualidade técnica muito acima da média e a sua condução com a bola era muito rápida.

Fico triste por ver Paim aparentemente preso nas malhas da lei por causa de atividade criminosa, pois insisto que ele era um bom garoto, com bom coração e muito amistoso. E embora eu não seja muito religioso, irei rezar por ele, só lhe desejo coisas boas e acredito que o grande problema dele é a falta de autodisciplina e maturidade".

Relato de André Carreira de Figueiredo, ex-diretor do jornal Academia de Talentos, especializado na cobertura de novos talentos portugueses e profundo conhecedor da base do Sporting.