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Medalhista porta-bandeira de 88 sumiu do esporte para vender molas e facas

Walter Carmona (dir.) com Aurélio Miguel em 1983 - Ovídio Vieira/Folhapress
Walter Carmona (dir.) com Aurélio Miguel em 1983 Imagem: Ovídio Vieira/Folhapress

José Ricardo Leite

Do UOL, em São Paulo

20/10/2014 06h00

Foram 12 anos seguidos dedicados ao esporte como atleta de forma ininterrupta. Treinos e viagens por competições ao redor do mundo todo em uma rotina desgastante, mas que valeu a pena. Saldo de uma medalha olímpica, uma em Mundial e ser escolhido para uma das maiores honraria dos esporte brasileiro: ser o porta-bandeira do país em uma edição de Jogos Olímpicos.

Quem ler este currículo pode pensar que o dono dele ainda é alguém reverenciado e muito ligado ao mundo esportivo nacional. Errou feio. Walter Carmona, 57 anos, abandonou de vez o mundo do judô e do esporte e partiu para negócios pessoais que o fazem ser pouco lembrado na memória como um dos grandes nomes do país.

“Estou desligado totalmente, desencanei de vez. Quando vejo os amigos dá uma vontade, uma coisa gostosa de discutir sobre o assunto, falar das técnicas, mas não tenho mais tempo para assumir compromisso e viver nesse mundo. O tempo que eu tinha já foi; agora não tenho mais”, falou ao UOL Esporte.

Carmona foi medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984. Antes, já havia sido terceiro colocado em um Mundial disputado na França, cinco anos antes. O bom desempenho na Olimpíada dos EUA o fez ser convidado pelo COB para ser o porta-bandeira da edição seguinte, em Seul, na Coreia do Sul, onde não teve bom desempenho.


Depois disso, chegou a ser técnico da seleção feminina. Mas logo se desencantou. “Na minha época tinha um nível de dirigente ruins, mas aceitei o desafio pra mostrar um trabalho e tentar formar uma boa estrutura. Fiquei alguns meses e não deu certo. Logo depois que parei de competir, fiquei um tempo à disposição pra passar pra frente o que aprendi, não houve interesse de ninguém”, contou.

Desde então, Walter Carmona vem tocando o negócio que herdou de seu pai, uma indústria do ramo metalúrgico que no começo produzia apenas molas. Hoje, faz mais produtos, como grelhas, estampados, pinos, batedores, misturadores e lâminas de liquidificador. A Carmona Metais se localiza em Taboão da Serra, na Grande São Paulo e tem cerca de 200 funcionários.

O medalhista olímpico se formou em engenharia eletrônica no Mackenzie e lembra que os primeiros anos foram difíceis, mas que hoje tem uma vida bem tranquila. “Hoje a empresa está bem estruturada e até consigo fazer minha ginástica. Consigo ir pra casa depois das 18h, estou num ritmo mais tranquilo. Mas cansei de virar noite nela”, lembrou.

Carmona diz que não é reconhecido na ruas e que seus funcionários só sabem que foi um atleta de alto rendimento com bons resultados graças a pesquisas na internet quando são contratados pela empresas. Mas não liga e nem cobra falta de reconhecimento.

“Não ligo. Aquela época não era como hoje, e o judô não era uma coisa como o vôlei, que fazia caras serem ídolos, como foi o Bernard. Então desde lá nunca fui um cara reconhecido. É bobagem ficar esperando esse tipo de coisa. Tem que focar sua vida e fazer o máximo que puder dentro das possibilidades. Não dá pra por a culpa em ninguém de nada, cada um toca a sua vida”, comentou.

O agora empresário relata não ter foto ou um registro sequer em imagens de quando carregou a bandeira brasileira no estádio olímpico de Seul, na Coreia do Sul, na abertura daquela edição da Olimpíada. Mas pra ele não tem problema;  valem as emoções que ficaram registradas em sua cabeça.

“O convite pra ser porta-bandeira nasceu pelos resultados do judô em 1984. Quando você luta numa Olimpíada, já está acostumado com o tatame e sabe o que tem que fazer, como estudar as características do adversário. Mas carregar bandeira pra mim foi inédito. E o porta-bandeira não precisa marchar, mas eu estava duro, muito nervoso”, recordou.

“Uma pena que não tenho nem foto pra mostrar pros meus filhos e netos. Da medalha eu tenho. Todas as pessoas falam 'eu fiz isso, fiz aquilo'. Minha vida não acaba naquele momento para eu viver do passado. Talvez quando eu tiver 90 anos e nenhum projeto de vida em mente eu olhe pro passado. Mas sempre tive essa mania de não guardar nada”, finalizou.