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Aos 14 anos, plantava milho. Aos 25, é técnico profissional

24/06/2016 08h30

Edivan Coelho fez o sinal da cruz e pisou no gramado do estádio José de Araújo Cintra, em Amparo, interior de São Paulo. Enquanto os jogadores aqueciam, caminhou para o banco de reservas. Foi quando começou a ouvir a batida do bumbo e o grito de guerra.

Soava como seu nome. Mas não podia ser. Havia algo errado. Olhou para trás para ter certeza.

Sim, a torcida estava gritando o seu nome.

- A única coisa que consegui fazer foi acenar de volta. Eu ouvi aquilo e não acreditei.

A partida contra o Lemense, no mês passado, pelo Campeonato Paulista da Segunda Divisão (na verdade, é a quarta), não era apenas a estreia de Coelho no Amparo. Era o primeiro jogo de Edivan Coelho, 25 anos, como técnico de futebol. Para completar o grande dia, sua equipe arrancou o empate nos minutos finais mesmo com dois a menos em campo.

Naquele breve momento em que saudou os torcedores, os seus torcedores, ele confessa ao LANCE! ter lembrado de que o sonho estava apenas começando. Teve na cabeça especialmente a cena de quando era criança em Registro, no Litoral Sul de São Paulo, e dizia para os parentes que não queria saber de ser jogador. Desejava mesmo era virar técnico. Mesmo na família sem gente fanática por futebol, não foi levado a sério

- Disseram que eu queria passar raiva. Que tinha de tentar ser o Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo... Eu tinha de tentar ganhar dinheiro - relembra.

Edivan Coelho até tentou jogar bola. Parou para trabalhar no sítio em que a família vivia de favor. Aos 14 anos, plantava milho e feijão. "Puxava" banana e cuidava dos porcos. Ajudava como podia. Naquele tempo, ser treinador era algo tão distante quanto ouvir uma torcida gritando seu nome. Fez isso até os 17 anos, quando arrumou emprego em universidade de Santos porque o cargo de auxiliar administrativo lhe dava direito a bolsa integral para a faculdade de Educação Física no Centro Universitário Monte Serrat. O salário de R$ 246 mensais não lhe permitiria pagar a mensalidade.

- Eu nunca escondi o que pretendia na vida. Qual era o meu objetivo. Muitas vezes ouvi gente dizer que eu não conseguiria ser técnico de futebol por nunca ter jogado.

A vontade dos outros de pré-determinar o seu destino ficou na cabeça. Aos 19, ele trabalhava em horário comercial e estudava à noite. No horário de almoço, corria para fazer estágio na Universidade Santa Cecília, também em Santos.

- Fiquei uns três ou quatro meses sem almoçar - se diverte hoje em dia.

Os anos seguinte foram de buscas por estágios, trabalhos, conhecimentos. Passou por equipes como São Bernardo, São Vicente e Jaguariúna em diferentes funções, como auxiliar-técnico, preparador físico e treinador de goleiros. Era o primeiro a chegar e o último a sair. Pelas palavras do próprio Edivan, sentia que estava agradando. As pessoas gostavam do trabalho e do esforço e, para ele, parecia uma escada em que havia ainda muitos degraus por subir.

Tentou empregos como técnico. Foi chamado a entrevistas mas, quando se via diante do dirigente, era óbvio o susto que causava.

- Ouvi que tinha um bom currículo, mas que era muito jovem. Era cedo para assumir um time.

Na verdade, era menos cedo do que muitos imaginavam. Inclusive o próprio Coelho. No ano passado, foi chamado para trabalhar no Jaguariúna, na região de Campinas, que disputaria torneios nas categorias de base. Não deu certo. Acabou empregado no Amparo como auxiliar. No começo do Estadual deste ano, os resultados não foram bons e Thalles, o treinador, acabou demitido. Os líderes do elenco foram ao presidente e pediram que Edivan fosse efetivado.

- Os jogadores disseram que correriam por mim em campo. Aquilo foi inesperado. Os dirigentes também deixaram claro que eu tinha total apoio. Sempre acreditei no meu sonho. Meu momento havia chegado.

Tudo isso aos 25 anos. Não que seja o emprego ideal, mas todos precisam começar em algum lugar. O Amparo é o lanterna do Grupo 3, com quatro pontos conquistados em dez partidas até agora. Não que seja problema para quem sempre soube que nada vem fácil, especialmente no futebol.

- Não é o fato de ter jogado que te faz um bom treinador. Você tem de buscar conhecimento, estudar. Eu almejo alto. Ganhar uma Libertadores. Chegar a um clube europeu, disputar a Copa do Mundo com a Seleção. No dia em que eu parar de sonhar, é porque morri.

Edivan aprendeu cedo que a idade não era o único problema. Em um dos clubes que passou (ele não revela qual), um dos auxiliares lhe avisou: o técnico não gostava de negros e nordestinos. O conselho era simples. Se o veterano estivesse vindo por um lado, o iniciante deveria ir pelo outro. A realidade do futebol nacional é que os negros têm dificuldades de achar empregos como treinadores em times profissionais. Na Série A do Campeonato Brasileiro, hoje, apenas Cristóvão Borges (Corinthians) e Roger Machado (Grêmio) são negros. Dois entre 20 times.

Edivan Coelho fica desconfortável de tocar no assunto. Assusta-o a possibilidade de estar vendo a si mesmo como personagem de um drama. Isso, ele não aceita.

- Eu não me considero vítima. Não sou vítima de nada. No caso desse profissional, era falta de cultura, de inteligência e de educação dele. Não gosto de me vitimizar. É raro ver técnico negro, mas não acredito que seja pela cor de pele. É uma coisa que não entra na minha cabeça.

Para corroborar o que pensa, afirma que antes de deixar o clube onde o treinador não gostava de negros, foi chamado para conversar com a pessoa que supostamente deveria evitar. Edivan ouviu que havia sido importante para o clube.

- Eu tenho respeito por você e tenha certeza que vai chegar onde deseja no futebol porque se comportou como homem. Gostaria de ter te ajudado mais - foi o que ele disse para o negro que, supostamente, não gostava.

Há um longo caminho pela frente. No momento, a preocupação é como fazer o Amparo vencer mais no Estadual. Segundo ele, o "futebol não tem sucesso" na quarta divisão, um torneio em que a força física vale mais do que o toque de bola e as poucas faltas.

Ou pode não ser tão longo assim.

- Tenho certeza que logo vou estar em um clube da Série A do Brasileiro. O que eu me proponho a fazer, consigo.