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Lutadores fazem treino de judô em velório de colega morta a tiros em Manaus

UOL Esporte

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

30/01/2019 04h00

Os alunos do professor de artes marciais Marcos Coelho vestiram quimono e foram para o treino um dia depois da colega Patrícia Oliveira ser morta a tiros durante a comemoração de seu aniversário de 26 anos, em Manaus.

A polícia prendeu três suspeitos e acredita em crime premeditado, que aconteceu no domingo (27). A família, os amigos e os companheiros de tatame permanecem inconsoláveis diante da perda da atleta que se preparava para um campeonato de judô e outro de jiu-jítsu, entre fevereiro e março.

Patrícia, que frequentava a academia improvisada dentro de uma igreja evangélica havia cerca de quatro anos, era uma das alunas mais aplicadas. Ela costumava chegar antes de todos para montar o tatame e recepcionar os novatos. "Era aqui que ela se divertia, que extravasava", contou o mestre Marcos, faixa preta em judô, jiu-jítsu e boxe tailandês, durante a homenagem a Patrícia.

Patricia Oliveira - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

O corpo da lutadora jazia em um caixão ao lado do tatame porque a academia/igreja foi o local escolhido por sua família para o velório. Marcos perfilou os alunos e, muito emocionado, iniciou a "apresentação mais triste de sua carreira", conforme lembraria depois.

"Todo dia às cinco da tarde ela estava aqui", ele começou. "Quando eu perguntava se ela estava morgada [cansada], ela dizia: 'Jamais!' Quando alguém faz aniversário a gente derruba a quantidade de anos que está fazendo. Eu vou derrubar eles e vocês vão repetir 'Jamais' como se ela estivesse aqui."

Ao derrubar cada aluno, o professor perguntava: "Morgada?", ao que todos respondiam: "Jamais!" e aplaudiam a memória de Patrícia, que era faixa azul de judô, o terceiro nível da modalidade. Ela ganharia a faixa azul de jiu-jítsu no próximo mês.

"Hoje eu perdi uma filha", relatou o professor, que também é missionário da igreja, transformada diariamente em academia de artes marciais. Antes de uma oração do centro do tatame, ele ergueu uma bandeira e a estendeu sobre o caixão da lutadora, incentivando seus alunos a saudar o corpo de Patrícia. Disse que trabalhará para a criação de um torneio de judô que leve o nome dela.

"Ela tanto queria evoluir no esporte que não se contentava em 'rolar' com as mulheres", afirmou em entrevista ao UOL Esporte o faixa preta, usando o termo para 'treinar'. "Ela rolava com homens mais pesados, rolava comigo, e também dedicava bastante tempo aos mascotes, as crianças que participam do projeto. Ela tinha o sonho de se profissionalizar."

Paty Oliveira - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Patrícia começou a se exercitar para definir o corpo e, sentindo rapidamente os resultados, chegou a ganhar concursos de beleza na capital do Amazonas.

No ano passado, foi eleita a "garota da Copa do Mundo" na cidade. A competitividade aflorada lhe levou a tatuar a palavra "jiu-jítsu" na altura do colo e "judô", em uma das pernas.

Em uma apresentação em praça pública no ano passado, Patrícia conheceu a lutadora Ketlen Vieira, amazonense que compete pelo UFC, e posou para fotos ao lado de crianças, que ela tentava levar ao esporte.

Fora do esporte, ela almejava ser aprovada em um concurso público para se tornar policial.

Polícia prendeu suspeitos

Segundo a Polícia Civil do Amazonas, Carlos Abraão Rodrigues Farias, de 19 anos, Eduardo de Alencar Navegante, 22, e Ronaldo Borges Silva, 32, foram presos sob suspeita de terem cometido os crimes de homicídio, roubo majorado, cárcere privado e associação criminosa. Os policiais procuram um quarto suspeito.

"Presos pela Polícia Militar na madrugada, os três infratores prestaram depoimento relatando o caso, e atribuindo ao comparsa foragido a autoria do crime. Com eles, foram encontrados diversos aparelhos celulares, o veículo roubado e um simulacro de fuzil. Ronaldo já responde a processo por um homicídio praticado em 2009", afirmou a corporação em nota.

A família e amigos acreditam que Patrícia tenha sido morta por vingança, já que tinha uma rixa com um traficante local.

Patrícia se apresentava aos amigos e assinava nas redes sociais com o sobrenome Oliveira, embora seu nome de registro seja Patrícia da Cunha Leite. Oliveira também foi o sobrenome que ela grafou em um banner estendido no dia de sua festa de aniversário. 

A Equipe Marcos Coelho anunciou luto de uma semana em homenagem à atleta.