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Luiz Gomes: 'A barbárie gaúcha'

23/07/2019 08h40

Uma boa parte das imagens de arquibancada que as TVs exibem durante os jogos de futebol mostra torcedoras sorridentes - por vezes tensas em oração ou roendo as unhas - e singelos rostinhos de crianças ao lado dos pais. Essa foi a estética criada nas transmissões da Globo nas últimas décadas e que hoje é seguida pelos demais canais que mostram os jogos com a diversificação dos direitos de exibição.

Certamente este não é o fator principal, mas apenas um deles, no movimento que se vê nos estádios com o aumento do número de mulheres e crianças assistindo aos jogos de seu time. É uma tendência positiva que percebe-se a olho nu, não precisa de dados estatísticos para comprovar. Ainda assim, clubes que desenvolveram sistemas mais tecnológicos de controle de acesso a suas arenas, como o Grêmio e o Athético, ou têm programas de sócio-torcedor eficazes como o Palmeiras, podem comprovar isso por números.

Mas, o que é triste, é que todo o esforço que possa existir para tornar o futebol algo socialmente aceitável, uma atração familiar, se põe a perder quando surgem nas telas de TVs e celulares cenas como a do Gre-Nal do último sábado. Uma reputação leva-se por vezes anos, décadas e mais décadas para ser construída. A desmoralização se dá em minutos, segundos, e foi isso o que se viu em Porto Alegre.

O que fizeram aqueles torcedores colorados ao agredir a mãe gremista em frente ao filho desesperado, chegando a tomar a camisa do rival, não foi uma simples agressão. Foi, para usar um jargão jurídico, um crime qualificado em que sobram agravantes que a própria barbárie deixa explícitos. Foi um atentado não a uma torcedora, uma mulher, uma mãe e uma criança. Mas à civilidade. Ao futebol.

Dito isso, há duas questões que envolvem o tema. Uma é meramente esportiva, outra vai muito além das regras e regulamentos de um campeonato de futebol. Em ambas só existe um caminho capaz de tornar o que se viu no Beira Rio. um pouco menos doloroso: não permitir que a impunidade seja o resultado final do episódio, como é de praxe passada a onda inicial de indignação.

O Inter anunciou na segunda-feira que identificou os torcedores - um conselheiro entre eles - e que abriu processo interno contra eles. O clube, para não ser punido pesadamente com multa e a perda de mandos de campo tem mesmo a obrigação de agir, banir os agressores do seu quadro social e do programa de torcedores cassando-lhes o direito de frequentar seus jogos. Mas é preciso entregá-los à autoridade.

Feito isso, o que não livra o Colorado de suas responsabilidades como mandante, que fique claro, vem o mais importante. Os bárbaros do Beira-Rio têm de pagar criminalmente pelos seus atos. Afasta-los dos estádios não basta. Pelo código penal, agressão qualificada deve ser enquadrada como crime e não é nada diferente disso que se pode esperar nesse caso.

Em 2015 um seminário promovido pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro para discutir a violência no futebol, com ampla participação de especialistas de vários segmentos da sociedade, reconheceu a impunidade, a precariedade das investigações e o consequente retardo nas decisões judiciais como fatores que dificultam o enfrentamento do problema. Entre as propostas ali surgidas amais importante foi a criação de delegacias especializadas em crimes de futebol, a exemplo dos juizados especiais instituídos nos estádios em alguns estados, uma experiência de fato bem sucedida neste processo.

Não há notícias, contudo, de que essa ou outras medidas relevantes propostas ali tenham sido implementadas. E este é indubitavelmente o cerne do problema. Ideias - assim como leis, esportivas ou criminais - não nos faltam. Quem tem vontade e vergonha na cara para pô-las em prática é o que precisamos encontrar