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Opinião: 'Estádios brasileiros nunca estiveram tão cheios, mas como tentar levar ainda mais gente?'

18/07/2019 14h54

Em 2018, o Campeonato Brasileiro teve sua maior média de público desde 1987: foram 18.821 pagantes por jogo. Neste ano, há até agora uma tendência de crescimento sobre aquela marca: a média até o momento é de 19.781 pagantes, se aproximando do significativo patamar dos 20 mil por jogo. Se a edição deste ano chegar lá, será apenas a 6ª vez que o Brasileirão ultrapassa a marca dos 20 mil por partida desde 1970 - e a primeira desde a implementação da fórmula de pontos corridos. Vale dizer que estes números atuais representam uma taxa de ocupação bem maior do que a de décadas passadas, quando cabia bem mais gente nos estádios e clássicos pontuais com mais de 100 mil pessoas puxavam as médias pra cima.

Um relatório recente do Centro Internacional de Estudos do Esporte mostrou que a tendência de crescimento na nossa principal competição é sólida: agrupando por blocos de 5 anos, a média subiu de 13.698 no período entre 2003-2008 para 15.452 em 2009-2013 e para 17.402 em 2014-2018 - um aumento de 27%. E, ao longo deste tempo, não tem ficado mais fácil para os clubes brasileiros segurarem por aqui seus grandes jogadores. Apesar dos muitos saudosistas da época dos Brasileirões com mata-mata, foi sendo desenvolvida ao longo destes 15 anos uma cultura maior de pontos corridos no torcedor que certamente contribuiu para os números cada vez maiores, mas é possível apontar alguns outros fatores que influenciam nesta evolução.

Talvez este seja o maior ponto: ir ao estádio ficou, de modo geral, muito mais fácil e confortável. As arenas que surgiram no ciclo da Copa do Mundo mostraram desde suas inaugurações que eram capazes de influenciar no crescimento da média e, com o tempo, os clubes e administradores dos estádios foram amadurecendo a operação e as políticas de precificação. Também os processos de venda de ingressos evoluíram muito: hoje a venda online é uma realidade e cenas de torcedores acampados por horas em frente a bilheterias físicas e grandes confusões com quebra-quebra foram ficando pra trás. Fato é que hoje é mais fácil comprar o ingresso, entrar e sair do estádio; horas da vida do torcedor são poupadas e a tomada de decisão de sair de casa se torna mais fácil.

Aconteceu também o boom dos programas de sócio-torcedor. Se no Brasil os "season tickets" nunca engrenaram até hoje, os grandes do Rio Grande do Sul, Grêmio e Inter, encontraram uma alternativa ao se tornarem pioneiros em ligar a associação à fidelização do torcedor no estádio, com mensalidades mais acessíveis que davam direito a benefícios para ir às partidas. O lançamento do Movimento por um Futebol Melhor pela AmBev em 2013 ajudou na época a expandir a mensagem da importância de ser sócio e fazer mais clubes se mexerem nesta direção. E, hoje, são muitos os programas com dezenas de milhares de membros ativos, que se tornam mais fiéis no hábito de ir ao estádio e representam um percentual muito relevante no público presente. No Palmeiras, líder nacional em taxa de ocupação de seu estádio nos últimos anos, os sócios-torcedores foram 51% do público no Allianz Parque e no Pacaembu neste Brasileirão.

Mas ainda há muito espaço para crescimento. O caminho normal que os clubes tomam quando sentem necessidade de levar mais gente ao estádio é sempre abaixar preço, mas há cinco grandes influenciadores na decisão de alguém ir ao estádio: um deles é a conveniência (na qual se inclui não só o preço, mas também a facilidade para comprar o ingresso e no acesso ao jogo, o conforto dentro do estádio - o que melhorou nos últimos anos), mas há ainda a qualidade do espetáculo; a percepção do torcedor sobre o desempenho esportivo de seu time; a notoriedade e percepção de importância da partida; e o contexto social do torcedor - sua ligação emocional com o clube, o quanto ele faz parte de sua identidade e o quanto esta relação também é importante nas suas conexões com amigos e família.

