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Feminista lutou grávida e deixou bebê com marido para focar carreira no MMA

Kinberly estava grávida de quase três meses quando lutou e ganhou um cinturão - Marcio Valle/Primeiro Round
Kinberly estava grávida de quase três meses quando lutou e ganhou um cinturão Imagem: Marcio Valle/Primeiro Round

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

25/03/2017 04h00

Kinberly Tanaka Novaes subiu em um octógono e lutou durante três rounds de cinco minutos em um torneio de sua cidade natal, Joinville-SC. Ela acabou vencendo por pontos. Meses depois, quando se preparava para um novo combate, se sentiu mal e foi ao médico.

O médico logo entendeu o que era. Pediu um exame e descobriu que Kinberly estava grávida. O susto foi ainda maior quando ela fez as contas e percebeu que tinha lutado com quase três meses de gestação. “Corremos um risco, mas graças a Deus não aconteceu nada e meu filho nasceu saudável e de parto normal”, disse ela.

Kinberly, que hoje tem 25 anos, se declara feminista e convive com a desinformação e um machismo às vezes velado de um meio eminentemente masculino. Em casa, porém, ela teve sorte.

Quando Breno nasceu, seu marido Jacson Carvalho, que também é lutador, se ofereceu para interromper a carreira e ficar em casa cuidando do bebê, para que Kinberly pudesse se dedicar exclusivamente aos treinos e às lutas. “Ele deixou claro que fazer isso o deixaria muito feliz porque naquele momento, entre a minha carreira e a dele, a minha era prioridade.”

A seguir veja o depoimento que a lutadora deu ao UOL Esporte.

O susto de saber que ficou grávida

Em maio de 2015, eu estava há um tempo sem lutar porque tinha passado por uma cirurgia, mudado de cidade e de equipe, quando apareceu essa oportunidade. Senti coisas diferentes na preparação, uma dificuldade para bater o peso [precisava perder 10kg], mas isso acontece com quem está há muito tempo sem lutar.

Kinberly e Breno - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Consegui bater o peso, lutei bem os três rounds e venci por pontos. Voltei a treinar e já apareceu uma nova oportunidade para agosto, nos Estados Unidos, a minha primeira luta como profissional fora do país. Mas eu estava me sentindo mal, com ainda mais dificuldade para perder peso. Faltavam três semanas e eu estava muito acima do peso, com câimbras. Aí decidi procurar um médico.

Pedi os exames que normalmente se pedem para uma luta. Ele foi direto e pediu logo um exame de gravidez. Eu jamais imaginei que pudesse estar grávida.

No começo fiquei bem assustada. Foi uma mistura de sensações: ao mesmo tempo que aquilo explicava várias coisas ruins que eu sentia no meu corpo, foi um baque grande porque não estava preparada para uma mudança tão drástica na minha vida, ainda mais no momento bom na carreira.

Apoio do marido permitiu que ela seguisse carreira

Meu marido me deu muito apoio desde o começo. Ele tentou me acalmar. Disse que íamos conseguir fazer as nossas coisas. Minha preocupação era que eu queria treinar e lutar. Ele disse para eu não me preocupar com isso porque ele abriria mão da carreira dele por um tempo para cuidar do bebê e eu poder voltar a treinar.

Menos de um mês depois do parto, eu já estava treinando junto com os outros profissionais da equipe, enquanto ele estava em casa com o bebê.

Kinberly grávida - Oséias Neto/Divulgação - Oséias Neto/Divulgação
Grávida, Kinberly é carregada nos ombros do marido ao ganhar cinturão
Imagem: Oséias Neto/Divulgação

Quando eu voltei, percebi que as coisas ficaram mais fáceis. Provavelmente porque fiquei muito tempo treinando grávida, ficou mais fácil depois, meu corpo se readaptou mais rápido. Desde então já fiz quarto lutas, uma delas no Japão. Em todos os camps [períodos de treinos pré-luta] eu já senti o meu corpo bem mais forte.

Depois da luta que fiz grávida, muitos veículos de imprensa foram atrás do Bruno Barros, o produtor do Noxii Combat. Ele se retratou publicamente e assumiu o erro de não ter exigido um exame de gravidez às lutadoras. Tinha pedido exame de HIV e hepatite, mas não o de gravidez. Depois do que aconteceu, muitos eventos começaram a exigir exames de gravidez às lutadoras mulheres.

Lutadoras com ideias feministas contra o machismo no MMA

Kinberly - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Tenho uma loja que vende açaí e passo o dia atrás do balcão. Tem uma parede cheia de troféus e no meio coloquei três cinturões que ganhei em campeonatos. Mas as pessoas sempre vão lá perguntam se os troféus e cinturões são do meu marido. Ninguém pressupõe que podem ser meus.

Não sei se o meu marido tem mais cara de lutador do que eu [risos] ou se as pessoas não imaginam que uma mulher possa lutar e ser campeã. Existe machismo no MMA, como existe em qualquer profissão, em qualquer ambiente predominantemente masculino.

A maioria das atitudes machistas que ocorrem não são por maldade. São pensamentos que já estão disseminados na sociedade há muitos anos. Hoje já tem muito mais mulheres lutando do que alguns anos atrás. O próprio UFC, que é o maior torneio do mundo, ter criado categorias femininas já ajuda a dar visibilidade para as mulheres no esporte e coibir esses pensamentos machistas. O machismo existe em qualquer profissão em que as mulheres recebem menos e tem cargos piores

Sou feminista, embora esse termo tenha virado meio pejorativo, talvez por causa das pessoas extremistas. O extremismo não faz bem para nenhuma ideologia. Eu me considero feminista porque defendo igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres.

Imagino que a maioria das atletas têm essa mesma vontade de lutar contra o machismo, como qualquer mulher que atue em profissões cuja maioria dos profissionais são homens. Mulheres podem sim lutar no mesmo nível que os homens, não fazendo vitimismo. A gente treina igual e tem que lutar igual.