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Jogar handebol pode ser violento. Mas esporte não quer mais essa imagem

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

25/01/2015 06h00

Mundial de handebol masculino, disputado no Qatar. Partida de abertura. Jogador do time da casa, Kamalaldin Mallash desmaia depois de se jogar atrás de uma bola e ser atingido pelo brasileiro Thiagus. Uma joelhada na cabeça. Tudo bem, foi um lance improvável.

Vamos, então, ao duelo entre Alemanha e Argentina, na última quinta-feira (22), sexto dia do torneio, terceira rodada. O argentino Juan Pablo Fernández tenta uma jogada e, quando se aproxima da área alemã, leva um soco no nariz de Michael Muller. Não desmaiou. Mas ficou muito perto disso. Esse, sim, foi um lance tipico do handebol.

Muita gente não sabe, mas o esporte mais praticado nas escolas brasileiras pode, sim, ser violento. É prática comum empurrar, agarrar e até carregar o rival para longe de sua área. É falta? É. Mas elas são comuns no handebol. Como não há limite no número de infrações, sejam individuais ou por equipes, falta é usada para parar o lance. É tática, não agressão.

Pela televisão, o ritmo frenético do jogo acaba mascarando trombadas, encontrões e trancos. Mas os jogadores sentem. O polonês Karol Bielecki que o diga. Ele joga o Mundial por sua seleção enxergando apenas com o olho direito. O esquerdo foi completamente danificado quando um marcador, acidentalmente, colocou o dedo dentro de seu globo ocular. Hoje, é o único atleta do torneio a usar óculos de proteção.

Já o brasileiro Vinícius Teixeira sofreu duas lesões sérias no rosto no último ano. No primeiro, fraturou o osso zigomático (aquele embaixo do olho). No segundo, teve afundamento da testa - fez uma operação e implantou uma placa de titânio acima dos olhos, para ter tempo de viajar ao Qatar. Nas duas lesões, foi vítima de encontrões acidentais. Em nenhuma das lesões, incluindo a do polonês, quem causou o problema tinha a intenção de machucar. O acidente foi fruto do contato excessivo do handebol.

Apesar da impressão de violência, jogadores, técnicos e dirigentes não concordam com essa visão. Para eles, o handebol só é violento por ser um esporte de contato. Rúgbi ou futebol americano estão na ponta da língua quando eles tentam defender a modalidade. Existe, porém, uma preocupação em diminuir as trombadas. E o Mundial está sofrendo o primeiro efeito disso no mais alto nível.

Em um processo que começou em 2010, em torneios de base, árbitros foram instruídos a coibir o contato. Hoje, qualquer toque no rosto é punido com uma exclusão de dois minutos. Antes, havia tolerância. Assim como qualquer empurrão lateral aos jogadores que atacam – impulsos frontais ainda são consideradas faltas normais. Também não é mais permitido fazer contato com jogadores livres em contra-ataque.

Isso fica evidente nas estatísticas do mundial. No último Mundial, disputado em 2013 na Espanha, foram marcadas, em média, 8 exclusões de dois minutos por jogo. No Qatar, esse número subiu para 11. Em números absolutos, foram 594 exclusões em nove dias do Mundial de 2015, contra 667 em 16 dias da última edição. No número de cartões amarelos, usados apenas como advertência, a média das duas competições é similar: 6,1 de 2013 contra os 6 atuais.

“Existe uma tendência, hoje, para tornar o handebol mais dinâmico. Isso está sendo feito com algumas mudanças nos critérios de arbitragem. No Qatar, os árbitros estão muito mais rígidos, excluindo muito mais jogadores. Antes, usavam os cartões amarelos para isso. Agora, são dois minutos fora direto. Isso faz com que os jogadores evitem o contato mais duro, como acontecia no passado. Não é uma medida para coibir a violência, mas acaba diminuindo o contato”, explica o ex-jogador Hélio Justino, 17 anos de seleção brasileira, duas medalhas de ouro em Jogos Pan-Americanos e hoje técnico da seleção júnior.

Em 2010, ele era assistente do time que disputou os Jogos da Juventude e acompanhou as mudanças. “Não é que o handebol seja violento. É um esporte de contato e, como tal, acaba tendo choque. Mas as lesões sérias são muito menos frequentes do que pode parecer. Quem assiste pela TV pode até achar que existe violência, mas os contatos são, em sua grande maioria, leais”, completa.

Quem quiser, pode formar sua opinião assistindo ao próximo jogo do Brasil no Mundial. A equipe, comandada pelo espanhol Jordi Ribera, tenta a classificação inédita para as quartas de final contra a Croácia, uma das grandes potências do planeta. E, um detalhe: lembra do polonês Bielecki? Sua lesão no olho aconteceu justamente em um amistoso contra os croatas...