Tragédia rubro-negra

A história do flamenguista Geraldo, "parceiro ideal de Zico", que morreu aos 22 anos ao retirar as amígdalas

Bruno Freitas e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo

A geração que daria ao Flamengo os anos mais vencedores e felizes da história do clube começou a florescer em meados da década de 70. Foi naquele período que o super time que conquistaria o mundo começou a ser erguido ao redor de Zico, o craque franzino vindo do bairro simples de Quintino. Do pelotão de apoio, os rubro-negros da época depositavam sua fé no talento de Geraldo.

O meio-campo vindo de Barão de Cocais, interior de Minas Gerais parecia o parceiro ideal de Zico, de quem tinha apenas um ano a menos. Da arquibancada do Maracanã naquela época, o dueto ensaiava ser uma versão rubro-negra de Pelé-Coutinho. Mas a carreira do promissor e habilidoso camisa 8 acabou cedo e de forma trágica.

Geraldo morreu em agosto de 1976 aos 22 anos, após uma cirurgia requisitada pelo Flamengo para retirar as amígdalas, numa intervenção aparentemente trivial. Como disse à reportagem Lincoln, um dos irmãos do jogador, Geraldo morreu sentado numa cadeira de dentista, vestindo calça jeans e calçando apenas chinelo, sem camisa. "Como se estivesse extraindo um dente".

A tragédia comoveu o Rio de Janeiro e todo o Brasil. Até Pelé foi recrutado para o jogo beneficente em prol da família do jogador, semanas depois do incidente. Campeão carioca em 1974 e convocado para a seleção em 1976, Geraldo era uma das promessas do Brasil para a Copa de 1978. Um aspirante a craque, comparado a Didi e Beckenbauer, que deixou a vida antes de atingir o auge em campo.

Para familiares e amigos, quem foi embora cedo foi um cara tranquilo, afável com todos e 'bon vivant'. O assobiador de música pop, o cara que apresentou os compadres Fagner e Zico. Para o Galinho, especificamente, foi a primeira perda da vida, como o ídolo relata no material a seguir preparado pelo UOL Esporte.

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Reação a anestesia matou Geraldo

Na manhã do dia 26 de agosto de 1976, Geraldo foi dirigindo o próprio carro até a clínica Rio Cor, em Ipanema, acompanhado do amigo Serginho, então massagista do Flamengo. O meia adiou aquele procedimento, uma cirurgia simples de extração de amídalas, o quanto pode. "Eu lembro que a gente era juvenil ainda, em um treino na França com a seleção. O nariz dele começou a sangrar e o médico disse que ele precisava operar assim que voltasse ao Brasil. Mas ele tinha muito medo, nunca quis operar. Chegava a época das férias, antes do profissional, nós viajávamos e com isso a operação era adiada. Mas dessa vez ele estava decidido", lembra Carlos Alberto Pintinho, do rival Fluminense e um dos melhores amigos do flamenguista.

A decisão de finalmente "entrar na faca" veio por insistência da diretoria rubro-negra. Naquela época, era normal a extração das amígdalas para evitar novas infecções. Para atletas, acreditava-se que os períodos de recuperação de lesão também eram afetados. O procedimento estava marcado para o dia anterior, quarta-feira, mas o presidente do Fla na época, Hélio Maurício, esqueceu de avisar a clínica que seu jogador seria operado por lá. O meia foi internado às 7h da quinta-feira. Ele fez questão que o médico do Fla, o ortopedista Célio Cotecchia, estivesse presente, mas a operação seria realizada pelo médico otorrinolaringologista Wilson Junqueira. Foi Junqueira quem aplicou a anestesia local.

Vinte minutos depois da cirurgia, o atleta começou a passar mal e seu coração parou. A equipe médica tentou reanimar o flamenguista, mas sua morte foi decretada às 10h30 do dia 26 de agosto de 1976. O jovem craque morreu em decorrência de um choque anafilático causado pela anestesia. Serginho, o massagista que o acompanhava, sofreu com o episódio. Em um vídeo, inclusive, ele admite que tentou o suicídio após a morte do amigo.

Um dos grandes amigos que eu tinha dentro do futebol no início da carreira. A gente era muito ligado, aquela juventude e tal. Nós acabamos jogando juntos no profissional no dia da minha estreia. A gente fez uma amizade muito grande. Foi a primeira grande perda da minha vida

Zico, ex-jogador do Flamengo, em entrevista ao UOL

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"Porrada grande"

O depoimento acima dá uma ideia do tamanho do impacto da morte de Geraldo na vida de Zico, então um craque em ascensão no Brasil. Os dois estavam juntos no começo de carreira vestindo vermelho e preto. A relação da dupla era boa, mas o próprio Galinho admite que a habilidade do amigo, às vezes, atrapalhava.

