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CEO do Red Bull Brasil, Thiago Scuro reflete sobre o futebol brasileiro: 'Guardiola teria sido demitido aqui'

12/03/2018 07h35

Por mais que ainda há quem tente lutar contra, o caminho para um futebol cada vez mais profissionalizado no Brasil é inevitável, tanto é que o papel dos dirigentes executivos remunerados é essencial nos clubes e são raros aqueles que abrem mão dessa função. Um dos nomes de mais reconhecimento na área é o de Thiago Scuro, atual CEO do Red Bull Brasil. Depois de uma passagem de dois anos pelo Cruzeiro, o gestor voltou ao time de Campinas no ano passado com metas bastante claras, mas sabe que ainda há muito a ser feito no país.

- Os clubes são entidades associativas, modelo de cem anos atrás, com um componente político bem forte ainda, cada um tem a sua característica, mas em linhas gerais é isso, não é um processo técnico para alçar alguém a uma posição de liderança de um clube de futebol. É um processo político que leva a pessoa a esse posto - afirmou Scuro em entrevista ao LANCE!, antes de pontuar uma das consequências que esse tipo de administração poderia levar no país:

- Possivelmente, se o Guardiola tivesse dirigido um grande clube do Brasil no ano passado e tido o resultado que ele teve no Manchester City, ele teria sido demitido aqui e não teria tempo para mostrar os resultados que ele está mostrando na segunda.

Não foi preciso rodar o país para embasar essa tese. A experiência como diretor de futebol na Raposa em 2015 e em 2016 fez o dirigente conhecer profundamente o que é trabalhar em um grande clube do futebol brasileiro e os meandros de sua política, algo que, segundo ele, foi uma enorme oportunidade de crescimento profissional.

- Para mim, a passagem pelo Cruzeiro foi muito positiva em vários aspectos, até como autoconhecimento para ver como me incomoda pouco o que vem de fora, não importa se forem coisas boas ou ruins. Tenho uma visão muito clara de que o clube deve ser administrado de dentro para fora e não de fora para dentro. Foi muito boa no sentido de viver o dia a dia de um dos grandes clubes do Brasil, de Série A de Brasileiro, nível de atletas, de treinadores, de profissionais que interagi por lá, então profissionalmente foi muito positivo - avaliou.

O retorno ao Red Bull, por onde já havia passado como diretor esportivo entre 2013 e 2015, trouxe à tona a análise de gestão de um clube de gigante tradição e de um clube menos tradicional, mas com investimento e estrutura. Para Scuro, a grande diferença é a atenção que se dá para a organização como um todo.

- O que me chamou a atenção é que 100% das decisões no Cruzeiro estão voltadas para o time, sem considerar muito o impacto que isso terá sobre a organização. Em linhas gerais, do ponto de vista técnico e dos jogadores, a relação com os jogadores, com os treinadores, com os atletas, com os profissionais, com os departamentos não há muita diferença, porque futebol é futebol, óbvio que você tem outro perfil de atleta, com outra capacidade de investimento, mas a operação da parte técnica andou muito bem. Acho que existe potencial no Cruzeiro, não sei com é hoje, mas chega com mais condições de fazer um trabalho de gestão mais consistente, mais organizado para poder transferir isso para o time e acho que essa foi a grande dificuldade, a falta de visão da importância dos aspectos e dos princípios de gestão.

Como atual mandatário do Red Bull Brasil, Scuro reconhece que o clube tem feito grandes campanhas e realizado grandes feitos nos últimos anos, mas pretende alcançar muito mais do que já foi conquistado. O desafio é constante e se depender de seu trabalho, os objetivos serão atingidos em breve.

- É um clube que está há nove anos no Brasil, já conseguiu se firmar como uma das principais categorias de base, tem uma boa estrutura física, e de novo bato na tecla de que tem vários profissionais qualificados. Sem isso a gente não consegue construir absolutamente nada e, como consequência, os resultados vêm acompanhando esse desenvolvimento do clube, mas queremos mais, queremos ir mais adiante, passar de fases e, principalmente, crescer em nível nacional - concluiu o dirigente.

Confira a entrevista completa com o CEO do Red Bull Brasil, Thiago Scuro:

Por que parece ser tão difícil fazer futebol profissional aqui no Brasil?

