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"Perguntou se eu estava de calcinha", diz ex-nadadora que acusou técnico

A ex-nadadora Ariana Kukors mostra o bronze que ganhou no Mundial de 2011 - Michael Sohn - 25.jul.2011/AP Photo
A ex-nadadora Ariana Kukors mostra o bronze que ganhou no Mundial de 2011 Imagem: Michael Sohn - 25.jul.2011/AP Photo

Do UOL, em São Paulo

11/02/2018 19h37

A ex-nadadora americana Ariana Kukors, 28, campeã mundial em 2009, deu detalhes sobre os abusos de que acusou o ex-técnico da seleção dos Estados Unidos Sean Hutchison. Em um texto publicado no site pessoal, na sexta-feira (9), a atleta relatou as violências, inclusive sexuais, a que diz ter sido submetida.

Em um comunicado divulgado na última quarta-feira (7), a esportista afirmou que o ex-treinador abusou dela em viagens e treinos desde seu início na natação —quando tinha apenas 13 anos de idade.

Kukors disse que eram comuns perguntas sobre sua intimidade. Conta que ele questionou certa vez: "Você está de calcinha?"

Campeã no Mundial de Piscina Curta em 2009 e recordista mundial, ela fala que chegou a ser perseguida, trancada em um apartamento e que deveria satisfazer todas as vontades de Hutchison. Escreveu que, mesmo constrangida, era observada nua enquanto tomava banho, tinha de lhe enviar fotos sem roupas e que, não importava a circunstância, tinha de se submeter aos ciúmes dele.

A atleta também afirmou que suas primeiras experiências sexuais foram com o ex-técnico, ainda que não soubesse muito bem, na época, o que estava fazendo. “Ele dizia que queria passar a vida comigo. Ele tinha 34 [anos de idade]. Eu tinha 16.”

“Eu gostaria de dizer que isso aconteceu apenas algumas vezes, mas isso foi o início de um relacionamento extenso, abusivo e incrivelmente manipulador que abrangeu a melhor parte da próxima década de minha vida”, descreveu.

Sean Hutchison conversa com atletas da natação em 2010 na California - Mark Rightmire - 2010/AP Photo - Mark Rightmire - 2010/AP Photo
Sean Hutchison conversa com atletas da natação em 2010 na California
Imagem: Mark Rightmire - 2010/AP Photo

Início e crise

Kukors suspeita que o início aconteceu depois que, sempre que saía da piscina, deveria dar um aperto de mão no técnico. “Era um simples cumprimento, mas um primeiro passo: contato”, lembra.

Aos 15, afirma que ganhou um celular e começou a trocar mensagens com o treinador. “Ele fazia eu me sentir especial. E eu estava nadando melhor do que jamais fiz”. A partir daí, a atleta recorda que, ao conversar com Hutchison certo dia, o técnico perguntou se ela estava vestindo roupas íntimas.

“Nunca esquecerei o olhar em seu rosto, era quase malicioso enquanto estava tentando avaliar minha resposta. Deste ponto em diante, tudo foi diferente.”

Segundo a esportista, os abusos começaram como se fossem a sequência disso. Abraços se tornaram mais duradouros; encontros para tomar café, uma prática; e trocas constantes de mensagens, uma maneira de o treinador garantir a confiança dela.

“Ele me colocava para sentar em seu colo quando estávamos sozinhos, beijava-me nos elevadores e me tocava por debaixo das minhas roupas”, detalha.

A ex-nadadora conta que, aos 16, a relação entre os dois se tornou sexual de fato.

“Eu me via sozinha com ele, com práticas sexuais, e tentando esconder minha vergonha quando ele entrava no vestiário feminino e ficava me observando no banho. Mas ele dizia que me amava, e eu imaginava que ele tinha as chaves do meu futuro —não só como atleta, mas de toda a minha vida.”

