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No Chipre, lateral ex-Vasco e Atlético-MG busca volta por cima e lamenta erros do passado: 'Aprendi pela dor'

21/03/2017 08h00

"Chorei, não procurei esconder, todos viram, fingiram, pena de mim, não precisava... Reconhece a queda e não desanima, levanta, sacode a poeira

e dá a volta por cima", diz a fabulosa composição de "Volta por Cima" de Paulo Vanzolini e pode ser utilizada como a história de vida do lateral-esquerdo Guilherme Santos, ex-Vasco e Atlético-MG, que atualmente é titular absoluto do Anorthosis Famagusta, do Chipre.

Aos 29 anos, a carreira do baiano de Jequié não se concretizou da maneira que foi projetada em 2007, quando despontou no Vasco. Escolhas erradas, amadurecimento tardio e problemas extracampo fizeram com que sua jornada no esporte tivesse sido construída com inúmeros altos e baixos, mas o futebol permite reviravoltas para todos os gostos e desgostos.

- Ainda não consegui chegar ao lugar que eu pretendo chegar, mas já dei um grande passo, hoje estou vivendo esse momento, a gente agradece a oportunidade de escrever uma nova história, agora no Anorthosis, time grande do Chipre. Só de estar aqui já é uma vitória para mim, então eu creio que aos poucos as coisas vão acontecendo - disse Guilherme Santos em entrevista ao LANCE!

Contemporâneo de Alan Kardec na transição da base para o profissional do Vasco e visto como uma das grandes promessas do clube e do futebol brasileiro, Guilherme foi negociado cedo com o Almería, da Espanha. Sua saída causou comoção na torcida, mas a proposta naquele momento era irrecusável.

- Que jogador não quer jogar na Europa? Foi uma situação que eu não poderia prever o futuro, mas eu fiz a coisa certa, saí jovem, fiquei assustado, não tinha acompanhamento, meus pais são do nordeste, e a gente é muito pacato para as coisas, então tinha ajuda mesmo do meu empresário, que me ajuda até hoje, e de algumas pessoas que me passavam algumas coordenadas, mas não me arrependo de ter ido embora cedo, porque foi um passo grande na minha vida, foi uma oportunidade que eu tive e tentei abraçar - comentou.

A estadia na Europa, porém, não durou o tempo que se esperava. A juventude do lateral e a imaturidade falaram mais alto. No Brasil, naquela época, buscava-se um nome para sua posição, muitas propostas chegaram para tentar repatriar o jogador, que via ali uma possibilidade de jogar com frequência.

Apesar de ter passado por bons momentos no Almería e também no Valladolid, onde ganhou experiência e lições para evoluir dentro de campo, as tentações de um bom salário e de retornar ao seu país de origem conquistaram Guilherme, e foi o Atlético-MG o clube que proporcionou a repatriação do atleta, algo do que ele se arrepende até hoje.

- Falei para o meu empresário que queria voltar para o Brasil, foi um dos maiores erros que eu tive na minha vida, eu estava quase para pegar o passaporte espanhol, faltava um ano. Hoje valeria muito para mim, até para jogar em outro país, não ocupar vaga de estrangeiro... Eu acabei voltando com a cabeça não tão formada, você sabe que a gente sai de um jeito do Brasil e depois volta com um contrato melhor, como um jogador conhecido... Se você não tiver toda a proteção, a sabedoria, você acaba se perdendo em algumas coisas - contou.

E realmente algumas coisas se perderam, o que foi refletido diretamente em seu futebol. A passagem de Guilherme pelo Galo foi bastante discreta, mesmo com os cinco anos de contrato, jogou apenas 16 partidas em 2011, teve problemas disciplinares e acabou sendo emprestado.

O primeiro empréstimo foi ao Figueirense, em 2012, onde conseguiu jogar com mais regularidade, ainda que tenha passado por problemas de má conduta. No ano seguinte foi para o Santos, novamente com grande expectativa, mas a passagem foi curta, com outros problemas extracampo.

Ainda em 2013 passou pelo Atlético-GO, mais uma vez sem brilho.

- No Atlético-MG eu encontrei vários jogadores de ponta, o Mancini, o Daniel Carvalho, o Réver, as pessoas tentaram me ajudar, até o próprio Dorival, que falava pra eu ficar tranquilo, eu era um sujeito nervoso, explosivo. A minha situação no Brasil não era de jogo, minha questão era de ter um comportamento mais disciplinado, uma coisa mais tranquila. Às vezes eu não jogava um jogo e não queria ficar no banco, não aceitava, achava que era melhor do que os outros, então tinha aquela soberba - revelou.

Já em 2014 rescindiu seu contrato com o Atlético-MG e assinou com o Bahia, onde fez boa temporada, apesar do rebaixamento à Série B. No final do ano chamou a atenção do Fluminense, porém não teve sucesso nas Laranjeiras, fazendo apenas uma partida em 2015 e logo depois foi repassado ao Avaí.

