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Belfort revela lado aluno em treinos com trilha de 'louvor' para revanche

Maurício Dehò

Do UOL, em Boca Raton

04/11/2013 06h00

Com 17 anos de MMA nas costas e a alcunha de Fenômeno, Vitor Belfort poderia achar que já sabe tudo sobre a modalidade e simplesmente “tocar de lado” em seus treinos e apostar em seu talento, na corrida por mais um cinturão do UFC. Mas bastam alguns momentos em um de seus treinos na Blackzilians, time sediado em Boca Raton, na Flórida (EUA), para notar que o veterano vira mero aluno até frente a outros lutadores menos experientes. Tudo para não ficar para trás e manter seu jogo na evolução notada em suas últimas duas vitórias, ambas com a novidade de apresentar chutaços para definir seus nocautes.

Vitor chega bem cedo para os treinos. Enquanto a maioria dos lutadores treina às 11h, ele prefere madrugar para ter mais tempo com os filhos. Logo às 7h da manhã, já está enfaixando as mãos, alongando e fazendo os primeiros aquecimentos ao lado do pupilo Gilbert Durinho. É dia de boxe, e o cubano Pedro Diaz é quem comanda a primeira sessão. Diaz, que criou astros do pugilismo na ilha de Fidel, também é quem planifica os treinos, definindo quanto, quando e como o ex-campeão do Ultimate trabalha, para que ele esteja no auge da forma quando entrar no octógono de Goiânia, na revanche contra Dan Henderson.

Aproveitando os momentos antes de entrar no ringue, o brasileiro usa a música como motivação. Questionado sobre o que toca nos fones, explica: “Gosto de ouvir louvores, músicas que me dão energia para treinar”.

O lutador, que é evangélico e sempre que pode fala de religião, um de seus temas favoritos,  tem até sua própria música nessa linha, fruto da amizade com o rapper gospel Pregador Luo. O músico tem no disco “Músicas de Guerra – 1ª Missão” diversas músicas dedicadas a lutadores de MMA, entre elas, uma para Vitor. “Hoje corro, puxo ferro e levanto peso /
Saio na porrada pra obter meu sustento”, diz a letra. E é isso que acontece.

Estrela do kickboxing Tyrone Spong também entra na sessão, puxando o ritmo. “Gosto de trabalhar com o Vitor. Ele é um atleta de verdade. Ele não é só exemplo para os jovens, mas para nós lutadores e também para mim. É uma influência como profissional, por sua ética. Eu tenho muitas lutas (81 de kickboxing e 2 de MMA), então passo coisas de trocação, e ele retribuiu com jiu-jítsu, wrestling. Nós nos ajudamos muito”, explica Spong, de 28 anos.

Essa troca de informações ajudou Vitor a aumentar sua versatilidade. Criado no jiu-jítsu, mas conhecido pelos punhos fortes, ele vem de dois nocautes com chutes, que mostram o quanto ele cresceu ao deixar Las Vegas e se mudar com a família toda para Boca Raton, em 2012.

“Eu não posso ficar parado. Eu vi que não podia ficar parado. E treinando com Tyrone Spong, Thiago Silva, Cezar Mutante e tantos outros, não tem como ficar ruim de chute. A turma aqui é muito boa de boxe, de kickboxing. Temos um time completo, um time que me estimula a desenvolver meu jogo por completo”, diz Vitor Belfort.

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Spong é um dos exemplos de lutadores que viram professores durante os treinos. Rashad Evans, com seu wrestling, é outro que tem dicas valiosas, ainda mais por vir de uma luta contra Henderson. Em outro momento em particular, Vitor vê o companheiro Thiago Silva esticar seu treino de sábado apenas para ajudar em alguns movimentos de wrestling e ensinar combinações de kickboxing. E ouve atentamente, pede repetições e pratica passo a passo, tentando automatizar o que está observando e praticando.

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Técnico: “Quando comecei no jiu-jítsu, Vitor era astro no MMA”

A Blackzilians não tem um técnico principal, como acontece com a Jackson’s, academia em que o vencedor do Oscar do MMA Greg Jackson treina lutadores como Jon Jones. Cabe ao brasileiro Jorge Santiago, ex-lutador do UFC e especialista em jiu-jítsu fazer um papel de coordenação. Pedro Diaz cuida do boxe, Kenny Monday é o responsável pelo wrestling e Henri Hooft comanda o kickboxing.

Santiago conta que toda a sua carreira como lutador foi mais breve que esta longa jornada de Belfort. “O Vitor é um cara que quando eu comecei a lutar jiu-jítsu, já estava no MMA. Hoje eu estou parando de lutar MMA para coordenar e ele está aqui”, ri ele.

Treinos atraem “anônimos”

  • Enquanto Belfort e Spong amassam as manoplas de Pedro Diaz, o barulho no Jaco Training Center, sede da Blackzilians, chama a atenção de algumas pessoas que estão na academia “apenas” para fazer esteira ou puxar ferro. Alguns param ao lado do ringue, outros até se sentam no chão observando os treinos.

    Um deles é Gary Toll, que trabalha no ramo de imóveis. Ele não é fã de MMA e pergunta o nome de Vitor Belfort. Depois, conta sobre uma conversa que teve com um amigo: “Nós chegamos à conclusão de que, se entrássemos no ringue com eles, eles simplesmente nos matariam!”, ri o norte-americano.

    “É muito interessante assistir aos treinos, eles trabalham tão duro e tem uma forma tão incrível, que é fascinante. Esses caras são gladiadores modernos, eles são guerreiros!”, empolga-se ele, dando uma de Galvão Bueno – o criador do bordão “gladiadores do terceiro milênio, em suas transmissões na Globo”.

O técnico conta que precisa até dosar a empolgação do carioca, para ele não acabar em overtraining (excesso de treinos, o famoso ‘virar o fio’). A maioria das sessões de Vitor - são duas por dia - combina elementos técnicos com preparação física, em vez de fazer apenas exercícios isoladamente em cada área.

“O Vitor é o cara mais atleta que temos. Você pode ligar para ele a qualquer hora para discutir treino. Se ele achar que está certo, ele vai tomar como lei, se não, conversamos e chegamos num consenso. Ele é um cara que você tem de pedir para parar de trabalhar, e não arrastar para a academia, ou ele acaba exagerando”, detalha.

“Ele é um profissional no que faz. Tem muito conhecimento, sabe de nutrição, o que põe em seu corpo, o jeito que treina”, enumera Kenny Monday. “Ele treina tudo: chutes, trocação, wrestling e jiu-jítsu. E ao mesmo tempo. Não é porque você não o vê usando algo no octógono que ele não treina."

Na Blackzilians, o sábado é um pouco mais descontraído. Crianças e até cachorros correm pela academia, enquanto os adultos se engalfinham no ringue e no octógono. “É um dia mais tranquilo, os filhos vem para cá, nós treinamos e depois saímos para almoçar, ir à praia”, conta Jorge Santiago.

É o dia de família, que contrasta com os dias da semana que tem o que eles chamam de “reuniões de negócios”. São as segundas e sextas, dias de sparring, em que a porrada come solta. “Quando a coisa fica séria, as crianças ficam de fora”, conclui Santiago, com um sorriso no rosto.