Do choro à glória

Como Lucas Moura viveu o inferno no PSG, brilhou mais que astros do Tottenham e faz sua 1ª final de Champions

João Henrique Marques e Luiza Oliveira* Do UOL, em São Paulo Matthew Ashton - AMA/Getty Images

Vamos virar Madri de ponta cabeça

Na tarde de quarta-feira, Jorge Rodrigues enviou uma mensagem para a reportagem: "Estou embarcando". Na classe econômica do voo, espalhou para os vizinhos de poltrona que estava indo ver o filho na final da Liga dos Campeões.

Há dias, seu Jorge sofria de ansiedade esperando a hora de entrar no avião e viajar 8.379 km até Madri para o momento mais importante da vida de Lucas Moura. "Só sendo pai para sentir isso. Eu falando até me arrepio. Me sinto o pai mais orgulhoso do mundo vendo o Lucas sendo capa de jornal do mundo todo. Todo mundo só falando Lucas, Lucas Lucas", derrete-se.

Jorge não vai só. Mais 40 familiares passarão os próximos dias em uma casa em Madri para torcer por Lucas. Por enquanto, eles só têm 24 ingressos. