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Dirigente do Sevilla diz o que atrapalhou Ganso, Arana e Sampaoli no clube

José María Cruz é diretor geral do Sevilla - Reprodução/sevillafc.es
José María Cruz é diretor geral do Sevilla Imagem: Reprodução/sevillafc.es

Marcus Alves

Colaboração para o UOL, em Lisboa

07/09/2019 04h00

Com história de quase duas décadas no Sevilla, José María Cruz acompanhou a chegada e a saída de uma legião de brasileiros. Hoje diretor geral, ele é um dos responsáveis por cuidar da parte financeira do clube, que teve uma das janelas de transferências mais movimentadas de sua história. Em passagem por Lisboa para participar de conferência na Soccerex, um dos eventos de futebol mais importantes do mundo, o dirigente contou o que atrapalhou Paulo Henrique Ganso, Guilherme Arana e Jorge Sampaoli na equipe.

Os negócios fechados pelo Sevilla na janela incluem as vindas do zagueiro Diego Carlos, ex-Nantes, e do volante Fernando Reges, ex-Manchester City, e a saída por empréstimo do lateral esquerdo Guilherme Arana, ex-Corinthians, para o Atalanta. Tudo sob chancela de Cruz, que diz ser o maior defensor de Ganso dentro do clube espanhol.

O dirigente bateu papo com a reportagem do UOL Esporte ao lado de outro veículo para explicar a receita do sucesso dos andaluzes com os brasileiros no passado e por que ela foi deixada mais de lado recentemente. A culpa disso? Para Cruz, o aumento de olheiros europeus, que saltou, segundo ele, de cinco para 500 em qualquer jogo hoje em dia no Brasil, e o número de intermediários em qualquer negócio no país.

Veja o que Cruz disse sobre Arana, Ganso, Sampaoli, Daniel Alves e mais:

Timidez de Arana atrapalhou

"A gente carrega o pensamento de que o jogador brasileiro se adapta quase sempre para jogar em um clube como Sevilla, uma cidade como Sevilla, mas, evidentemente, é impossível que todos consigam. No caso de Guilherme Arana, por exemplo, tínhamos muita expectativa, veio como melhor lateral do Brasileirão. A gente o contratou depois de um período amplo de observação, com muita expectativa. E eu acredito que o problema de Arana foi fundamentalmente uma questão de personalidade, timidez. É um jogador que tem qualidades para mostrar o seu talento no Sevilla, na Espanha, em uma liga importante, mas creio que a sua personalidade lhe dificultou se adaptar com rapidez, como aconteceu com outros atletas como Dani Alves, Renato, que possuem personalidades diferentes, mais abertos, extrovertidos, com mais capacidade de se adaptarem rapidamente a um ambiente. Mas tenho toda confiança de que ele fará uma boa temporada no Atalanta e voltará a ser um ativo importante".

Band: Guilherme Arana é emprestado a time italiano

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Sevilla catapultou carreira de brasileiros

"Para a gente, o mercado brasileiro sempre foi importante, nos deu grandíssimos jogadores, como Luis Fabiano, Renato, Adriano Correa, jogadores que foram importantes em nosso sucesso esportivo e que, além disso, utilizaram o Sevilla de alguma forma como plataforma para chegar a equipes mais importantes, melhores contratos e um reconhecimento financeiro e desportivo superior. Agora, com Fernando (Reges, volante), temos a expectativa de que ele volte a ser importante em sua fase mais madura. Estava em outro país e pode contribuir a voltar a fazer o Sevilla grande".

Vinícius Júnior faz olheiros se multiplicarem no Brasil

"O Sevilla olhou menos o mercado brasileiro nos últimos anos. Primeiro, porque quando começamos a olhar mais para o Brasil? Essa é uma história que nosso diretor esportivo, Monchi, sempre conta. Quando a gente contratou Dani Alves, os nossos scouts se deparavam no Brasil com colegas de outras cinco equipes. Hoje, eles encontram 500 times diferentes representados lá. É muito complicado, sobretudo porque as grandes estrelas jovens do futebol brasileiro, com muitos poucos jogos, veem seus times pedirem um valor muito grande de dinheiro, um efeito Vinícius Júnior, Rodrygo e outros, que fez com que o mercado tenha se encarecido muito. É algo que tornou difícil para clubes como Sevilla ou similares apostarem nesses garotos, porque eles já vêm com um custo tão alto que trazem uma pressão muito elevada enquanto ainda estão em processo de amadurecimento".

Negócios no Brasil envolvem muitos intermediários

"Não conheço (a fundo) e não posso diagnosticar eu mesmo quais são os problemas do Brasil, mas entendo que a participação de demasiados intermediários, de muitas empresas que não têm nada a ver com os clubes, que às vezes os apoiam financeiramente e recebem fatias das vendas, fazem com que os times brasileiros não consigam ser potentes economicamente. Mais do que isso, que os garotos brasileiros sejam muito caros para o mercado internacional e que o dinheiro acabe nas mãos de pessoas que, embora respeite, apenas tiram dinheiro do negócio".

Cogitaram contratar Pedro, ex-Fluminense?

"Acredito que tudo influencia em um negócio. A questão fiscal, o custo, a dificuldade de ter que conversar com o jogador, o pai do jogador, o clube, o agente e outras empresas complicam em relação ao que era no passado trazer um jogador do Brasil. Não sei como foi com Pedro, mas, com Arana, um ano antes, acabou sendo impossível concluirmos a operação por tudo que rodeava o jogador. Pouco depois, conseguimos que algumas dessas coisas se simplificassem e aí, sim, tivemos uma negociação mais direta. De qualquer forma, esses elementos todos dificultam o acesso do clube europeu a esse tipo de jogador. Não impede, obviamente, mas fica muito mais complicado".

Daniel Alves foi o melhor negócio da história

"Eu acredito que Dani Alves, em termos esportivos e financeiros, foi a operação mais importante que o Sevilla fez. Nós o compramos por US$ 1 milhão (do Bahia, em 2001) e o vendemos por cerca de 40 milhões de euros (ao Barcelona, em 2008) depois de ter deixado muitos de seus melhores anos com a gente e ter ganhado os melhores títulos que se pode ganhar com o Sevilla. Felizmente, foi para um clube muito vencedor, encontrou o melhor Barcelona da história, mas Dani contribuiu [com a gente] muito mais do que se valoriza.

Eu acredito que a contribuição dele não é valorizada no Sevilla ao mesmo tempo em que, no Barcelona, ele esteve rodeado de grandes jogadores, coincidiu com a melhor fase de Messi e isso fez com que o seu papel tenha sido mais destacado. Dani é um jogador que muda uma equipe, capaz de jogar em quase qualquer posição e que, por sua competitividade, alegria, faz melhores os seus companheiros e o time em geral".

Ganso merecia ter tido mais chances

"Para mim, Ganso foi uma decepção pessoal, mais do que do clube. Acredito que Paulo [Henrique Ganso] é um jogador extraordinário, que teve pouca oportunidade no clube. É uma opinião minha, que provavelmente o resto dos técnicos e do pessoal do clube não compartilham, mas, em sua primeira temporada, ele deu mais que outros jogadores e teve menos chances que eles. No fim das contas, para que um jogador possa ter um bom rendimento, o treinador tem que confiar nele.

Eu julgo que, quando o trouxemos com Sampaoli de técnico, ele pensou que seria um nome importante, mas, ao encontrar nessa mesma altura atletas semelhantes como Nasri e Mudo Vázquez, fez com que tivéssemos muitos bons jogadores para pouco espaço. Paulo merecia mais espaço e, se não triunfou no Sevilla, não foi por falta de qualidade, profissionalismo, mas porque não se sentiu suficientemente importante na equipe. Acredito que Paulo é um jogador que, para render, precisa se sentir valorizado.

Ele é o tipo de atleta que você estranha que não triunfe na Europa, mas não surpreende porque tem um perfil muito da América do Sul, muito do Brasil. É uma pena considerando a sua magia. Particularmente, eu acho que fui o mais firme defensor dele dentro do clube. Não digo porque você é brasileiro ou estou falando com um veículo brasileiro, mas porque, para mim, depois de Luis Fabiano, foi o jogador com mais técnica individual que vi no Sevilla nos últimos anos".

Retorno de Daniel Alves teria sido "grande alegria"

"Não me consta que tenhamos falado com Dani. Não tenho conhecimento que Monchi tenha conversado com ele também. Eu pessoalmente pensei que Dani teria a oportunidade de prolongar sua carreira na Europa em um grande clube como PSG, Juventus, ir para a Premier League ou talvez retornar ao Barcelona antes de voltar ao Brasil. Tinha a chance de conseguir um ou dois anos de contrato muito bom em um clube europeu. Não sei os motivos de sua volta, se queria mesmo agora ou não se sentia preparado para competir a grandíssimo nível. Para a gente, teria sido uma grande alegria, estou convencido de que teria grande rendimento, mas acho que não vimos essa possibilidade com ele".

Sampaoli não teve apoio do elenco no Sevilla

"Para mim, Sampaoli não foi nenhuma decepção [no Sevilla]. Pensávamos que, depois de muitos anos com [Unai] Emery, que teve muito sucesso, gostaríamos de ter a oportunidade de fazer algo diferente. E acho que Jorge nos oferecia algo diferente. Mas creio que o Jorge de verdade, mesmo, vimos somente em uma partida, na primeira rodada da Liga, quando o Sevilla ganhou de 6 a 4 do Espanyol. Ali, vimos Jorge em seu estado puro. Porém, creio que logo, e é uma opinião pessoal minha, ele não encontrou suficiente respaldo no elenco para fazer a aposta que ele queria. Tivemos uma primeira metade de temporada extraordinária, chegamos a pensar que podíamos competir pelo título, mas, na segunda parte, com a eliminatória com o Leicester na Champions League, não correu bem.

Mas, se olhamos mais a fundo, acredito que a temporada de Jorge foi muito boa e esteve a ponto de ser fantástica. É um grandíssimo técnico, mas que, possivelmente, e é outra opinião pessoal minha, não teve em sua comissão técnica pessoas com experiência suficiente no futebol europeu para ajudá-lo a adaptar mais rapidamente a sua forma de jogar e visão de jogo a uma equipe europeia.

Eu não costumo ter muito contato direto com os treinadores, mas creio que ele é uma pessoa culta, educada, sensata e, como todos treinadores, um pouquinho louco, especial, mas, para a gente, posso dizer que tudo com ele foi fácil. Não cheguei a trabalhar com Marcelo Bielsa. Porém, existe quem o compare a Jorge em algum sentido. Tivemos, sim, contato com ele (Bielsa) e o nível de exigência, falta de racionalidade não tem nada a ver com Jorge, que facilitou as coisas a todos níveis [durante a negociação]".