Para mim é muito claro que o principal aspecto é o tempo, então esse modelo em que os presidentes são eleitos e possivelmente são trocados a cada três anos e que precisam, no poder de sua gestão, tomar medidas mais políticas do técnicas para poder se reeleger, eventualmente. A gente está ficando habituado a ver clubes com planos de cinco, dez, 15 anos em outras ligas, planejando futebol para uma ou duas décadas e a gente ainda vive ciclos de três anos, que para consolidar algo no futebol é um período muito curto, então na minha visão essa é a principal razão disso tudo e a segunda é o que te habilita a chegar a posição de presidente de um clube. Em linhas gerais você tem um processo político, cada clube, cada entidade, tem um formato, enfim, mas a gente sabe que não é preponderante qual é a formação, qual é a capacidade técnica de fazer a gestão do clube que o candidato teria.

Você acha que esse processo mais político do que técnico acaba impedindo a criação de uma liga entre os clubes brasileiros?

Acho que sim, acho que ambos os fatores impactam nisso. Acho que o primeiro é o prazo, os presidentes têm, no máximo, três a seis anos em dois mandatos, então não há uma motivação para pensamento a longo prazo para definir qual seria o melhor modelo para o futuro, e também por não termos uma visão do sistema, uma visão corporativa, entendo que se o negócio como um todo cresce, todo mundo que está dentro vai crescer. Então ainda é uma visão muito individual, muito clubística, estão trabalhando pelo bem só do seu clube. A gente tem várias dificuldades nesse processo, como encontrar uma liderança que agrade a todos para uma eventual união entre os clubes, enfim, acho que a gente esbarra um pouco nesses fatores que eu citei: prazo, perfil e forma com que as pessoas chegam lá.

Acha que esse modelo de administração no Brasil acaba afastando as empresas de investirem nos clubes?

Independentemente de Red Bull, que tem uma forma diferente de lidar com esse mercado, ela é proprietária de um clube e desenvolve o futebol como proprietária, mas em linhas gerais, os clubes ainda não conseguem entregar para o mercado a segurança de planos de longo prazo, então eu acho que isso limita a gente de ter mais contratos de patrocínio, de quatro, cinco, dez, 15 anos como a gente vê em alguns clubes, principalmente no futebol europeu. A Emirates está indo para duas décadas patrocinando o Arsenal, entre outros exemplos. Então eu acho sim que é um aspecto que as empresas levam em conta, porque não conseguem ver um plano estratégico de desenvolvimento desses clubes a médio prazo.

Quais são as principais dificuldades que você encontra no comando do Red Bull?

Hoje, olhando para a nossa equipe profissional, a principal dificuldade é o calendário, então nós temos uma exigência e uma atratividade no Campeonato Paulista, que acaba sendo muito reduzida no segundo semestre, por isso que nós estamos muito empenhados em fazer com que o Red Bull possa crescer em nível nacional. A construção de uma equipe vencedora dentro de campo é um processo que requer tempo, e a gente, de certa forma, monta um ou dois times por ano, um ou dois elencos por ano, em função das características de cada competição. Esse é um desafio nosso, do Red Bull, mas também dos clubes de São Paulo quando vão disputar a Série B do Brasileiro, porque diferentemente de outros estados, que você consegue uma continuidade maior de elenco, no estadual e na Série B, os clubes de São Paulo, de modo geral, precisam se reorganizar entre o estadual e o Brasileiro, e sem dúvidas isso gera prejuízo de performance.

Os jogadores se destacam pelo Red Bull ou por outro time e vocês não conseguem segurar a saída deles...

É isso, eles acabam atraídos pela Série A ou B do Brasileiro, isso acontece com o Red Bull, com o Ituano, com o Novorizontino, enfim, a gente vem estudando a Série B para entender o modelo e buscar o resultado que a gente precisa, e esse é um padrão, os times dos outros estados conseguem uma maior continuidade de elenco do que os clubes de São Paulo. Nós estamos vendo cada vez mais nas nossas categorias de base a chave desse sucesso, ter mais jogadores pratas da casa no profissional, mesmo durante o Paulista, para que eles possam continuar no clube e buscar esse resultado na Série D de uma forma mais consistente.

O que você acha que falta para o clube brasileiro considerado rico reverter essa vantagem financeira em resultados dentro de campo?