A atleta após vencer a prova dos 200 m medley nos EUA em 2010 - Mark J. Terrill - 3.ago.2010/AP Photo - Mark J. Terrill - 3.ago.2010/AP Photo
A atleta após vencer a prova dos 200 m medley nos EUA em 2010
Imagem: Mark J. Terrill - 3.ago.2010/AP Photo

Quando adquiriu a maioridade, aos 18, Kukors disse que Hutchison lhe faria uma surpresa. De acordo com o relato, ele a deixou em quarto de hotel, durante a viagem de uma competição, e recebeu “um presente”. No texto, a atleta não dá detalhes sobre este dia, mas diz que “as lembranças daquela noite sempre irão persegui-la”.

Kukors admite que o esporte passou a ser uma faca de dois gumes. Quanto mais sucesso obtinha, mais vigoroso se tornava o laço com o treinador. Além disso, tudo deveria ser mantido um segredo para preservar a carreira de ambos.

A esportista afirma que, enquanto os dois se envolviam, o técnico mantinha um relacionamento de longa data com outra namorada. “Ele alegava que ela era um álibi, caso alguém suspeitasse de nós. Eu sei que ele contou algo totalmente diferente para ela.”

Apenas em 2011, a atleta diz que começou a se dar conta do que vivia, quando o governo norte-americano conduziu um inquérito para apurar suspeitas sobre o relacionamento do técnico com sua comandada. A investigação foi arquivada e taxada como “mentiras maldosas” contra Hutchison.

Nesse momento, contudo, ela relata que “seu mundo começou a virar de ponta cabeça”.

“Eu estava convencida que estava sendo perseguida. Cheguei ao ponto de dormir com a mesa de jantar segurando a minha porta. Também tive de aguentar os xingamentos de Hutchison, que aumentaram no momento em que ele deixou a seleção norte-americana.”

Olimpíadas e desfecho

Kukors participou dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012 —sem o ex-treinador. O sonho olímpico de que se lembra, porém, não envolve disputas, recordes ou medalhas.

“Eu tinha que ficar dando satisfações para ele constantemente, enviando fotos nua todos os dias e tentar não aproveitar muito, com medo de que ele se exaltasse comigo.”

Ex-nadadora denuncia ter sido violentada por técnico na seleção americana - Dilip Vishwanat/Getty Images - Dilip Vishwanat/Getty Images
Ex-nadadora denuncia ter sido violentada por técnico na seleção americana
Imagem: Dilip Vishwanat/Getty Images

Assim que encerrou sua participação na Olimpíada, tomou o primeiro voo de volta para os EUA, com menos da metade das competições transcorridas. Ela ficou na quinta posição na modalidade individual dos 200 m medley.

“Não haveria cerimônia de encerramento para mim nem um vínculo mais forte com meus companheiros de equipe olímpicos.”

“Quando voltei de Londres, não havia como eu continuar na natação. Minha carreira havia encerrado. Eu me mudei e fui morar com ele [Hutchison] em Seattle, onde ele me trancou no apartamento do 21º andar”, conta. Ela diz também que, nesse momento, o ex-treinador e agora companheiro começou a ficar cada vez mais violento.

A relação entre os dois, a partir daí, já não era mais segredo para familiares e amigos. E o desfecho dessa situação viria em maio de 2013. A irmã mais nova da atleta foi passar um tempo com o casal. Kukors conta que ela lhe ajudou a perceber a violência que estava vivendo.

Apesar de relatar dificuldades para, enfim, terminar o relacionamento, a ex-nadadora conseguiu fazê-lo pouco tempo depois. Mudou-se para Los Angeles, onde conheceu o atual companheiro, Matthew Smith. Em julho de 2015, conta que caiu nas lágrimas com o namorado, lembrando de tudo o que viveu.

Na última sexta-feira, neste ano, publicou o texto no seu site que recorda minuciosamente os abusos que diz ter vivido. A íntegra está disponível, em inglês, no site pessoal da atleta.