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De 'véu' e calça, egípcias do vôlei de praia fazem história na areia do Rio

04/08/2016 07h05

O calor de 30ºC nas areias de Copacabana não provoca qualquer desconforto em Doaa Elghobashy, de 19 anos, ainda que apenas seu rosto, mãos e pés estejam livres enquanto ela executa cada golpe na bola de vôlei de praia.

Ao seu lado, Nada Meawad, de 18, deixa de lado a diferença de costumes em relação à parceira e se esforça para criar entrosamento sem utilizar no rosto o hijab, "véu" que encobre a cabeça da maior parte das mulheres muçulmanas no Egito. É uma maneira de preservarem a "privacidade, modéstia e moralidade".

- Gosto de usar. Não é um problema durante as partidas. Uma de minhas irmãs também cobre o rosto, mas outra delas não faz o mesmo - disse Doaa, em entrevista ao LANCE! após um treino na arena que receberá os Jogos Olímpicos Rio-2016, que começam no sábado para o esporte.

Até pouco tempo, elas nem imaginavam estar juntas no maior evento esportivo do mundo. Além da pouca tradição da modalidade no Egito, ambas são jogadoras do vôlei de quadra.

Enquanto Doaa se divide entre as duas vertentes há um ano e meio, e foi uma das responsáveis pela classificação do país, em abril, Nada só passou a competir debaixo de sol depois que o histórico feito foi selado.

A primeira faturou a Copa Continental da Federação Africana de Vôlei (CAVB, na sigla em inglês), torneio classificatório para a Rio-2016, após vitória sobre Ruanda em uma melhor de três, em Abuja (NGR), por 2 a 1. Mas tudo ao lado de Lamies Nossie.

Embora tenham sido elas as responsáveis por carimbar o passaporte, a definição das atletas que representariam o país na Olimpíada foi da entidade, que inscreveu Nada para ocupar uma das vagas, com Doaa. É a primeira vez que uma equipe egípcia disputa o torneio de vôlei de praia dos Jogos.

- É como um sonho que se realizou. Foi algo muito surpreendente. Todos os atletas gostariam de estar aqui. É o nosso primeiro torneio juntas. Não temos quase experiência, mas nossos treinos estão muito fortes - disse Nada, que explicou a sua opção de não cobrir os cabelos e os braços.

- É escolha minha. No Egito, se você é muçulmana, pode cobrir ou não. Eu me sinto bem desta forma.

A parceria está no Grupo D da Rio-2016 e estreia domingo, contra as alemãs Ludwig e Walkenhorst. A chave conta ainda com as italianas Menegatti e Perry (a última foi chamada para a vaga de Orsi Toth, flagrada no antidoping), e as canadenses Broder e Valjas.

Questionada sobre o que acham de Larissa e Talita, dupla brasileira apontada como favorita à medalha de ouro, as egípcias não ligaram os nomes às pessoas. Disseram desconhecer a tradição verde e amarela nas areias, embora sejam fãs de ícones da quadra.

Avisada sobre o currículo recheado da capixaba e da sul-mato-grossense, Nada não esconde a surpresa e responde com bom humor:

- Oh, é mesmo? Então, ainda bem que elas não estão em nossa chave (risos).

Técnico curte samba e acha Vila distante

A primeira reação do egípcio Ahmed Abdallah, que comanda a única dupla do país na Rio-2016, ao ser perguntado sobre o que acha do Brasil é abrir o sorriso e falar uma palavra: "Samba!".

As impressões do ex-jogador, que vive no Cairo, são a melhores possíveis após poucos dias de estadia no Rio. Exceto por um aspecto.

- A distância entre a Vila e a arena é muito grande. Perdemos tempo com a viagem. Aquilo lá fica mesmo no Rio, ou é outro país? - perguntou o técnico, que se surpreendeu ao saber que os locais estão na mesma cidade.

Ele reconhece que a missão de suas atletas no Rio é complicada. Contra as melhores equipes do mundo, o objetivo é levar o torneio como experiência. E que experiência!

- É a primeira vez que o vôlei de praia do Egito disputa uma grande competição, e logo em uma Olimpíada. Meu grupo é muito forte, com Alemanha, Itália e Canada. Nós tentaremos fazer um bom trabalho - afirmou.

BATE-BOLA

Doaa Elghobashy, ao LANCE!

'Amo o meu esporte. Quero jogar vôlei de praia a minha vida inteira'

Como é a rotina de vocês?

Nossa rotina é comer, treinar, comer, treinar, comer e treinar (risos). De manhã, nos reunimos, tomamos café da manhã e depois vamos à academia. Treinamos na quadra, descansamos, almoçamos, treinamos na areia, jantamos e dormimos. Todos os dias são iguais. É assim há anos, mesmo antes da classificação para os Jogos do Rio.

Você concilia o esporte os estudos? O que planeja para a vida?

Estou na faculdade e estudo economia. Quero me tornar uma mulher de negócios (risos). Mas também tenho a meta de disputar os Jogos de Tóquio, em 2020. Quero jogar vôlei de praia vida inteira (risos).

Tem algum ídolo no esporte?

Meus ídolos são o Giba e toda a seleção russa de vôlei feminino.

Como começou a jogar vôlei? Foi difícil se tornar atleta olímpica?

Comecei porque meu pai decidiu que eu deveria jogar. Não foi difícil. Eu sempre gostei do meu esporte. Estou muito feliz de estar aqui no Rio.

BATE-BOLA

Nada Meawad, ao LANCE!

'Não conheço as duplas do Brasil, mas sou fã da Jaqueline e Sheilla'

Como foi o seu início no vôlei?

Comecei aos 12 anos, na quadra, e jogo vôlei de praia há três meses (risos). Não me considero profissional na areia ainda, mas no indoor sim. Defendo a seleção do meu país nas duas modalidades e tenho muitas amigas em ambas. Gosto muito das duas.

Concilia a carreira de atleta com os estudos? O que pensa em fazer?

Ano que vem, irei para o último ano do ensino médio. O curso dependerá das notas que eu conseguir. Se eu for bem nos estudos, poderei optar por ser médica, por exemplo, Mas não tenho uma escolha ainda. Depois, decidirei.

Como está a estadia no Rio?

A Vila Olímpica é fantástica! Todos deveriam ir para lá passar uns dias. Mas demoramos uma hora para vir.

Conhece a Larissa e a Talita, apontadas como as favoritas?

Não lembro delas. Não conhecemos muito as brasileiras do vôlei de praia. Estamos mais acostumadas com as atletas de Alemanha, Croácia e Sérvia. Mas sou fã da Jaqueline e da Sheilla. Também amo ver a Fabiana.