"A gente jogava em posições diferentes. Ele era meia-armador, eu era um meia-atacante. Ele adorava deixar os companheiros na cara do gol, não era de finalização. E eu brigava muito com ele neste sentido. Às vezes, ele ficava esperando alguém chegar e não tentava o gol. Uma vez, contra o Madureira, a partida estava dura, 40 e poucos minutos do segundo tempo, 0 a 0 e a gente entrou tabelando. A bola foi pra ele e eu vi que ele não chutava. Então, entrei na frente dele e botei pra dentro do gol, pô", relembra Zico.

Fora de campo, o entrosamento era grande também. "Nós demos o nome da quadra nos fundos da minha casa de Geraldo Cleófas Dias Alves. Como era jovem, a gente saia e quando voltávamos tarde ele dormia lá em casa. Quando eu ficava lá pra Zona Sul eu também dormia na casa dele. A gente era muito ligado até eu casar, depois que eu casei aí não dava mais".

Zico soube da morte do amigo quando estava no Ceará junto com a delegação do Flamengo - Geraldo tinha sido dispensado daquela excursão justamente por conta da operação agendada. "Nós jogamos na véspera e estávamos indo para a praia de manhã. Aí o Luxemburgo e o Jayme (de Almeida) foram para o hotel, que era do outro lado da rua. Escutaram a notícia, e aí foi uma porrada grande, acabou o dia pra todos nós. A gente voltou para o hotel esperando a hora de embarcar pro Rio de Janeiro de novo, foi cancelada a excursão. Voltamos direto para onde estava o corpo dele lá na sede do Morro da Viúva".

Eu via, mesmo no pouco tempo que Zico e Geraldo jogaram juntos. Eles fizeram aquela famosa tabelinha Pelé e Coutinho, Coutinho e Pelé. Era Zico e Geraldo, Geraldo e Zico. Aquilo veio na minha mente, porque o meu avô me levava a São Paulo para ver o Santos, por causa daquele ataque

Rondinelli, ex-zagueiro, conhecido como "Deus da Raça", e companheiro de Geraldo no Flamengo

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Pelé ajudou família a receber renda de jogo-homenagem

No dia 13 de junho de 1976, mais de 133 mil pessoas viram o empate entre Flamengo e Vasco por 1 a 1, na decisão da Taça Guanabara. Muita gente deve ter saído do estádio naquela noite xingando Geraldo. Ele marcou o único gol rubro-negro do jogo, mas depois desperdiçou uma cobrança na disputa de pênaltis, que teve vitória vascaína.

Quatro meses depois, o mesmo Maracanã reverenciava a sua memória. Em 6 de outubro daquele ano, o Flamengo enfrentou estrelas da seleção em jogo amistoso para homenagear Geraldo, com renda revertida a seus familiares. Pelé veio dos Estados Unidos e se alinhou com companheiros do tri de 1970, como Carlos Alberto Torres, Rivellino, Jairzinho e outros.

O Fla venceu por 2 a 0, em partida que contou com a presença até do então presidente da República, Ernesto Geisel. Segundo Lincoln Dias, irmão mais velho de Geraldo, Pelé se envolveu diretamente na organização do jogo. Seu medo era que a renda fosse desviada, como acontecera anos antes em uma homenagem à Garrincha de que havia participado.

"O Pelé me disse: quando estiver faltando 20 minutos pra terminar, se o alto falante do Maracanã não tiver anunciado a renda, você vai subir até a tribuna de honra e vai cobrar. Se não derem a renda para o público, eu paro o jogo e vou notificar para a imprensa o motivo. Mas a renda não saía de jeito nenhum e o Pelé me fez um sinal. Eu estava na entrada do vestiário e ele fez gestos com os dedos para eu subir. Na Tribuna estava o Almirante Heleno Nunes, presidente da CBD, e o presidente do Flamengo, Hélio Mauricio. Quando cobrei, disseram que eu estava desconfiado. E eu respondi: 'Não sou eu que estou desconfiando, não. É aquele negão lá embaixo. Ele falou que se não der a renda, ele para com o jogo', Aí anunciaram: 2 milhões 382 mil cruzeiros", conta Lincoln.

