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Equipe de Tucumán já fez Palmeiras e Corinthians se unirem em um só time

Na foto, time atual do Atlético Tucumán: antiga equipe da cidade já uniu Palmeiras e Corinthians - Reprodução/Twitter
Na foto, time atual do Atlético Tucumán: antiga equipe da cidade já uniu Palmeiras e Corinthians Imagem: Reprodução/Twitter

07/03/2017 07h00

Modesto clube do norte argentino e participante da Libertadores pela primeira vez, o Club Atlético Tucumán se colocou no caminho do Palmeiras e ficou famoso após epopeia no Equador e duas classificações eletrizantes. Porém, o que pouca gente sabe é que um time da província de Tucumán tem conexão com uma das histórias mais ricas ligando Palmeiras e Corinthians.

O episódio é cheio de curiosidades: em janeiro de 1930, o selecionado de Tucumán, segundo colocado do campeonato argentino de Ligas de 1929, veio ao Brasil em busca de fortes amistosos. Na época, Palmeiras (ainda Palestra Itália) e Corinthians formavam a base da seleção paulista e foram contatados pelos tucumanos.

Os rivais deixaram suas diferenças de lado e selaram que um combinado Palestra/Corinthians seria formado para um amistoso contra os argentinos. Um fato incrível quase desconhecido, redescoberto pelo jornal "Lance!".

UM COMBINADO HISTÓRICO

O combinado Palmeiras/Corinthians só aconteceu quatro vezes na história (1917, 1929, 1930 e 1992), tendo vitórias em todas as ocasiões (veja detalhes dos jogos em galeria no começo da nota). O duelo contra os tucumanos foi o último jogo de um combinado Palmeiras/Corinthians no estado de São Paulo.

DESAFIANTE ELOGIADO E UM JOGO CHEIO DE INGREDIENTES

O selecionado de Tucumán começou sua saga pelo Brasil no Rio de Janeiro. Na Cidade Maravilhosa, goleou o América por 6 a 2, empatou com o Vasco por 1 a 1, empatou por 3 a 3 com a seleção B do Rio e só perdeu para a seleção A do Rio, por 3 a 2. Os resultados foram elogiados pelos jornais e o time partiu para São Paulo bem credenciado.

No entanto, em 26 de janeiro de 1930, os argentinos foram goleados por 4 a 1 pelo Palestra Itália. O árbitro da partida foi o lendário Arthur Friedenreich, considerado por muitos como o primeiro craque do futebol brasileiro. Na época, era comum que jogadores apitassem duelos.

Fried, que estava indo para o recém-fundado São Paulo após o fim do futebol do Paulistano, se animou para jogar pelo Palestra/Corinthians contra os tucumanos quatro dias depois de atuar como juiz. A junção de grandes clubes com o astro do momento mobilizou São Paulo para a tarde de 30 de janeiro.

"A expectativa que logrou despertar o encontro entre os vice-campeões da Argentina e o combinado Palestra/Corinthians contribuiu para que, à tarde, se movimentasse extraordinariamente a cidade, com as correntes humanas que se orientavam em direção ao gramado do Palestra Itália. Apesar de útil (era uma quinta-feira), o dia de hoje não impediu por esse lado, que a segunda exibição dos argentinos entre nós se fizesse debaixo de intensa ansiedade e perante numerosa assistência". Assim o jornal "Folha da Noite" de 30 de janeiro, reproduzido aqui com a grafia da época, retratou a chegada dos torcedores ao estádio do Palmeiras. Não se falou o número de presentes, mas as fotos mostram que o Parque Antártica esteve cheio. No período, o estádio tinha capacidade aproximada para 20 mil pessoas.

A torcida, além da expectativa de ver os craques do Palestra e do Corinthians lado a lado, estava com saudades de conferir de perto o futebol de Friedenreich. O astro vinha jogando a liga amadora de São Paulo desde 1926, com o Paulistano, enquanto Palmeiras e Corinthians disputavam o Paulista organizado pela Associação Paulista de Esportes Atléticos, que já flertava com o profissionalismo - colocado em prática em 1933. Com tantos atrativos, nem a chuva que caiu naquela tarde afastou o público do Parque Antártica.

