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Educação física na escola? Só com função educacional, não no alto rendimento

29/09/2016 06h05

A decisão do governo federal em retirar a obrigatoriedade das aulas de educação física do ensino médio gerou muita discussão na última semana. Tanto que após muitas críticas, a medida provisória sofreu algumas alterações. Mas será que a disciplina realmente influencia nos resultados esportivos dentro do esporte de alto rendimento? Não. E para especialistas, a discussão deveria englobar a formação das pessoas, não de atletas.

- Essa relação não é direta, não é consistente. Na última Olimpíada, ficamos na frente europeus e nórdicos mesmo tendo um sistema de educação ainda precário em relação a esses países. Não dá para aferir a qualidade dentro da educação física com o desempenho esportivo. É uma falácia - disse o vice-coordenador do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade de São Paulo, Walter Roberto Correia, em entrevista ao LANCE!.

Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Rússia, China e Alemanha formaram o top 5 no quadro de medalhas, tendo como base o número de medalhas de ouro. Coincidentemente, essas cinco nações têm criado cada vez mais incentivos à prática esportiva entre os jovens dentro das escolas. O que não quer dizer que isso represente a formação de atletas de alto rendimento.

Um bom exemplo apontado por Correia diz respeito a alguns países que ficaram atrás do Brasil na Rio-2016, mas possuem um sistema educacional muito melhor e entre os principais Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo, segundo dados divulgados no fim do ano passado. São os casos de Suíça, Dinamarca, Suécia e Irlanda

- A escola não é um remédio para as doenças, ela não serve para resolver problemas de obesidade. Isso requer medidas mais amplas e uma parceira com outras instituições. Precisa ter uma proposta de educação para a saúde. E a educação física pode ajudar, assim como todas as disciplinas têm algo para contribuir. Esporte é relevante, não só no aspecto técnico esportivo, mas também pelo lado cultural, psicológico, político... Tem de trazer o esporte como um tema relevante. O que onera é a falta de clareza de como colocar tudo isso para os alunos - declarou Correia.

Confira um bate-bola com Walter Roberto Correia, vice-coordenador do curso de Licenciatura em Educação Física da USP

Dá para fazermos uma relação da formação de atletas de alto rendimento com a existência da educação física dentro das escolas?

Walter Roberto Correia: A escola não forma atletas. Ela não deve servir de base para formar atletas de alto rendimento. É escola, não um clube. É um aluno, não um atleta. O esporte de alto rendimento não é necessariamente ligado à saúde ou é algo inclusivo. As medalhas ganhas em Jogos Pan-Americanos, em Olimpíada, são obtidas em 40 modalidades. Já a escola está reservada a basicamente quatro, todas de quadra. Muitas modalidades não têm existência na escola.

Como você vê a existência da educação física nos países com um maior desenvolvimento humano?

WRC: É uma política de estado. Os países mais desenvolvidos, com sistemas mais estáveis de ensino, têm educação física garantida no ensino médio, além de possuírem alternativas para o desenvolvimento da prática corporal, que pode ser esportiva ou não. Dentro da educação física existem escolhas. Nesse caso, posso até fazer analogias.

Qual seria tal analogia?

WRC: Nosso país não dá a mínima para os deficientes. Não existe uma política de inclusão para o deficiente no Brasil. Então, fazendo uma analogia, o rendimento esportivo na Paralimpíada não diz tudo sobre uma sociedade. O esporte traz superação, habilidade, competição, mas não é inclusivo. Na sociedade, temos uma reticência com as crianças e os adolescente no ambiente de trabalho. Mas não nos questionamos sobre crianças em jornadas de longas horas de treinamento em um centro esportivo. Escola não é clube, é professor. Já a educação física dentro das escolas é para realizar as práticas corporais.

COMO FUNCIONA?

Top 5 na Rio-2016

Estados Unidos, Grã-Bretanha, China, Rússia e Alemanha foram as melhores nações no quadro de medalhas dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Apesar do alto índice de obesidade infantil entre os americanos, todos esses países possuem no currículo escolar o incentivo à prática esportiva. O que não quer dizer que isso esteja ligado à formação de atletas de alto rendimento. Países com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) não brilham tanto em Olimpíada, mas também incentivam o esporte voltado ao desenvolvimento de jovens.

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No Brasil

Na última semana, o governo divulgou uma medida provisória com reformas no ensino médio. Entre algumas medidas, estava o aumento da carga horária e a não-obrigatoriedade de disciplinas, como educação física e artes. As propostas foram criticadas por pessoas ligadas ao esporte. O governo, então, recuou, ao menos por ora, da decisão de acabar com a obrigatoriedade dessas disciplinas.