Ele era um monstro de jogador. Todo mundo diz: 'ah, era melhor que o Zico'. Não acho que era melhor. Era genial, mas não tinha a objetividade do Zico. Tinha temperamento parecidíssimo com o do ídolo dele, Paulo Cézar Caju. Acho que jamais teria o sucesso na carreira que o Zico teve

Renato Maurício Prado, jornalista, falando sobre o potencial de Geraldo

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Por que precisava operar as amígdalas?

Durante o ano de 1976, o departamento médico do Flamengo indicou que Geraldo precisava operar as amígdalas em razão de uma inflamação crônica na garganta. O procedimento era considerado de praxe, e outros atletas do time já haviam sido submetidos à mesma cirurgia.

"Eu e o Júnior fizemos essa operação no Flamengo, todo mundo estava fazendo no profissional. Fizemos um ano antes. Foi marcada para o Geraldo, mas ele não compareceu, tinha medo. Na segunda vez ele também não apareceu. Nesta terceira vez foi na parada do Carioca de 76. A gente foi fazer amistosos e ele não viajou para fazer a cirurgia", recordou o ex-jogador Jayme de Almeida.

A morte trágica de Geraldo levou a suspeita de erro médico até o Conselho Regional de Medicina (Cremerj). No fim da sindicância interna, o médico responsável pela operação, Wilson Junqueira (já falecido), foi absolvido. A mesma decisão foi concedida a Célio Cotecchia, profissional da área do Flamengo designado para acompanhar a cirurgia. Mesmo assim, Dr. Cotecchia precisou lidar com acusações vindas da família do jogador.

"Ele nunca teve problema de garganta, nenhum filho meu teve problema de garganta. Disseram que teve que operar para a hora que estivesse machucado, para não demorar a sarar. Eu falei com o médico: 'não, ele não morreu, o senhor matou ele'. O médico não respondeu nada, fiz um escândalo muito grande lá na porta do hospital, a rua ficou cheia de gente. Eu gritei mesmo: 'o senhor matou o meu filho'", disse Nilza Alves, mãe de Geraldo, hoje com 96 anos, em contato com a reportagem.

De quem foi a culpa?

É uma fatalidade. Nós não temos condições de acusar ninguém, depois de tantos anos que se passaram

Wilson Antônio Dias Alves, um dos irmãos de Geraldo

Então, hoje, fazendo uma retrospectiva de tudo que aconteceu, dá para dizer se houve erro? Houve mesmo

Maria Aparecida Alves, irmã do jogador do Flamengo

Creio em falha. Ficou a dúvida se foi o Dr. Cotecchia que fez a cirurgia. Mas me parece que foi o outro médico

Lincoln Dias Alves, irmão mais velho do jogador falecido

A versão do médico do Flamengo

A reportagem do UOL ouviu o Dr. Célio Cotecchia, ortopedista e especialista medicina esportiva, que trabalhou no Flamengo de 1963 a 1985. Aos 80 anos, aposentado, um dos personagens do caso Geraldo ainda guarda um relato detalhista sobre o ocorrido e rebate a culpa pela tragédia.

"Um episódio desse eu não vou esquecer. Estava lá no dia da cirurgia, eu não estava operando, estava assistindo à cirurgia a pedido do Geraldo. Ele falou: 'doutor, se o senhor não for, eu não vou, eu não conheço o médico, quero ter alguém lá que eu conheço'. Eu o acompanhei. Quem fez a cirurgia foi o Dr. Junqueira, Wilson Junqueira, ele era otorrino.

Quando o Geraldo começou a passar mal, o Dr. Junqueira se mandou. A realidade é essa. Eu fiquei lá sozinho e tentei fazer o que podia, embora não fosse a minha especialidade. Fiz massagem cardíaca, fiz respiração boca a boca, ia fazer a desfibrilação quando chegou o pessoal da clínica e continuou com o tratamento, mas ele veio a falecer.

Fui envolvido pela família do Geraldo, eles não gostaram, achavam que eu tinha culpa, e eu não tinha culpa nenhuma. O Conselho (de Medicina) me julgou, fui absolvido.

O Dr. Junqueira, eu só vi ele naquele dia, não conhecia. Ele foi indicado pelo presidente do Flamengo, que era médico, o Dr. Hélio Maurício. Ele (Dr. Junqueira) é quem era o médico responsável, na minha opinião. Eu estava lá como médico do Flamengo e dei a assistência que eu pude dar. Isso tudo mexe com a gente porque eu não tive culpa nenhuma."

