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Conheça o Azuriz, clube-empresa com foco nas categorias de base no Brasil

22/11/2018 07h00

A 500 km da capital Curitiba, no Paraná, um pequeno município com cerca de 13 mil habitantes começa a chamar atenção no futebol brasileiro. A cidade de Marmeleiro aparece no mapa do esporte nacional como sede do Azuriz Futebol Clube, novo clube-empresa que visa estabelecer-se como pilar na captação e formação de atletas no país, especialmente na faixa de 10 a 16 anos.

Em funcionamento desde fevereiro de 2018, o novo clube já soma mais de R$5 milhões captados em investimentos. O LANCE! buscou detalhar todo o processo de criação do Azuriz, a atual discussão legislativa sobre clubes S/A no Brasil e os possíveis impactos da equipe do Paraná no futebol nacional a longo prazo. Confira abaixo!

Investimento em estrutura é ponto-chave para Azuriz

A ideia inicial para o projeto, que foca nas categorias de base, surgiu há três anos. A Florida Cup permitiu a um sócio do clube atual, que já visava criar uma agremiação amadora, encontrar-se com a cúpula da LifePro, empresa especializada em gestão de carreiras para atletas (com clientes como os laterais Marcelo e Danilo). Robson e Nelson Ramos são os sócios fundadores.

- (Queríamos) ter o controle total da operação, idealizando um clube de formação, com política e metodologia, já mesclando Brasil e Europa, com uma estrutura de centro de treinamento já bem evoluída. Vamos entregar (o CT) em abril de 2019 em um nível de top 10 no país. São quatro campos oficiais, alojamento e se adequando ao centro de formação da CBF. É tudo que há de melhor para preparar um menino para o alto desempenho. Estamos iniciando a operação só com sub-13, sub-15 e sub-17. A ideia é ser um clube formador inicialmente, não um clube para competição a nível profissional - disse Pedro Weber, membro cúpula da LifePro e responsável pela modelagem financeira dos projetos da empresa.

Deixar troféus com papel secundário, porém, não impede que consequências positivas se manifestem mesmo com pouco tempo de atividade. Recentemente, o Azuriz alocou ao Internacional o meia-atacante Roger Zinhani, 15 anos, um dos destaques da sua categoria. Além disso, o clube foi campeão da fase regional do torneio Bom de Bola e venceu o Estadual Sub-14 de forma invicta - foram 13 vitórias em 13 partidas, 47 gols pró e apenas um gol sofrido.

- A ideia é ter uma metodologia de formação bem definida, formar os atletas para o alto desempenho e então direcionar a carreira deles para os clubes de mais camisa. Há até casos em que podemos mandar os meninos direto à Europa, caso eles tenham dupla cidadania. Como estamos em uma região com muitos imigrantes, essa possibilidade é real - complementou.

Legislação no Brasil faculta transformação em clube-empresa

Em 1990, a publicação da Lei Zico (nº 8.672/93) oficializou a conversão dos clubes de associações sem fins lucrativos no modelo de clubes-empresa como algo facultativo. Com o advento da Lei Pelé (nº 9.981/98), todavia, o que era opcional passou a ser obrigatório. Na prática, pouco mudou: o prazo para adaptação dos clubes foi ampliado e uma nova edição do texto, já em 2000, fez com que a mudança voltasse a ser facultativa.

- Vejo a questão de clube-empresa como uma tendência, uma consequência da qual não vamos conseguir fugir. Os clubes brasileiros vão ter que se profissionalizar. Alguns já conseguiram ter uma condução profissional dentro de uma governança de associação, como o Flamengo. Lógico que ainda há problemas políticos, de mudar a presidência em triênios, que pode impactar na continuidade. É a diferença pro clube-empresa, que é um clube de dono, pensando em negócios. A construção dos negócios e dos resultados financeiros está acompanhada a um resultado de sucesso dentro das pretensões do clube - contou Weber à reportagem do L!.

Em 2016, o deputado federal Otavio Leite (PSDB/RJ) apresentou o projeto de lei 5.082, sob o nome "Sociedade Autônoma do Futebol", adicionando um novo capítulo à saga dos clubes-empresa no Brasil. O texto prevê uma transição facultativa para o modelo corporativo; caso os clubes não queiram fazer a mudança, seria possível ainda transferir os bens e direitos relativos ao futebol. As SAF poderiam buscar recursos no mercado de capitais e também poderiam atuar como S/As fechadas, atraindo sócios.

