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Por que Michael Phelps vai competir com um tubarão na TV dos Estados Unidos

Michael Phelps chora após última prova na Rio-2016 - Clive Rose/Getty Images
Michael Phelps chora após última prova na Rio-2016 Imagem: Clive Rose/Getty Images

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

22/06/2017 04h00

É fácil encontrar argumentos para dizer que Michael Phelps, 31, não tem rival na história da natação. O norte-americano detém a maior coleção de medalhas da história das Olimpíadas: são 28 láureas, incluindo 23 ouros. Também registrou em Pequim-2008 o recorde de êxitos de um atleta em uma edição dos Jogos (passou oito vezes pelo topo do pódio). Neste ano, contudo, o astro resolveu levar ao pé da letra a ideia de que precisa competir em outro nível. No dia 23 de julho, vai enfrentar um tubarão branco em um programa do canal fechado Discovery Channel nos Estados Unidos.

O duelo é o ápice da “Shark Week” (“Semana do Tubarão”, em tradução livre), conjunto de programas exclusivamente focados no animal, que o Discovery Channel exibe desde 1988. A atração ostenta desde 2010 o título de mais longeva ininterruptamente veiculada na televisão fechada dos Estados Unidos, e atualmente é distribuída a 72 países.

A presença de Phelps na edição 2017, contudo, não reflete apenas tradição ou relevância da atração. O astro, que se aposentou (novamente) depois da participação prolífica nos Jogos Olímpicos Rio-2016, é uma adição que diz mais sobre o atual momento do mercado de direitos de mídia. É o mesmo contexto que motivou a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) a assumir a distribuição de amistosos que a seleção comandada por Tite disputou na Austrália, contra os donos da casa e a equipe nacional da Argentina. Diante de um impasse com a Globo, que não aceitou desembolsar os R$ 14 milhões pedidos pela entidade para exibir a partida, os dirigentes responsáveis pela modalidade em âmbito local optaram por um modelo que reduziu drasticamente o papel da TV na composição de receitas.

Em vez de receber de uma emissora, a CBF desembolsou cerca de R$ 15 mil por jogo para ter os amistosos na TV Brasil e na TV Cultura. Também liberou o sinal para a rede social Facebook e ficou com R$ 500 mil de cada cota de R$ 2,3 milhões para anúncios no conteúdo – foram cinco pacotes oferecidos ao mercado. As partidas ainda foram exibidas no UOL e em aplicativos da operadora de telefonia Vivo.

O somatório de todas as receitas advindas do novo modelo ainda seria inferior aos R$ 14 milhões que a CBF pretendia extrair de um acordo com a Globo. No entanto, a alteração de paradigma ofereceu dois novos caminhos à entidade: a interlocução direta com o mercado e a comercialização do sinal como um produto.

Essa transição feita pela CBF pode ser incipiente e pontual – a entidade ainda tem relação com a Globo, afinal –, mas está alinhada a algo muito maior. Na Europa, por exemplo, a DAZN, conhecida como a “Netflix do esporte”, comprou neste mês os direitos de exibição da Liga dos Campeões da Uefa entre 2018 e 2021. Foram 600 milhões de euros (R$ 2,1 bilhões) para mostrar o evento durante três temporadas, apenas na Alemanha e na Áustria.

A DAZN é uma plataforma de vídeos esportivos sob demanda. Atualmente, além de Áustria e Alemanha, distribui conteúdo para Japão e Suíça. Assinantes pagam cerca de 10 euros (R$ 37,21) para ter acesso a um catálogo com mais de 4 mil eventos esportivos. Não é a única: em 2017, a concorrência de direitos de transmissão da NFL (liga profissional de futebol americano) teve propostas de players como Amazon, Facebook, YouTube e Twitter, que um antes havia desembolsado US$ 10 milhões (R$ 32,7 milhões) para mostrar dez jogos do torneio via Periscope.

Outro aspecto relevante é a média etária de quem vê esporte na TV. Segundo o “Sport Business Journal”, o mercado dos Estados Unidos tem acompanhado um crescimento relevante nesse quesito durante os últimos anos. O levantamento mostra, por exemplo, que quem vê a NBA (liga profissional de basquete) na televisão tem 42 anos e quem assiste à NFL está na faixa dos 50.

Por fim, é importante ponderar o aspecto comercial. Além da receita oriunda da própria distribuição de direitos via streaming, levantamento feito pela consultoria eMarketer apontou que o gasto com publicidade em meios digitais chegou a US$ 77,37 bilhões (R$ 257,8 bilhões) nos Estados Unidos em 2016, mais do que os US$ 72,01 bilhões (R$ 239,9 bilhões) destinados à TV. Outro estudo, da analista Mary Meeker, mostrou que plataformas móveis geraram US$ 37 bilhões (R$ 121 bilhões) em receita de publicidade, superando pela primeira vez os desktops (US$ 36 bilhões ou R$ 117 bilhões).

E o que Michael Phelps tem a ver com isso?

A receita de publicidade do grupo Discovery Communications atingiu US$ 1,69 bilhão (R$ 5,63 bilhões) nos Estados Unidos em 2016, alta de 2% em relação ao ano anterior. As últimas movimentações da companhia, porém, têm sido cada vez mais focadas em reduzir a relevância disso no faturamento.

No segundo semestre de 2016, por exemplo, o grupo Discovery adquiriu o Group Nine Media em negócio de US$ 100 milhões (R$ 333,2 milhões). Com isso, passou a ter uma carteira superior a 5 bilhões de conteúdos transmitidos por mês via streaming. Também tem feito apostas sistemáticas em aplicativos para plataformas móveis (os apps da empresa foram baixados 7 milhões de vezes em 2016 e devem chegar a pelo menos 116 milhões de dispositivos até o fim deste ano).

Paralelamente, o Discovery tem uma ligação com o esporte. O grupo já adquiriu os direitos europeus dos Jogos Olímpicos de inverno de 2018, que serão realizados em Pyeongchang (Coreia do Sul) e tem produzido perfis de atletas com duração limitada a um minuto para distribuir em redes sociais.

A presença de Phelps turbina sobremaneira o potencial de venda da “Shark Week” como produto para streaming. Além disso, tem capacidade de atrair anunciantes e fortalece o vínculo do Discovery Group com o esporte. É a resposta perfeita para todo o cenário.

E o que vai acontecer na disputa?

Phelps pode ser o maior nadador de todos os tempos, mas a chance de triunfar contra o tubarão é praticamente inexistente. “Ele vai levar um chute no traseiro”, previu Chris Lowe, diretor do “Shark Lab” da universidade estadual da Califórnia, ao site norte-americano “Inverse”. “É simplesmente uma questão de física. Por melhor que ele seja na água, não chega nem perto do rendimento da maioria dos animais”, completou.

A velocidade máxima de Phelps na água é algo em torno de 6 milhas por hora (9,65 quilômetros por hora), o que é incrivelmente alto para um humano. Um tubarão branco como o que ele vai enfrentar chega a 32 quilômetros por hora.

“Tubarões são meus animais favoritos. Ver um deles cara a cara é muito legal. Vai ser divertido”, disse Phelps ao “USA Today”. A mecânica da disputa entre Phelps e o tubarão ainda não foi revelada pelo grupo Discovery.