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Filha de Roger se identifica em filme de Edson Celulari e espera gol do pai

Giulia brinca com o pai Roger, atacante do Corinthians - Arquivo pessoal
Giulia brinca com o pai Roger, atacante do Corinthians Imagem: Arquivo pessoal

04/05/2018 05h49

(Atenção! Alerta de spoilers: se não quiser receber informações antecipadas sobre o filme "Teu mundo não cabe nos meus olhos", é aconselhável não prosseguir).

Você que está lendo essa matéria agora, parabéns! Você tem o dom da visão. Mas saiba que há pessoas que não o possuem e ainda assim optam por não enxergar. Abaixo, você saberá de duas.

Uma delas provavelmente você já conhece ou pelo menos já ouviu falar. É a pequena Giulia, de 11 anos. Ela é filha do atacante Roger, recém-contratado pelo Corinthians como esperança para ser o tão aguardado camisa 9. Giulia é deficiente visual desde que nasceu. Assim como Vitório, personagem de Edson Celulari no filme "Teu mundo não cabe nos meus olhos", dirigido por Paulo Nascimento. Realidade e ficção que se conectaram na última quinta-feira, em uma sala de cinema na Zona Oeste de São Paulo, e teve o Corinthians como pano de fundo.

Giulia, Roger, seus familiares e amigos foram convidados da Accorde, produtora do filme, para uma sessão de lançamento do longa. A menina que ficou famosa no país pelo exemplo de vida foi conhecer a história de Vitório, cuja deficiência visual não o impede de exercer todo seu amor pelo Corinthians.

Na trama, ambientada em 2012, Vitório vai ao Pacaembu vestido com o manto alvinegro, canta, vibra com os gols do Timão, se emociona como todo membro do bando de loucos. Sentimentos compartilhados por Giulia, atenta e confortável na primeira fileira da sala. Ela ri, brinca com o pai, com quem divide comentários sobre as cenas. Parece viver um sonho, que se desenhara nos dias anteriores, quando surgiu o convite.

"Ela (Giulia) está doida, faz dois dias que não dorme, não dá sossego. Já queria marcar para ontem (quarta-feira), e aí falei que era o dia do jogo (Corinthians enfrentou o Independiente-ARG pela Libertadores), que não dava. Espero que ela tenha uma noite especial", anunciou Roger, pouco antes de o filme começar, em contato com o LANCE!, que acompanhou a sessão.

Sem conhecer a história de Vitório, Giulia previu do que a experiência no cinema é capaz. Ela não viu o pizzaiolo dono de uma pizzaria no bairro do Bixiga vibrando com a Fiel no estádio, mas sentiu-se como se estivesse lá. Tudo graças a um aplicativo por meio do qual teve acesso à audiodescrição das cenas. Com a tecnologia, desfrutou dos prazeres da sétima arte. A comunicação de acessibilidade foi desenvolvida pela Accorde e pela Iguale, e reúne ainda LIBRAS e legendas descritivas (LSE). Estarão disponíveis nas salas em que o filme for exibido.

"O filme foi muito legal, tem muita coisa igual à gente, deficiente visual. E é engraçado porque realmente, as mesmas coisas que a gente faz, ele também faz como personagem. Acho que ele (Edson Celulari) se pôs no lugar de um deficiente visual para fazer esse filme", comentou Giulia, que também descreveu suas percepções:

"Eu me senti muito nas partes em que ele pegava o radinho no estádio, que ele sabia quem era a pessoa pela audição, pelo cheiro. Pelo cheiro até não porque não sinto muito comigo, mas ouvindo, sim. Até trocar as coisas de lugar, as broncas, porque acontece comigo isso (risos)".

A identificação de Giulia com o personagem foi tamanha que ela parecia ter feito um novo amigo. Principalmente porque possuem o mesmo sentimento no que se refere à sua deficiência. Há algum tempo, a filha de Roger surpreendeu os pais ao dizer que não queria enxergar. Estava satisfeita e feliz exatamente como era. A trama leva o corintiano Vitório à mesma conclusão.

"A parte que eu mais gostei do filme foi quando ele volta a não enxergar. Foi a parte que mais gostei porque ele voltou a ser feliz. Se acontecesse comigo, eu tomaria a mesma decisão que ele. Não a de enxergar, mas a de não enxergar ", afirmou Giulia, com seu sorriso característico no rosto.

A decisão da menina, tomada há alguns anos e representada na telona, mexe com Roger. Ele termina a sessão desconcertado. A reflexão é inevitável:

"Traz uma discussão à mesa. Nós, como pais, temos o sonho de ver nossos filhos melhores do que nós. Tenho sonho de ver a Julia falando línguas, morar fora. Tenho sonho de vê-la enxergar, de ver meus filhos voarem alto. E de repente, você traz uma ideia de que talvez isso não seja o ideal. Então, vou ter de refletir um pouco. Esse filme falou muito no coração. Trouxe algumas coisas que num futuro próximo terei de reavaliar alguns sonhos, principalmente da Giulia", comenta.

Giulia tem a explicação na ponta da língua.

"Para mim, o filme diz: não mude, seja você mesmo".

Giulia é uma menina normal, saudável, inteligente, representante na luta pela aceitação das pessoas com deficiência, e agora mais uma torcedora do Corinthians, o time do pai. E teu mundo não cabe nos olhos dela!

O Corinthians se ligou e decidiu homenagear a menina no anúncio da contratação de Roger, enviando uma carta em braile à ela. Veja:

"Aqui tem um bando de loucos..."

Passada a alegria de acompanhar um filme no cinema, é hora de exercer sua torcida pelo pai e pelo Timão. No próximo domingo, Roger deve estrear com a camisa do Corinthians no duelo contra o Ceará na Arena Corinthians, pelo Campeonato Brasileira. Lá estará Giulia, de corpo e alma agora alvinegra.

"Eu vou estar muito feliz! E orando por ele, torcendo para ele cada vez mais, para ele fazer vários gols e arrasar no jogo. Vai ser 2 a 0, com dois gols dele", palpita.

A menina não perdeu tempo e também colocou na ponta da língua a música da Fiel que mais lhe encanta. Ao primeiro pedido da reportagem, respondeu com a letra:

"Aqui tem um bando de loucos, loucos por ti, Corinthians! Para aqueles que acham que é pouco, eu vivo por ti, Corinthians!".

A alegria de Giulia mostra mais do que os olhos são capazes de ver.