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Brasília recebe Seleção olímpica que fala de tudo, menos política. Por quê?

02/08/2016 06h25

Do papo de elevador aos textos no Facebook, dos bares aos grupos de WhatsApp, a política entrou na pauta de assuntos do brasileiro nos últimos tempos. A crise econômica e política do país e o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff fizeram também com que diversas personalidades se posicionassem. Atores, músicos, escritores e atletas de diferentes modalidades tomaram lado e expuseram publicamente as suas opiniões. Mas há ainda uma categoria que segue à margem deste debate: a dos jogadores de futebol.

Epicentro do furacão que vive o país e fervendo às vésperas da votação final do processo de impeachment, a cidade de Brasília hospeda até a próxima segunda-feira uma Seleção olímpica que segue o padrão "boleiro". Craques e jovens menos badalados falam de quase tudo abertamente, menos política.

Isto, entretanto, não é exclusividade deste grupo. Na verdade, na história do futebol brasileiro as manifestações políticas são raras exceções, como explica Denaldo Alchorne de Souza, membro do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre Futebol e Modalidades Lúdicas (Ludens) da Universidade de São Paulo.

- Isso vem desde a profissionalização, nos anos 30. Nos anos 1970 e 80 foi diferente, havia jogadores mais engajados, casos famosos como Afonsinho e Reinaldo, a Democracia Corintiana, o Zico como presidente do Sindicato de Atletas do Rio... Foram exceções. Ali o futebol dialogava mais com a sociedade. O Bom Senso, mais recentemente, também foi uma exceção, mas teve outra dinâmica, não era liderado pelos craques do país, nem avançou em algumas pautas e reivindicações - diz o historiador, que também lembra que raramente a mídia esportiva aborta temas políticos em entrevistas e tem parte da "culpa".

Mas, afinal, por que os atletas não acompanham o restante da sociedade ou mesmo outras celebridades? Há muitas respostas, que vão desde a falta de informação à atuação de empresários e assessores.

- Quase sempre houve paternalismo em relação aos jogadores, primeiro com dirigentes, depois com empresários, que tomam a frente da carreira do jogador e ditam regras. É como se o jogador vivesse em uma redoma de vidro, que não precisasse participar com o restante da sociedade - analisa Denaldo.

O dinheiro também fala mais alto, como explica Eduardo Musa, dono da agência Bravo Sports e ex-gestor da imagem de Neymar (confira entrevista completa abaixo):

- O jogador pensa: "o que vou ganhar com isso? Muda contrato, meu salário? Para que eu vou me expôr?"

De fato, é possível que eles ganhem pouco participando do debate político, mas certamente todos perdemos.

- Micale pensa além

Se Neymar, capitão e camisa 10 da Seleção, argumenta que seu papel é cumprido dentro de campo (embora faça a ressalva de que cobra e exerça sue papel de cidadão fora dos gramados), o técnico da equipe, Rogério Micale, parece pensar um pouco diferente, como mostrou em entrevista na última semana.

Ele citou casos de corrupção no país e falou em usar a Olimpíada para mostrar à sociedade ser possível vencer com "trabalho honesto e entrega, sem individualidades e sem olhar para o próprio umbigo".

Dialogar mais com as demandas e pautas da sociedade é mais comum entre treinadores do que jogadores, mas Micale surpreendeu pelo tom e franqueza de suas falas. Recentemente, em entrevista à "Folha de S. Paulo", o treinador disse ser contra a realização da Olimpíada no Rio.

- Pai de família no hospital, um monte de gente morrendo, gente desempregada. E gastar não sei quantos bilhões... - argumentou.

- Bate-bola com Eduardo Musa, ex-gestor da imagem de Neymar e dono da agência Bravo Sports:

Por que os jogadores pouco participam do debate político aqui?

Acho que isso acontece devido a uma série de fatores. Vivemos em um país em que a faixa etária da maioria dos jogadores é menos politizada, é um problema do Brasil, não só do futebol. Mas tem a questão cultural, é claro, aquela história de que o jogador é feito para jogar, torcida para torcer, diretor para mandar. Frase batida no meio. Mas os atletas se acostumaram com isso, e realmente não são politizados.

Por que isso não é trabalhado?

Vamos falar de uma forma geral, sem detalhar casos, ok? Em resumo, não é feito porque não interessa a ninguém, ao clube, ao empresário... Não é que proíbem ou não querem que aconteça. Mas interessa falar grego? É a mesma coisa . Entendem os moleques como: tem que jogar futebol e ponto.

Esse interesse que você fala é somente financeiro, correto?

Sim, estou dizendo como é, não como acho que poderia ou deveria ser. Só que o entorno do moleque também entende dessa forma. Não podemos ser hipócritas e esquecer que a maioria joga para mudar a vida da família, estão focados nisso, ganhar dinheiro. Qualquer coisa que fuja desse script não vale a pena fazer. O jogador é pressionado 24 horas por dia, se a bola bate na trave e não entra ele pode ser demitido. O medo é de se posicionar e aquilo voltar contra ele, ser desmoralizado. Ter uma opinião contrária à maioria, por exemplo, é muito difícil no Brasil.

Poderia prejudicar a imagem?

Depende. Se for algo isolado, sim. Mas se isso fizer parte do estilo de vida atleta, não. O que não pode é se posicionar apenas por interesse.

Falta informação também?

Claro. A grande maioria deles não tem essa base. Eles tem até a inteligência de não se posicionar sobre uma coisa que não sabem. Podem até passar vergonha falando sem conhecimento.

Mas você acha que os jogadores deveriam se posicionar?

É claro que é algo pessoal. talvez tenha gente que trabalha nesse ramo que discorda de mim, mas na minha opinião o atleta deveria se posicionar. É claro que. ele não é um ativista político, é um esportista, mas poderia falar, sim. Não vejo por que um atleta não se posicionar, dizer em quem vota. Ouço aquela cultura: "O voto é secreto." Ok, mas por que não posso dizer quem escolho?

Você enfrentou situações do tipo?

Já tive que trabalhar algumas vezes nisso, em algumas ocasiões fui voto vencido, em outras consegui convencer o atleta e a equipe. Nem sempre opinei favoravelmente a se posicionar publicamente também, reconheço.