- Com a imaturidade de criança, você pensa que é o rei e que o futebol nunca vai passar, acha que vai ficar com 21 anos o tempo todo, então eu cometia alguns erros, não procurava ser o profissional que eu sou hoje, achava que minha qualidade ia sobressair a todo momento, "já está tudo bem, já está tranquilo", não tinha a mesma dedicação de alcançar objetivos que eu tenho hoje - declarou Guilherme antes de completar:

- Tudo aconteceu muito rápido na minha vida, não me culpo muito e nem culpo ninguém, mas às vezes a gente acaba se deixando levar por algumas coisas extracampo, vai conhecendo pessoas que você pensa que são amigo, depois não são, coisas que a gente vai adquirindo com a maturidade mais pra frente.

No Avaí, sob o comando de Gilson Kleina, com quem havia trabalhado no Bahia, ficou insatisfeito por não estar jogando e reclamou, o que lhe garantiu uma nova dispensa. Santa Catarina, porém, ofereceu uma nova oportunidade a Guilherme, dessa vez no Cricúma, ainda em 2015. O lateral não rendeu o esperado e antes mesmo do término da temporada, já havia sido liberado pelo clube.

- Quando eu saí do Criciúma tive que aprender pela dor, porque na vida ou você aprende pelo amor ou pela dor, tive que ir pela dor.

Foi então que o jogador revelado pelo Vasco diz ter atingido o pior momento da carreira. Além da recente dispensa, viu seu nome ser estampado nas páginas policiais, quando se desentendeu com oficiais da lei em sua cidade natal, em Jequié, na Bahia, e foi preso por desacato.

- Estava no lugar errado, na hora errada, mas não estava fazendo coisa errada. Teve uma discussão em que os policiais falaram que iriam prender meu carro, porque estava com o som alto. Os vizinhos começaram a reclamar, eu falei que não iriam levar meu som, ficou aquele bate-boca, confusão... Aí fechou o mercado para mim, estava perto de ir para o América-MG, ou seja, fechou o mercado para lugares que eu achava que poderia jogar, e começaram a aparecer coisas muito abaixo - lamentou.

A frustração tomou conta de Guilherme, mas a queda foi essencial para iniciar o processo de retomada da carreira e, principalmente, de sua vida.

- Eu conversei com a minha esposa, chorei demais e pensava "eu estou acabando com a minha vida", ela também falou "olha o que você está fazendo", porque eu fiquei um pouco deprimido, não em depressão, mas eu estava frustrado, me cobrava muito "O que eu estou fazendo com a minha vida? Não vou mais conseguir chegar lá", porque o recomeço é muito mais difícil do que o começo - disse o lateral.

O Sampaio Corrêa, por meio do técnico Péricles Chamusca foi um dos poucos times das Séries A e B que tiveram interesse no futebol de Guilherme depois do episódio. Apesar de ser um centro de menor expressão e não contar com a estrutura de grandes clubes, era o lugar ideal para readquirir a confiança e trabalhar.

- Foi ali que eu vi que tinha que mudar, é um clube que tem paciência, tradicional, me deu um tombo bastante grande, mas eu fechei os olhos, peguei na mão de Deus, conversei com a minha esposa e falei "aqui que vai ser a minha mudança, então se for para começar do zero, vamos começar", agarrei a oportunidade, meti a cara, treinei, muitas pessoas falavam que eu não iria voltar para lugar nenhum, "esse aí destruiu a carreira, é um Adriano da vida", a gente vê uns comentários, fica triste, mas realmente é bom ver isso para saber até que ponto você chegou, não por ser uma má pessoa, mas por ter se deixado levar por coisas que eram passageiras - refletiu.

Pouco tempo depois, um antigo amigo, ex-diretor de futebol do Almería, Alberto Benito, entrou em contato para saber de sua situação e se haveria o interesse de Guilherme em jogar no futebol do Chipre. A resposta não demorou muito a sair.

- Um dia ele me ligou e disse que estava no Chipre, me chamou para vir pra cá e eu: "Chipre? Onde é esse negócio?" e fui olhar no mapa. Eu retornei a ligação para tratar dos detalhes do contrato, porque para essas mudanças você precisa de uma situação bem estabilizada, porque eu estava bem no Sampaio Corrêa, não poderia sair para algo incerto. Acabou que ele foi mandando embora, mas eu continuei e estou muito bem.

A oportunidade de mudança foi agarrada e com ela um outro presente está a caminho, para corroborar com sua boa fase.

- O Chipre não é um lugar tão destacado como Inglaterra, Alemanha, mas é o lugar que me permitiu dar esse grande passo, que me abriu as portas, muitas pessoas me ajudando, muita gente que quer me ver de novo voltando à minha vida aos poucos, minha esposa está esperando um filho, então foi tudo no momento certo, em que eu precisava da mudança e aconteceu. Eu esperei, levantei a poeira e aproveitei a oportunidade que eu tive de mudança - finalizou.

BATE-BOLA COM GUILHERME SANTOS, LATERAL-ESQUERDO DO ANORTHOSIS FAMAGUSTA, DO CHIPRE

O Chipre é um lugar muito diferente?

É bem turístico, se eu fosse te falar um lugar para comparar, eu diria Balneário Camboriú, tem muita gente que mora aqui, mas tem uma zona de praia, muita gente da Grécia, um pouco da Turquia, tem gente da Alemanha também. É bem legal, eu e minha esposa estamos nos adaptando, a gente gosta daqui e tem que gostar, porque é o lugar que está me empregando, são tantos os jogadores desempregados, que não tem oportunidade, a gente precisa agradecer.

Então por ser uma cidade turística, a adaptação foi mais fácil?

Aqui eles falam grego e é uma língua que eu não sei uma palavra, você realmente não entende nada, mas a gente se vira com o inglês, alguns deles falam um pouco de português, até por terem jogado com outros brasileiros, aí acaba um aprendendo a língua do outro. É uma troca legal, a gente vai se entrosando. Posso passar cinco anos aqui que eu acho que nunca vou aprender a falar grego. Eles podem falar qualquer coisa tranquilamente que eu não vou entender nada. (risos)

O que você achou do futebol do Chipre?

Aqui é um estilo de jogo de muita correria, tem suas qualidades, mas é de muita briga, muito contato, muito duro. Sempre gostei muito desse tipo de jogo, de pegada, então me adaptei rápido por isso também, porque eu tive uma escola no passado que foi na Espanha, onde a gente aprende muito a linha de quatro, no Brasil não tinha muito isso, hoje você até vê, mas não é tão comum. Agradeço muito a Deus por ter trabalhado com técnicos como o Unai Emery, que está no PSG, ele fazia muito esse trabalho de movimento com a linha de quatro, isso me ajudou muito. Então já cheguei jogando aqui, me adaptei bem. Não é uma liga tão conhecida, Quer dizer, alguns times participam dos campeonatos europeus, mas a liga em si não é muito assistida, então você pode se destacar aqui por perto, na Grécia, na Arábia, no Catar, mas eu creio que esteja crescendo. Se a gente for campeão da Copa, temos uma vaga na Liga Europa, isso já abriria o mercado. Está crescendo, é um campeonato duro, que não tem só três ou quatro equipes soberanas, todo mundo disputa, todo mundo briga pelas vagas. Eu gostei bastante e achei muito interessante.

O que faria diferente, olhando para trás?

O problema não foi voltar para o Brasil, o problema voltar sem ter a cabeça que eu tenho hoje, sem ter a sabedoria de trazer meu pais mais para perto, pra me auxiliar mais nisso tudo, porque eu aprendi depois, quando no Santos eu vi o acompanhamento do pai do Neymar, o acompanhamento da mãe do Gabriel Jesus... Eu tinha medo de passar por algumas situações e só queria dar o conforto para os meus pais "Vocês ficam aí, tem todo o conforto e não precisam estar perto de mim se eu for vaiado, algo do tipo, não quero que vocês sintam isso". Eu nunca fui uma má pessoa, mas quando eu voltei ao Brasil, eu não deixei as pessoas me ajudarem.

O que você sente que mudou hoje?

Hoje vejo as coisas de uma outra forma, tenho uma pessoa que me ajuda dentro de casa, com quem eu compartilho meus pensamentos, que é a minha esposa, recorro a pessoas mais experientes que podem me ajudar, eu não ouvia as pessoas com experiência, hoje eu escuto mais as pessoas, quando você tem isso, você automaticamente muda sua atitude, seu comportamento, sua personalidade, seu extracampo.

Como você lida com as críticas?

Eu não fico chateado, porque elas me fizeram despertar para uma situação que eu não entendia, nosso pai, nossa mãe, ficam chateados de ler um comentário ou outro, mas isso acontece com todo mundo, a gente vê o Neymar que é um grande jogador, mas comentam cada coisa dele, os próprios torcedores, às vezes vocês jornalistas fazem uma matéria tão bonita do cara e aí vem um torcedor e comenta algo destrutivo, a gente fica triste, mas tem que entender e isso pode até te ajudar, como me ajudou, eu me vi várias vezes nessa situação, hoje eu não sou muito de ver, mas meu pai acompanha, toda notícia que sai ele fica doido, fica todo bobo. Eu até agradeci a todas as pessoas que falaram, porque eu acordei.

Aonde você quer chegar ainda?

A gente sonha com a Seleção Brasileira, sonho em voltar ao meu país e fazer um grande campeonato, porque na verdade meus tempos no Brasil eu fiquei pouco em cada time, então quero estar inteiro, como hoje eu me sinto, eu não gostava tanto de academia, desses trabalhos de prevenção, hoje eu faço isso, vejo que pode fazer a diferença, mas já me sinto um cara realizado, porque eu tinha o sonho de ser jogador de futebol, não esperava que Deus pudesse fazer tanto, já sou um cara abençoado, tenho uma situação boa aqui e não posso trocar um sapato velho por um sapato novo, então quando eu tiver a oportunidade de voltar, eu vou dar o meu melhor, aproveitar para fazer um campeonato inteiro.