Na minha visão falta continuidade, nós somos um mercado de transição. Quando você se refere ao fato de na Europa o dinheiro ser revertido em resultado, a gente acaba falando dos clubes de ponta de cada liga, e esses clubes conseguem manter boa parte do elenco durante três, quatro temporadas e isso já é um desafio muito grande aqui no Brasil, porque um atleta que faz uma boa temporada no Campeonato Brasileiro acaba sendo atraído para outros mercados. Acho que isso é um aspecto da mentalidade dos jogadores, a gente tem dificuldade de se manter competitivo por várias temporadas, isso é um traço do sul-americano em geral, não só do brasileiro e acho que principalmente a ideia de jogo, a ideia coletiva, por mais que os clubes tenham dinheiro, você sempre tem rupturas no trabalho dos treinadores, com ideias muito diferentes e isso nunca se consolida. Possivelmente, se o Guardiola tivesse dirigido um grande clube do Brasil no ano passado e tido o resultado que ele teve no Manchester City, ele teria sido demitido aqui e não teria tempo para mostrar os resultados que ele está mostrando na segunda.

Qual é a avaliação que você faz de sua passagem pelo Cruzeiro?

Entendo que eu consegui deixar coisas boas lá, departamentos, não existia departamento de análise de desempenho no Cruzeiro, não existia departamento de scout, foi construído, muitos jogadores vieram desse processo que envolveu várias pessoas, não é uma decisão de um diretor, esses profissionais estão lá até hoje, conseguiram participar de forma importante na conquista da Copa do Brasil do ano passado, então óbvio que olhando para trás, talvez faria algumas coisas de forma diferente, mas acho que de modo geral o saldo é positivo pelo contexto que tinha lá.

Como era esse contexto que você disse ter vivido lá?

Acho que é mais de como as decisões eram tomadas, o que era considerado para isso, então por isso que eu tomei a decisão de sair, por entender que o que eu acredito, a forma que eu entendo que um clube deve ser administrado é diferente. Então não significa que eu não esteja certo ou lá esteja errado, é só uma questão de atuar em lugares que tenham valores e uma ideia de trabalho similar com a sua, foi simples assim na verdade.

Então o Red Bull é um lugar em que suas ideias são similares às da instituição?

Eu entendo que sim, pelo menos na forma como entendo o futebol, como a gestão profissional é transferida para a parte técnica, acho que é mais próximo do que acredito, de como me preparei para fazer e a gente começa a ver alguns clubes do futebol brasileiro caminhando nessa direção como Palmeiras, Flamengo, o Vitória tem buscado isso, o Bahia já vem fazendo isso há algum tempo, enfim, contente e esperançoso com o caminho que alguns clubes estão tomando para a gestão profissional do futebol.

Quais são as metas que você tem no Red Bull para curto e médio prazo?

Fazer com que Red Bull esteja nos níveis mais altos do futebol nacional o quanto antes. O grande objetivo é buscar uma vaga na Série D para poder ter tempo de se organizar e buscar esse acesso para a Série C e assim por diante. Então a gente entende que o crescimento do clube, o desenvolvimento, passa obrigatoriamente por isso. Paralelamente a gente vem qualificando a base, cada vez mais melhorando a nossa estrutura, cada vez mais investindo em pessoas e em bons profissionais em várias áreas dentro do clube, então é isso, nós temos uma ideia de como o clube precisa ser administrado, de como jogar futebol, buscando pessoas capacitadas e investindo nelas, preparando o clube para chegar na Série B rápido do Campeonato Brasileiro e nós estarmos aptos a competir no mesmo nível dos demais.

O que você pensa sobre os pedidos pelo fim dos estaduais?

Independentemente de olhar como Red Bull Brasil, como profissional de mercado, eu acho que no médio prazo traria prejuízo enorme para todos os envolvidos, então talvez existam maneiras diferentes de se fazer o que é feito hoje, isso precisa ser estudado com mais profundidade, mas os estaduais dão a oportunidade de o futebol chegar em cidades e regiões importantes que o Campeonato Brasileiro da Série A com 20 clubes não chega, é a oportunidade dessas cidades receberem os grandes clubes, a oportunidade de vários profissionais serem desenvolvidos, atletas, treinadores, preparadores físicos, dirigentes, então para um país do tamanho do nosso, imaginar um futebol com somente 20 clubes poderia trazer um prejuízo enorme para o futebol como um todo, até pensando em mercado, nessa indústria, em Seleção Brasileira daqui 20 anos com apenas 20 clubes competindo durante a temporada, então o impacto precisa ser melhor avaliado e vejo algumas opiniões bem rasas. Não é por estar no Red Bull Brasil, quando estive no Cruzeiro, defendi o estadual inúmeras vezes na Federação Mineira, porque eu acho que ainda tem uma função importante. Talvez a forma de fazer, como o calendário é distribuído, o volume de jogos, talvez isso caiba alguma discussão, agora simplesmente encerrar não, se o seu pé está lesionado, não vai cortá-lo fora, você vai procurar tratá-lo e deixá-lo melhor.