A pauta ainda não foi votada, já que o ano foi 'muito paralisado no Parlamento' brasileiro, como contou o deputado ao L!. Novo Secretário de Turismo do Rio de Janeiro na gestão de Wilson Witzel, Leite garantiu que não deixará a ideia cair no esquecimento dentro da Câmara, mesmo de longe.

- Não será imposto a ninguém. É uma metodologia nova, vale a pena o país experimentar. Existem muitas marcas que podem alavancar recursos, formas organizacionais, mais transparência e eficácia que certamente permitiram que o futebol fosse para outra dimensão. Vou passar esse bastão, mas o projeto continua vivo - declarou.

Independiente del Valle e Desportivo Brasil são principais referências

O União São João, de Araras - conhecido principalmente por revelar Roberto Carlos ao mundo do futebol - foi o primeiro clube no Brasil a converter-se no modelo de clube-empresa. A mudança aconteceu em 1994 com a criação da União São João S/A, empresa que controlava o clube, administrada pelo empresário José Mário Pavan.

Por ser um clube profissional, o USJ não é o melhor modelo para comparação com o Azuriz. No clube paranaense, duas instituições são apontadas como referência: o Independiente Del Valle (Equador) e o Desportivo Brasil (Porto Feliz, SP).

Em 2006, o clube equatoriano foi comprado por empresários de Quito e tornou-se uma empresa, de nome Independiente del Valle Cia. Ltda. A aquisição trouxe mudanças nas cores (antes vermelho e branco, hoje azul e preto), mas o principal reflexo foi dentro de campo, com o acesso à elite do país após quase 30 anos na terceira divisão do futebol equatoriano.

Los Rayados del Valle direcionaram seu foco à base com a construção de um centro de treinamento com oito campos - que também servia ao time profissional -, além de um alojamento para mais de 100 jogadores. A formação dos atletas também se estendia ao extracampo, já que todos os meninos deixavam o clube com um diploma técnico em esportes. O zagueiro Caicedo, titular da zaga do Equador, é cria do clube; ambos Sornoza e Bryan Cabezas, hoje no Fluminense, também passaram pelas "canteras" equatorianas.

Criado em 2005 pelo grupo Traffic, o Desportivo Brasil é referência no cenário nacional quando se trata de clubes-empresa com foco na base. Gustavo Scarpa (Palmeiras) e Léo Duarte (Flamengo) são dois dos ex-jogadores do clube de Porto Feliz.

Em 2014, após comprar o CT do clube por R$30 milhões, o grupo Luneng adquiriu de vez o controle do DB por mais R$8 milhões. A empresa é fornecedora de energia elétrica na província de Shandong, na China, e é subsidiária da maior companhia do setor no país.

Gustavo Scarpa (Palmeiras) e Léo Duarte (Flamengo) são dois dos ex-jogadores do clube de Porto Feliz. Ademais, a associação também controla o clube Shandong Luneng, de Diego Tardelli. O novo acordo tem rendido parcerias entre as equipes chinesa e brasileira, com intercâmbio de atletas nas categorias juvenis.

Azuriz propõe 'terceirização' da base?

Pedro Weber garante que os planos do Azuriz em nada visam substituir a tradicional estrutura de base dos clubes do futebol brasileiro; o objetivo é atuar junto à captação de talentos. Com o sucesso do projeto, o intuito é atuar como competidor das grandes equipes, firmando parcerias pontuais por atletas de destaque.

Dos 12 principais times do futebol brasileiro, ao menos seis já visitaram as instalações em Marmeleiro. São eles Vasco, Palmeiras, Internacional, Grêmio, Flamengo e Fluminense; o Atlético-PR também marcou presença.

- Vamos nos tornar competidores na captação. Aqui na região, temos um raio de captação muito forte. Estamos 500km distantes de Curitiba, 500km de Florianópolis, 1000km de Porto Alegre. A mais próxima é a base da Chapecoense, que ainda está em evolução e não é estruturada como a dos clubes grandes. Teremos nossa metodologia de formação, diferente dos clubes grandes, então não é uma terceirização de formação. Queremos nos tornar uma referência de clube formador, e aí sim os clubes vão nos olhar como possíveis parceiros, como funciona hoje o Desportivo Brasil, o Red Bull Brasil e outros clubes-empresa que estão nascendo no país - disse.