Relembre: em 2010, a última entrevista de Havelange ao LANCE!
Tarde de 31 de outubro de 2010. Na cobertura de seu escritório na Rua da Assembleia, João Havelange recebeu naquele dia a equipe de reportagem do LANCE! para uma entrevista. Então presidente de honra da Fifa, membro mais antigo do Comitê Olímpico Internacional (entrou em 1963), o dirigente, aos 95 anos, iria conversar sobre a eleição da Fifa, mas pincelaria sobre vários temas.
Pela importância do personagem, a entrevista contou com equipe completa. Um editor, dois repórteres e um fotógrafo. Dona Irene, sua secretária há cinco décadas, nos levou à sala principal. Limpa, arrumada ao extremo e espartana, embora tivesse uma pintura com a imagem de Havelange nos anos 70. O entrevistado não demorou para entrar. Apertou fortemente a mão dos jornalistas, perguntando o nome de cada um.
Entrevistar Havelange não era novidade, fizera em 1999, mas era surpresa ver que aquele senhor de quase 100 anos conseguia manter o porte atlético de ex-jogador de polo aquático e que impressionava pela altura e olhos muito azuis.
Lúcido, antes de começar a bateria de perguntas reclamou que meses antes tivera o primeiro grande problema de saúde, manchinhas na pele. Fazia brincadeiras (mas sem gargalhadas, o estilo era de um lorde inglês, contava suas histórias sempre com uma voz pausada e te olhando nos olhos. A entrevista virou bate-papo de duas horas, com interrupções para que atendesse alguns telefonemas. Falou de tudo, até da família.
- Quando Ricardo Teixeira (ex-genro e então presidente da CBF) se separou da minha filha, fiquei irado. Mas a minha mulher me chamou e disse: "ele sempre será o pai dos meus netos, é da família". A união profissional permaneceu e ele me respeita, me escuta. Ricardo queria ser presidente da Fifa em 2010, disse para ele esperar até 2015, pois será eleito. Ele apoiou Blatter agora e é só manter o curso para ser o próximo presidente da entidade.
Havelange, assim como Teixeira, já estava sendo investigado por causa de corrupção, mas a apuração ainda engatinhava e ele seguia com todas as suas honrarias. E muito influente. Um dos tais telefonemas que ele recebera era de Joseph Blatter, com quem falava quase diariamente.
Exemplos. Sobre a Copa do Mundo de 2014, garantiu ser dele a decisão de jogos em Manaus e Cuiabá para que "o mundo conhecesse a Floresta Amazônica e o Pantanal". Disse que nem sempre as suas ideias eram vencedoras, pois queria que o Maracanã não fosse remodelado, mas colocado no chão e que lutaria até o fim para que a tecnológica não entrasse no futebol.
- A discussão do erro é essencial. Não queira matar a coisa gostosa, a sua vida. Você vira robô. O árbitro não tem de ter ajuda da tecnologia.
Sobre a corrupção, que acabou jogando por terra a sua reputação, Havelange dizia naquela época que era intriga da oposição.
- Sempre me atacam. Nunca suportaram um brasileiro, um homem do terceiro mundo, no poder.
Na hora de ir embora Havelange voltou a cumprimentar um por um. Comentou sobre os poucos objetos que enfeitavam a sala. Era o fim da última entrevista que o dirigente deu ao LANCE!.
Com o tempo, a investigação chegou até João Havelange, que foi renunciando aos cargos honoríficos, se afastando do centro do esporte, do poder e da mídia. Os problemas de saúde se agravaram. Viu o estádio batizado com o seu nome ser trocado. O atleta olímpico, presidente da então CBD (hoje CBF) durante o tri Mundial, presidente da Fifa de 1974 a 1998 morreu longe dos holofotes. Para os jornalistas que o conheceram ficará a imagem de um senhor extremante educado com o dom da palavra, que parecia conhecer tudo - e dar opinião sobre tudo - e era o centro das atenções. Será lembrado pelo lado bom? Sim. Pelo lado mau? Também.
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