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Você sabia que combate medieval é um esporte? E o Brasil quer participar

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

26/02/2014 06h00

Os esportes de contato vivem um período de alta no Brasil, com o crescimento do público e do número de praticantes de três modalidades: MMA, futebol americano e rúgbi. E uma nova mania mais ousada está fazendo a cabeça de um grupo formado por 20 pessoas. Usando um pouco de cada um dos três esportes já citados, eles querem vestir armaduras e empunhar espadas e escudos em um evento que já tem status de mundial.

É o Battle of the Nations, competição do que se chama de combate medieval. O evento estreou em 2009, com quatro países na disputa, e cresceu rapidamente ano a ano, a ponto de a edição de 2014 já contar com cerca de 20 nações no campo de batalha que será montado na Croácia.

Até os hermanos da Argentina entraram no Mundial, e agora é o Brasil quem quer fazer parte da batalha. Um grupo dividido em dois núcleos com atuações na cidade de São Paulo e no interior paulista quer virar a seleção brasileira de combate medieval. Mesmo que o país não tenha vivido uma Idade Média como a europeia – e nem os argentinos viveram, é claro – o gosto por história e especificamente por esta época é que os move.

João Uberti, um professor de inglês de 32 anos, está no meio destes 20 “guerreiros”. Desde a adolescência ele aprecia as batalhas medievais e, quando soube de uma competição grande como o Battle of the Nations, viu a oportunidade de dar um passo além e experimentar de fato a emoção de lutar. Ele explicou ao UOL Esporte um pouco deste esporte que é novo, mas que bombou rapidamente na Europa e nos Estados Unidos.

O combate medieval tem uma longa lista de regras, que vai desde o modo de disputa a itens bastante específicos relacionados às armas e armaduras.

“Existem dois tipos principais de disputa: o duelo, que são combates individuais, e as batalhas em grupo, com times de vários tamanhos, sendo formados por equipes de cinco, 11 ou, na maior batalha, 21 contra 21”, conta o paulista. “Na batalha, o objetivo é derrubar os adversários do outro time, e vence quem sobrar em pé, numa melhor de 3 rounds. No duelo, a meta é pontuar com golpes limpos no rival.”

Se você já estava se preocupando com os riscos de uma luta com espadas e outras armas, pode ficar calmo. Ninguém está ali para se cortar, e o que importa é o impacto que estes objetos geram.

“As armas são de aço, sem fio, e as armaduras são totalmente fechadas. Elas absorvem boa parte do impacto, que é um impacto ainda capaz de derrubar uma pessoa, porém sem machucá-la”, explica Uberti. “E existem muitas regras de segurança para garantir a integridade dos competidores. Por exemplo, não pode golpear no pescoço, nem na direção da cervical e não é permitido atacar com a ponta da espada, mesmo que ela não seja afiada.”

O Battle of the Nations costuma ser realizado em um grande festival medieval, em que os trajes típicos e a cultura de várias épocas são trazidos aos dias de hoje. Toda esta preocupação também compete aos times que disputam o Mundial.

Tanto que não basta aparecer com uma armadura qualquer, é preciso que ela represente fielmente uma armadura que foi usada na Idade Média, gerando um grande trabalho de pesquisa em livros e museus. Isso faz com que o preço de se produzir um equipamento desses, que nos casos mais simples não sai por menos de US$ 1.500, cresça ainda mais de acordo com os detalhes que precisam ser ornamentados. Os reparos depois de cada combate encarecem ainda mais a modalidade.

Em campo, um competidor carrega cerca de 30 kg juntando armadura e elmo - tudo tem de ser feito de aço. Mas João Uberti explica que a distribuição de peso por todo o corpo faz com que não se sinta tantas dificuldades e que ainda assim é possível se movimentar com agilidade e atacar com precisão.

Não vai chamar de "esporte de nerd", hein?

Em comum, o grupo que conta com o professor de inglês compartilha o interesse por pesquisar a fundo tudo o que é ligado a batalhas medievais, um campo amplo de estudo, que compreende quase mil anos de civilização europeia. Antigamente, o material era parco. Hoje, com a internet, a consulta a livros e museus pode ser feita online, facilitando para os brasileiros.

Estreia do Brasil ainda demora

  • A “seleção brasileira” já realiza treinos, mas caminha a passos lentos para poder viajar a um Mundial, uma vez que a burocracia é grande. A organização do Battle of the Nations exige a criação de uma federação brasileira, o que é custoso e leva tempo. Assim, a previsão para que tudo esteja pronto para uma estreia - dos instrumentos legais às armaduras e armas – é 2016.

  • “É um esporte com uma série de custos, desde a fabricação de uma armadura para cada um. Então, ainda estamos num estágio inicial. Hoje ainda não treinamos com armaduras, até porque não adianta colocar armadura sem ter treinado a luta de outras formas”, explica Uberti (foto). Por outro lado, eles já garantiram a presença de um ferreiro entre os integrantes da equipe, o que vai facilitar a fabricação das armas e armaduras.

Este é o lado “nerd” de um esporte que atrai pessoas que gostam e muito de estudar, mas que na hora da ação deixam para trás qualquer tipo de estereótipo.

“A fase inicial tem muito de um trabalho de pesquisa. Mas a partir do momento que se tem um esporte estruturado, é como qualquer outro. Se alguém acha que é muito de nerd, se desdenhar, está deixando de praticar um esporte completo, recompensador e divertido”, opina ele.

“Com exceção de futebol americano e rúgbi, que não são artes marciais, não há no mundo esporte de artes marciais por equipe, com exceção do combate medieval”, defende Uberti. “É o único esporte no mundo com uma equipe enfrentando outra, ao mesmo tempo. Você pode ter um rival chegando pelas costas, ou uma pessoa de 120 kg saltando na sua direção para te golpear...”.

Pois é, uma coisa é certa: o esporte é brutal e não é qualquer um para vestir a armadura e empunhar a espada. Precisa ser casca-grossa. Você se arriscaria?

Para fãs de UFC, NFL e rúgbi

  • Os praticantes brasileiros do combate medieval, em sua maioria, se dividem entre lutadores de artes marciais, amantes do UFC e praticantes de futebol americano e rúgbi. Todas essas modalidades tem alguma relação com o esporte e acrescentam nos treinos. “Você pode comparar com tudo isso. Hoje temos lutadores de caratê, hapkidô e também de algumas artes com armas. Eu treino com a naginata, uma espécie de alabarda japonesa, uma arma de haste longa. Mas cada um vem de uma área. Um dos nossos núcleos é bem ligado ao futebol americano, esporte que trabalha bem com o combate em grupo, assim como o rúgbi. Então usamos vários elementos para o combate. Ainda não temos um treino planificado, mas é uma realidade do esporte, já que historicamente os guerreiros medievais faziam uma espécie de cross training, uma preparação em circuito, com atividades diversas”, detalha Uberti.