Os medos de Geraldo

Geraldo tinha medo a toalha quente. Naquela época, torceu tornozelo e fazia aquele quente e gelado. Ele detestava. Era medroso. Um dia, cortei o dedo. Era só pegar atadura, mas o Geraldo saiu correndo. Se ficasse, ia ter um treco

Rondinelli , o Deus da Raça, lembrando com carinho do companheiro

Ele tinha um medo de cabecear a bola danado. Era o único defeito. No trato com a bola, era sensacional. Cabeça erguida, não olhava pra bola. Um dos maiores jogadores que vi. Mas não me lembro de um gol de cabeça dele

Jayme de Almeida, ex-zagueiro daquele time do Flamengo

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Era uma estrela em ascensão no Brasil

As categorias de base do Flamengo ganharam o talento de Geraldo no início dos anos 70. O responsável por enxergar o potencial do meio-campo foi Mário Jorge Lobo Zagallo, que acumulava o comando do time principal na Gávea com o trabalho na seleção. O então tricampeão mundial testou o jovem mineiro entre os adultos e gostou do que viu.

Então a trajetória de Geraldo foi meteórica, com a conquista da Taça Guanabara de 1973 e o título carioca do ano seguinte.

"Eu vi o Geraldo subindo. Antes da Copa da Alemanha em 1974 fomos para a Arábia Saudita e depois para Europa. Ele e o Zico juntos, o Flamengo estava formando um timaço. Geraldo na meia direita, Doval de centroavante, Zico na meia e eu na esquerda. Depois fui vendido para França", relembrou Paulo Cézar Caju.

Pelo Flamengo, foram 13 gols em 168 jogos. Geraldo ainda acompanhou Zico na primeira convocação do camisa 10 para a seleção. "Nós fomos fazer um torneio em Goiás em 1975, na inauguração do Serra Dourada. A final foi contra o Palmeiras, ganhamos e o Geraldo deu um show, foi eleito o melhor do jogo", recordou o Galinho.

Beckenbauer "tropical", novo Didi ou um Djalminha precoce?

Quando me fala em Geraldo, me vem a imagem daquele jogador imponente, um Beckenbauer brasileiro, Beckenbauer tropical. Um porte assim, altivo dentro de campo

Afonsinho, ex-jogador

O Geraldo é dessas coisas especiais, coisas raras no futebol. O Geraldo tinha o estilo do Didi (ídolo do Botafogo e da seleção brasileira). Essa é a minha resposta para você

Paulo Cézar Caju, ex-jogador

Sabe outro jogador que era muito parecido com o Geraldo? Djalminha. O Djalminha mais para frente replicava muito o Geraldo. Talento para caramba, mas uma cabeça...

Renato Maurício Prado, jornalista

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Assédio palmeirense

Na foto ao lado Geraldo aparece agachado, o segundo da fileira que tem Flecha, Palhinha, Rivellino e Lula. Em boa fase, o mineiro começava também a se habituar a jogar com o amarelo da seleção. O meia disputou a Copa América de 1975 e voltaria a ser convocado no ano seguinte.

Quem levou Geraldo à seleção foi Oswaldo Brandão, que se encantara com o rubro-negro em um amistoso em Goiânia, principalmente. Em contato com a reportagem, Washington, irmão mais velho do meia, afirmou que a ideia de fazer a cirurgia de amígdalas aconteceu porque o jogador estava sendo negociado com o Palmeiras, por indicação de Brandão, que tinha relações conhecidas com o clube paulista.

Um companheiro de Fla tem lembranças semelhantes. "O seu Osvaldo Brandão levou a seleção para fazer um coletivo na Gávea e faltou um jogador. Chamaram o Geraldo e ele deu caneta naqueles caras todos. O Brandão era o treinador do Palmeiras, e ofereceram um caminhão de dinheiro, mas o Flamengo não vendeu. Como o Brandão era muito ligado ao Palmeiras, ele indicou o Geraldo. Pelo menos é o que correu na época", recordou o ex-goleiro Cantareli.