O contexto social parece a variável mais constante em cada torcedor, mas ela pode ser ativada através da comunicação - assim como a notoriedade e percepção de importância das partidas e das competições. Hoje os clubes contam com perfis em redes sociais com audiências relevantes, mas é o único canal por onde atuam ativamente. Em ano de Rock in Rio, um evento que sempre tem seus ingressos esgotados rapidamente, os cariocas andam nas ruas vendo mídia do festival em todo lugar, e o mesmo acontece em algum nível com todo evento que quer ganhar relevância na praça em que vai acontecer. Já o Campeonato Brasileiro, principal competição de nosso calendário doméstico, é totalmente invisível nas ruas das grandes cidades do país quando começa.

É certo que os torcedores mais engajados sempre sabem quando e onde seu time joga, mas - tirando jogos mais decisivos, aqueles de que todo mundo está falando - isso não é a realidade de boa parte do público mais eventual; muitos não têm na cabeça se o jogo desta rodada de meio de temporada é sábado ou domingo, quanto está custando, por onde vai ser transmitido. E aí, na disputa pelo seu tempo e atenção, outros eventos e atrações que se comunicam ativamente podem passar na frente. Cada jogo, mesmo os que não são decisivos por si só, também pode ter sua história construída através da comunicação, para aumentar a percepção de sua relevância. Já há clubes no Brasil experimentando a compra de mídia online para estimular a compra de ingressos, mas ainda é tímido. O costume continua sendo contar muito com a divulgação orgânica da imprensa, que acaba atingindo mais quem já busca por aquela informação.

Quanto à qualidade do evento, o grande salto seria, claro, uma maior força dos clubes do país para manter por aqui os melhores jogadores. Ajustes no calendário, para diminuir o número de jogos percebidos como irrelevantes, dar mais tempo para os times treinarem e um respiro maior para o torcedor, também seriam importantes. Na verdade, estes dois pontos são os mais relevantes na equação toda e dependem de um movimento coordenado do mercado como um todo, em especial dos clubes, para valorizar seu produto.

Mas há o que se fazer no entorno do jogo, trabalhando a atmosfera do evento para torná-lo mais diferente, atraente, engajador, inesquecível. A festa espontânea da torcida sempre é um componente importante e precisa ser valorizada sempre, mas em alguns jogos mais decisivos, já tivemos clubes e arenas apostando em espetáculos com luzes, fogos e fumaça - vimos isso em 2018 em jogos mais marcantes do Flamengo no Maracanã e na final da Copa do Brasil, por exemplo. Patrocinadores também poderiam ter sua participação com ativações criativas, como costuma acontecer em festivais que reúnem quantidade de pessoas muitas vezes semelhantes às das grandes partidas - há inclusive um potencial de geração de receita basicamente inexplorado aí.

No fim, trata-se de um trabalho para tentar conseguir tornar o jogo atraente para mais gente quando um dos componentes citados falha: a percepção do público sobre o desempenho esportivo do seu time, pois uma parcela importante dos torcedores brasileiros costuma querer consumir seu clube, o que inclui ir aos jogos, apenas quando ele está ganhando. Isso se verifica nas médias de público do campeonato como um todo: elas são sempre maiores nos anos em que os times de massa, aqueles que conseguem lotar estádios com mais frequência, vão bem. Mas o gestor não pode se conformar com o "quando o time vence, tudo funciona"; o grande desafio é fazer os jogos e as competições mais relevantes na vida do público e a experiência de ir ao estádio atraente sempre - e aí, nos momentos de glória dentro de campo, o resultado vai ser ainda maior.

*André Monnerat, Head de Negócios da Feng Brasil, empresa especializada em projetos de engajamento de fãs e que atua na gestão de alguns dos principais programas de sócio torcedor, entre eles, Flamengo, Santos e Vasco, e season ticket do país, como Allianz Parque.