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Do rojão à farsa! Há 30 anos, o Brasil driblava um 'susto' e ia para a Copa

03/09/2019 07h30

A ida às últimas consequências para classificar sua seleção à Copa rendeu um dos episódios mais controversos da história do futebol sul-americano. Há 30 anos, o rojão que Rosenery Mello disparou no gramado no Maracanã durante um Brasil e Chile, em partida decisiva pelas Eliminatórias para a Copa do Mundo, culminou em uma farsa nas mãos de Rojas.

- Eu lembro sempre com muita tristeza deste jogo. Sabíamos que era um jogo de risco, a própria Fifa considerou. Por todo ambiente que criaram desde a partida no Chile (empate em 1 a 1). Lá, teve uma verdadeira "batalha campal", o Romário foi expulso, eles fizeram jogo sujo desde o início. E aqui no Maracanã, quando veio o "foguete", vi claramente que não atingiu o Rojas. Aquilo ali pareceu programado, foi doloroso - recordou o técnico Sebastião Lazaroni, ao LANCE!.

Naquela edição das Eliminatórias, só se classificava o primeiro de cada chave. Brasil e Chile chegaram à última rodada empatados em números de pontos, mas os canarinhos tinham a vantagem do empate no Maracanã, devido ao saldo de gols superior (11 contra cinco). E o "tempero" ficou ainda maior pelo clima causado no primeiro jogo entre as equipes.

'GUERRA DE NERVOS' ANUNCIADA DESDE O JOGO DE IDA

Em 13 de agosto, chilenos e brasileiros se enfrentaram pela primeira vez na partida. A rispidez custou uma baixa à Seleção logo de cara:

- Antes do jogo começar, um chileno deu uma mordida no Romário. Ele se irritou e levou um amarelo. Aí, quando a bola rolou, deram uma falta contra nós e ele foi expulso aos três minutos. Imagina a pressão que foi - detalhou Sebastião Lazaroni.

Logo depois, "La Roja" também teve Ormeño expulso. Em meio ao acirrado embate, a Seleção achou o caminho do gol de maneira curiosa: após jogada de Mazinho, Astengo tentou rechaçar, mas a bola explodiu em González e parou na rede.

Em desvantagem, os chilenos, se lançaram à frente. Meio-campista do Chile, Jorge Aravena lembrou como foi esta partida no Estádio Nacional:

- Foi muito difícil, porque o Brasil esteve muito intenso durante todo o jogo. Para nossa sorte, tínhamos Rojas, que estava muito inspirado. Enfim, foi uma partida eliminatória daqueles tempos, diante de um gigante sul-americano.

O gol de empate de "La Roja" rendeu muita polêmica:

- O árbitro marcou sobrepasso do Taffarel (a regra, que não existe mais no futebol, não permitia ao goleiro dar mais do que quatro passos com a bola nas mãos). O Taffarel entregou a bola, eles jogaram para o gol e o árbitro validou. Foi muito esquisito! - recorda Silas.

Um dos defensores da equipe canarinha, Mauro Galvão recorda:

- Eles estavam dispostos a tudo. No Chile, torcedores quase derrubaram um policial. No gol deles, cobraram falta em dois toques sem a gente armar barreira...

O ex-lateral chileno Alejandro Hisis é sucinto ao lembrar-se do lance que culminou no gol de Basay:

- Foi uma jogada inteligente do meu companheiro.

Após brasileiros e chilenos terem vencido seus respectivos confrontos com a Venezuela, o reencontro estava marcado para 3 de setembro, desta vez no Maracanã.

DOMÍNIO, GOL E APREENSÃO: O CLIMA NO MARACANÃ

Sob expectativa de mais de 130 mil pessoas, a Seleção Brasileira entrou em campo em 3 de setembro no Maracanã em busca da vaga na Copa do Mundo de 1990. Aos poucos, a equipe comandada por Sebastião Lazaroni foi se soltando na marcação e fazendo Rojas se desdobrar, em finalizações de Bebeto, Branco e Careca.

- Brasil e Chile era sempre guerra, né? Às vezes, até pior do que contra a Argentina, porque eles eram muito desleais, e a gente já tinha sentido isto na partida de Santiago. Mas estávamos bem confiantes para aquele jogo, a partida era no Maracanã lotado - detalhou o camisa 9.

De tanto rondar a área chilena, a Seleção balançou a rede aos quatro minutos, com Careca:

- O Bebeto, que gostava de voltar um pouco e buscar a bola, girou em cima do volante e lançou para mim no momento certo. Eu já "fiz o facão", fui pelo meio dos zagueiros e chutei. A bola até bateu no Rojas antes de entrar. Foi uma jogada rápida, uma bola perfeita.

Porém, aos 24 minutos, a euforia pela iminente classificação passou a dar espaço à tensão. Um sinalizador da Marinha disparado pela torcedora Rosenery Mello caiu na área chilena. O goleiro Rojas desabou em campo e rolou até próximo ao resto do fogo, o que deu a impressão inicial de ter sido atingido pelo artefato.

- Bateu aquele desespero de ficar fora do Mundial, né? Agora, depois foi tudo desmascarado - confessou Careca, que estava próximo ao lance na hora do incidente, 30 anos depois.

O jogo foi interrompido aos 28 minutos, com os chilenos saindo de campo e, depois, pleiteando a vaga na Copa de 1990. Contudo, a foto de trás do gol apontou que o goleiro não foi sido atingido pelo rojão.

Além de ter se cortado com uma gilete que levava no bolso de seu calção, jogaram mercúrio em seu rosto, para simular que seu rosto estava ensanguentado. O Chile teve sua derrota ratificada por 2 a 0 (devido ao abandono do campo).

Roberto Rojas, que era goleiro do São Paulo, foi banido do futebol mas, depois, anistiado do futebol em 2001, e chegou a trabalhar na comissão técnica do Tricolor paulista. Procurado pelo LANCE!, o ex-goleiro não quis dar entrevista. Em várias declarações que deu durante estes anos, ele comentou de maneira sucinta:

- Foi um corte à minha dignidade.

O treinador Orlando Aravena, o médico Daniel Rodríguez e o dirigente Sergio Stoppel foram afastados dos gramados. Astengo ficou quatro anos sem atuar.

Um dos poucos ex-jogadores do Chile que quis falar sobre este duelo de 30 anos atrás, Jorge Aravena lembrou sobre "La Roja":

- Tínhamos uma boa seleção, fizemos jogos disputados com o Brasil. Mas, desgraçadamente, Rojas cometeu este erro. E ele pagou da maneira mais dolorosa, que foi ficar fora dos gramados.

DA CATIMBA AO VIOLÃO: OS 'CAUSOS' DE BRASIL x CHILE

As lembranças dos jogos entre Brasil e Chile pelo Grupo 3 ainda são marcantes para quem esteve em campo. O meia Silas, que era colega de Rojas, contou que a confusão após o jogo causou outro "prejuízo" ao colega chileno:

- Ele era meu companheiro de São Paulo, e tinha deixado um violão dele comigo, mas fiquei de entregar no Maracanã. Só que, depois daquela situação toda, o violão sumiu! Até vou aproveitar para pedir, né?! Quem pegou, devolve, porque se não aprendeu até agora, desiste - brinca o ex-meia, que recorda sobre o clima em torno do jogo:

- A gente queria ganhar em campo. Estava "mordido" pelo jogo no Chile, pela catimba deles. Quando veio a história da "fogueteira" pensei: "pô, não vamos ganhar em campo?" (risos)

Valdo não esquece a catimba do Chile:

- Tinha o Astengo, que foi até meu colega no Grêmio. Era gente boa, mas muito "catimbeiro". Parava o jogo a qualquer custo.

Silas ainda lembra com lamento o episódio envolvendo Rojas:

- Senti muito aquele banimento dele do futebol. É um cara muito bom, a gente entendeu que foi um momento de desespero dele. E o jogo do Chile estava muito "catimbado", as entradas duras, parecia até premeditada a maneira como os jogadores batiam na gente...

Mauro Galvão enaltece a força do adversário do Brasil:

- Era uma seleção muito boa, tinha um Zamorano, Yañez, Basay, era difícil de conter. Foram dois jogos muito duros. Mas nosso time era bem forte e soubemos nos classificar.

Responsável por jogar o artefato no gramado, Rosenery Mello recebeu o epíteto de "fogueteira" e teve momentos de fama ao posar para a revista masculina "Playboy". Nos últimos anos de sua vida, morava em Araruama, na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro, e comandava um bar. Ela faleceu em 2011, em função de um aneurisma cerebral, aos 45 anos.

A MARCA DE MAIS DE UMA GERAÇÃO

'Foi uma lástima terem lançado aquele maldito rojão'

COM A PALAVRA

ALEJANDRO HISIS

Ex-lateral do Chile

A gente tinha uma geração muito forte, com nomes como Astengo, Yañez Jorge Aravena, Basay, Zamorano. Por isto, fomos com muita confiança para o Maracanã. Acho dava um "gostinho" a mais este desejo de poder tirar o Brasil da Copa do Mundo.

Fizemos uma grande eliminatória e sabíamos que poderíamos vencer, mesmo que fosse no Maracanã. Em especial porque já tínhamos derrotado os brasileiros na Copa América de 1987, por 4 a 0.

Naquele momento do incidente, eu estava mais perto do ataque. Minha primeira reação, assim como a de todos os colegas, foi de ver como estava o Rojas, que é meu grande amigo até hoje.

Foi uma lástima terem lançado aquele maldito rojão. Sem dúvida, o Rojas foi o mais prejudicado com aquilo. Afinal, além da nossa eliminação, a geração seguinte do Chile pagou caro por aquele episódio. Não pudemos disputar duas Copas.

Mas claro que, mesmo depois de tudo, minha intenção sempre foi dar apoio ao meu querido amigo. Ele é um dos melhores goleiros que vi. Só cometeu um erro.