O substituto

A morte do Geraldo foi o seguinte: papai estava na Bahia comprando um jogador do Vitória chamado Osni. Quando aconteceu o problema, voltou de Salvador chorando muito: "Eu só vi dois jogadores que jogam de cabeça erguida no Brasil. O Didi e o Geraldo"

Maurício Rodrigues, filho do presidente do Fla na época, Hélio Maurício, lembrando que o pai estava na Bahia em busca justamente do substituto de Geraldo

Quando eu fui contratado, adivinha qual meu armário? O número 26, que era do Geraldo. Quando me deram a chave, o Zico me avisou. Nunca esqueço disso. Cada um tinha o seu, com o nome e tudo. Já estava o meu nome quando cheguei. Mas era o do Geraldo

Osni, ex-jogador do Vitória, contratado no dia em que Geraldo morreu, e que encontrou um grupo de jogadores devastado pela perda de um amigo

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Melhor amigo saiu do país por causa de tragédia

Carlos Alberto Pintinho jamais dividiu o mesmo time com Geraldo. Pelo contrário, nos anos 70 era um ídolo do Fluminense, eterno rival do Flamengo. Mas fora de campo os dois foram inseparáveis por alguns anos no Rio de Janeiro. Ambos se conheceram ainda na época de juvenil, apresentados por um amigo em comum. "A partir daí, foi uma coisa assim, só fomos separados no dia que ele morreu", contou.

A rivalidade Fla-Flu não pesava na amizade com Pintinho. O meia tricolor era um irmão carioca para o menino que vinha de Barão de Cocais, interior de Minas Gerais. A ligação era tão forte que, tempos depois da tragédia, Carlos Alberto decidiu deixar o Brasil, para se fixar na Espanha, onde vive há quatro décadas.

Eu não acredito muito em destino, sei lá. Mas depois da morte do Gera, a única decisão que tomei foi ir embora do Brasil. Ele partiu e eu também, porque eu não aguentava ficar."
Pintinho, ex-jogador de Sevilla e Cádiz.

"Há dois anos eu fui lá em Barão de Cocais, aí foi triste pra cacete. Ele é um irmão que eu perdi, é triste", falou Pintinho à reportagem, tomado pela emoção.

Os amigos jogadores de Fla e Flu estavam juntos na noite anterior à cirurgia de amígdalas. Pintinho soube da morte de Geraldo de manhã. "A menina que estava com a gente, a namorada dele, ligou para mim. Eu estava meio dormindo. Foi ela que me deu a notícia, eu não queria acreditar. Foi muito forte. Eu liguei para o meu primo porque eu não tinha condições de dirigir", recordou, em meio a lágrimas.

Geraldo iria à Copa de 78?

Ele contava com o Geraldo para o Flamengo e lembro que em 78 ele lamentou: 'pô, o Geraldo agora faz uma falta'. O meu pai teve algumas perdas: o Nunes atacante se machucou às vésperas da Copa, o Júlio César 'Uri Geller' também. Quando estava fazendo a lista para Copa, ele falava: 'pô, aqui cabia o Geraldo tão bem'

Paulo César Coutinho, filho de Cláudio Coutinho, técnico da seleção na Copa de 1978

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Apresentou o amigo Fagner a Zico

O talento como jogador e a personalidade cativante atraía gente nova à vida de Geraldo. Um dos novos amigos no Rio foi um cantor iniciante vindo do Ceará, que morava no mesmo prédio no bairro de Botafogo. O jogador virou amigo de Fagner, escutava o artista com seu violão e um dia até promoveu uma festa ao vizinho.

"Ele batia na minha porta e sentava na cama. Pedia para eu cantar 'Canteiros'. Às vezes eu não conseguia, estava cansado, mas ele não saia enquanto não cantasse. Era um garoto bom, muito querido pela turma", relembrou Fagner à reportagem.

Foi justamente Geraldo o responsável por apresentar Fagner a Zico, numa das amizades mais marcantes da vida do Galinho - eles chegaram até a gravar duas músicas juntos ("Batuquê de Praia" e "Cantos do Rio").

A data da morte de Geraldo foi traumática para o artista em começo de carreira. "Foi um dia dos mais tristes da minha vida. Eu fiquei com o meu carro parado. Nesse dia estava uma chuva torrencial, e eu parei na porta do prédio no Morro da Viúva onde ele estava sendo velado. Eu não conseguia sair do carro", descreveu Fagner.

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Ele não parava de assobiar

O jornalista iniciante Renato Maurício Prado ficou chocado ao entrar no vestiário do Flamengo após a derrota para o Vasco na final da Taça Guanabara de 1976. O então repórter do Jornal do Brasil deu de cara com a figura de Geraldo assobiando, minutos depois de o jogador perder uma cobrança na disputa de pênaltis. "Feliz da vida, como se nada tivesse acontecido", relembrou.

A mania de assobiar em todos os momentos dava a Geraldo a reputação de um rapaz desligado, até displicente. Mas quem conviveu com o jogador do Flamengo assegura que era só o espírito leve de um jovem de bem com a vida.

