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Comunidade da luta livre se choca com morte e a vê como acidente inusitado

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

23/03/2015 11h50

A morte de Pedro Aguayo Ramirez chocou a comunidade da luta livre, inclusive a brasileira. O mexicano teve uma parada cardiorrespiratória em cima do ringue, durante um show em Tijuana, no México. "El Hijo del Perro", levou uma sequência de golpes de Rey Mysterio na "lucha libre" e, para praticantes da modalidade de combates ensaiados, o incidente foi algo inusitado, apesar de não ser incomum.

Michel Serdan, um dos nomes mais famosos do telequete por suas atuações em organizações como o Gigantes do Ringue, viu e reviu a cena, para tentar entender o acontecido. Para ele, o golpe fatal pode ter sido no penúltimo golpe recebido, uma tesoura. Nele, Ramirez foi jogado para fora do ringue e teria batido a nuca no ringue. Depois de uma “voadora”, perdeu a consciência e ficou pendurado nas cordas, demorando para que os outros integrantes da luta notassem a gravidade da situação.

“É sempre uma surpresa acontecer um acidente desses, mas não foi o primeiro. É triste, chato, mas já aconteceu outras vezes, inclusive na luta livre mexicana, que é muito rápida”, opinou Serdan. “Foi um golpe normal que ele levou, foi um acidente... Eu revi várias vezes, e depois que o Rey Misterio dá uma tesoura, na saída parece que ele bate a nuca na quina do ringue.”

Para Bob Junior, Diretor Técnico da Brazilian Wrestling Federation (BWF), o nível da luta livre só aumenta, para atender as exigências do público, e isso gera mais riscos. “Não estamos acostumados com esse tipo de notícia, ainda mais da forma que foi. O que fazemos é um espetáculo, mas o público é exigente, então os lutadores cada vez mais se arriscam para causar mais impacto.”

Ambos deixam claro que, apesar de parecer inofensivo, o telequete é sim uma modalidade de risco, por conta dos movimentos ousados e do impacto de alguns golpes, que precisam ser intensos para serem convincentes.

Michel e Bob explicam que o que se vê no ringue, na hora de uma luta, é treinado exaustivamente nos treinos. E essa é a prevenção recomendada para que novos acidentes não aconteçam. Michel conta que, quando surge um golpe novo, ele é repetido repetidas vezes na academia. Quando está afiado, o movimento passa por novos testes e só é liberado se não houver erros.

“É uma modalidade que apresenta sim perigo. Canso de discutir isso. Machuca, e muito. Mas não vemos tantos acidentes no ringue, porque treinamos muito. Quando tem acidente, acontece na academia. Na hora da luta, tudo está tão perfeito, que não pode ter erro. Mas acontece”, afirma Michel.

Michel Serdan é um dos nomes mais conhecidos da luta livre - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Michel Serdan é um dos nomes mais conhecidos da luta livre
Imagem: Arquivo Pessoal

Quando o combate começa, qualquer descuido pode acontecer num acidente, e por isso a busca pela perfeição é tão grande. “Durante o evento, pode acontecer um escorregão, pegar errado”, cita Bob. Michel concorda: “Tudo é uma questão de frações de segundo. Se ele levou uma tesoura, tem frações de segundo para sair do ringue. Quanto mais rápida for a reação de quem levou o golpe, mais real é, mais bonito fica. Então, não há tempo de pensar. E muitas vezes o cara pode ter distrações, coisas pessoais o afetando ali na hora da luta, e isso pode levar a um acidente.”

Mortes não são incomuns e há registros no Brasil

O Brasil já teve casos de morte em eventos de luta livre, sendo uma delas há cerca de quatro  anos. Douglas Machado, mais conhecido como Pirata Alma Negra, estava em um evento da WBF, quando sofreu um desmaio já na saída do ringue. Poucos dias depois, ele morreu. Há versões que indicam que um golpe na cabeça gerou um coágulo, mas, segundo Bob, um aneurisma foi a causa da morte.

“Tenho até a luta, assisti várias vezes, e não o vi bater a cabeça. O médico explicou que pode acontecer em qualquer lugar. E ele tinha casos na família que indicavam a chance de ele sofrer deste problema”, afirma Bob.

Na década de 1960, um lutador chamado Jair – que era surdo e mudo – também morreu após um combate. “Ele bateu a nuca na quina do ringue. Foi um golpe parecido com esse, que ele sofreu do Aquiles, o Matador. O Aquiles foi um grande adversário que tive, fizemos nosso nome na década de 1980 e ele ficou com esse nome por causa do ocorrido”, relata Michel.

Adeus ao mexicano

Ramirez foi enterrado neste domingo em Guadalajara com a presença do pai, Pedro Ramirez, que também foi um ícone da luta livre e emprestava o apelido ao filho nos ringues. A cerimônia reuniu nomes relevantes do esporte e teve alguma atenção da imprensa e do público local.

Veja a sequência e o golpe fatal em Ramirez