Pesquisador palmeirense, José Ezequiel Filho conversou com o LANCE! sobre o amistoso e fez um comparativo para explicar a grandeza dos nomes envolvidos.

- Seria a mesma coisa que fazer, na década de 60, um combinado entre Santos e Palmeiras colocando o Garrincha - disse José Ezequiel, que também explicou a existência de uma boa relação histórica entre Palmeiras e Corinthians nos bastidores, apesar da rivalidade que completa 100 anos agora em 2017.

- A rivalidade já era grande há 87 anos, mas sempre houve diálogo entre os clubes, desde o começo da história, e isso possibilitou a formação do combinado em 1930. Mesmo existindo a rivalidade em campo, os times sempre souberam conversar. Um exemplo: quando a Catedral da Sé precisou de verba para obra no teto, Palmeiras e Corinthians se organizaram e fizeram um amistoso cuja renda foi revertida para a igreja. Fora de campo, Palmeiras e Corinthians sempre dialogaram - destacou José Ezequiel Filho.

MAIS DUAS CURIOSIDADES

O amistoso também serviu para o Palestra Itália arrecadar verbas para a reforma do estádio, obra que viria a acabar três anos depois. Cada diretor do clube presente no jogo doou 20 mil reis, R$ 400 na conversão para o real hoje.

Outra curiosidade da partida foi o árbitro. O apito esteve sob o comando do centroavante Luiz Mattoso, o Feitiço, craque do Santos na época. Feitiço é, ainda hoje, o quinto maior artilheiro do Peixe, com 214 gols em 151 jogos.

Uma preliminar entre os times B de Palestra e Corinthians abriu a tarde. No fim, empate por 1 a 1, mas o principal estava por vir com o jogão das 16h05.

Friedenreich, então com 37 anos, foi aclamado pela torcida antes de a bola rolar. E não demorou muito para o centroavante mostrar sua categoria, apesar do lamaçal pela chuva. A primeira finalização do combinado foi dada pelo atacante. 

"Fried alveja o canto esquerdo da meta contrária, bem defendida por Sanchez. El Tigre inicia a sua technica. Os seus passes e avançadas são magistraes". O relato da "Folha da Manhã" de 31 de janeiro de 1930 eternizou a categoria do craque naquele duelo. Ele não balançou a rede, mas teve grande atuação e deu assistências para o quarto gol, de Ministrinho, e para o quinto gol, marcado por Heitor, este que também merece uma citação especial.

Heitor fez três gols naquele dia. Centroavante do Palestra Itália entre 1916 e 1931, ele é até hoje o maior artilheiro do Palmeiras, com 327 gols em 358 partidas. Heitor e Friedenreich foram campeões, pela Seleção Brasileira, do Sul-Americano de 1919, o primeiro título da história da Seleção.

No jogo contra o selecionado de Tucumán, momentos antes do apito inicial, Fried intermediou a paz entre Heitor e Del Debbio, zagueiro do Corinthians e defensor do combinado. A descrição do momento pela "Folha da Noite" de 30 de janeiro exalta a figura de Fried no curioso episódio: "Heitor e Debbio, por intermédio de Fried, fazem as pazes. O grande campeão é, além de tudo, um anjo da paz".

FICHA TÉCNICA

Combinado Palestra Itália/Corinthians: 5 x 2 Selecionado de Tucumán

Data e hora: 30/01/1930 - 16h05
Local: Parque Antártica, São Paulo (SP)
Público: Aproximadamente 20 mil presentes
Árbitro: Luiz Mattoso (Feitiço)

Gols: Heitor (15', 1ºT - 1x0), Martinez (contra, 20, 1ºT - 2x0); Heitor (5', 2ºT - 3x0), Jara (8', 2ºT - 3x1), Ministrinho (9', 2ºT - 4x1), Maidana (18', 2ºT - 4x2) e Heitor (40', 2ºT - 5x2)

Combinado Palestra Itália/Corinthians: Tuffy (C); Grané (C) e Del Debbio (C); Pepe (PI), Goliardo (PI) e Serafini (PI); Ministrinho (PI), Heitor (PI), Friedenreich (São Paulo), Rato (C) e De Maria (C)

Selecionado de Tucumán: Sanchez; Alberti e Martinez; Ibanez, Ferreyra e Pacco; Jara, Rivarola, Maidana, Albernoz e Ruiz