"O apelido 'assobiador' não é mentira. Ele jogava assobiando, era mania que ele tinha de ficar assobiando, parece que era um tique nervoso que dava nele. E ele jogava bola com a maior naturalidade", contou Dão, amigo de infância de Barão de Cocais.

A trilha preferida para os assobios era a música "Your Song", de Elton John, mas na versão black de Billy Paul.

"Era a descontração dele, era um negócio assim de maluco. No treino, ou fazendo aquecimento, fazendo bobinho, aquelas coisas. Era hábito dele assobiar, ele dava o tapa na bola e ficava assim assobiando. Era nato dele, era a diversão do menino interiorano", explicou Rondinelli, ex-companheiro de Flamengo.

Sabe de uma coisa? Você vai rir. Mas em 1975 eu ia ao cinema só pra ver o canal 100 e ver o Geraldo. Barão de Cocais é conhecida mundialmente por causa do Geraldo. Em todo o lugar que estava, fazia questão de falar de Barão de Cocais. Barão ficou totalmente de luto

Edson Aparecido Caetano, o Dão, amigo de infância de Geraldo no interior de Minas Gerais

Arrimo de família

Geraldo era um dos dez filhos de dona Nilza Alves. Cinco deles foram jogadores de futebol, incluindo Washington, ex-zagueiro do Flamengo que fez carreira no futebol. Para quem não sabe, Washington, além de ser irmão de Geraldo, é pai de Bruno Alves, zagueiro da seleção de Portugal campeã da Eurocopa de 2016.

Foi ele que ajudou o irmão mais novo a ir de Barão de Cocais até o Rio de Janeiro para ingressar no clube da Gávea. Contra a opinião da mãe. "Geraldo era uma pessoa muito carinhosa comigo. Eu falava com ele: 'se você ficasse aqui pertinho de mim, meu filho, seria melhor. Mas ele quis [ir para o Rio de Janeiro com o irmão]. Depois eu fui ficar com ele. Nós fomos morar no Rio. Ele morreu junto comigo", conta dona Nilza.

A vontade de jogar bola foi o que o motivou a sair de Barão de Cocais. A diferença técnica de Geraldo para os irmãos, também jogadores, é lendária na família. Por isso, logo de cara virou a referência financeira para alguns parentes. "Ele era arrimo de família desde que foi para lá (Flamengo) e que começou a carreira, desde que começou a ter uma condição financeira boa. Ele sempre pensou essa questão financeira na família, para nos dar segurança, tentando dar um conforto de estudar em bons colégios com a ajuda dele", recordou Maria Aparecida Alves, irmã do ex-jogador.

Morte veio pelo rádio

"Cuidava da gente na época. Nós éramos três menores de idade e ficávamos sob a responsabilidade dele. Ele mantinha a gente lá no Rio de Janeiro", endossou a irmã Joana D'Arc Dias Alves Nascimento. Foi justamente esse senso de responsabilidade que fez com que as irmãs Joana e Maria Aparecida vivessem uma das piores experiências de suas vidas no dia em que Geraldo morreu.

A operação de Geraldo era simples, mas acabou demorando mais do que o programado. A medida que o tempo ia passando, dona Nilza e o pai do meia, seu Osvaldo, preocupados, foram para a clínica em que a intervenção aconteceu. E as duas meninas, Joana e Maria Aparecida, ficaram em casa. A notícia, porém, começou a correr.

"As pessoas começaram a ligar. Eu até atendi uma ligação: 'É verdade que o Geraldo morreu?' Eu falei que não, mas fui ficando nervosa. Foi quando nós pegamos um táxi e fomos pra clínica, eu e a minha irmã. E foi no rádio do táxi que nós ouvimos: Geraldo faleceu. Ficamos desorientadas", lembra Joana.

Não foi a única. "O médico saiu e falou assim: 'A operação saiu tudo bem, mas o Geraldo morreu'. Ele falou assim, na lata. Eu estava na calçada em frente ao hospital. Eu falei para o médico: 'Ele não morreu não, o senhor matou'. Comecei a gritar, dei aquele escândalo".

Depois de tantos anos, posso fazer uma análise de quem viveu do lado dele. Parece que ele tinha pressa de viver, entende? Viver bem, viver muito. Ele curtiu os poucos anos de vida que teve, principalmente depois que passou a ter melhores condições

Wilson Antônio, um dos irmãos de Geraldo

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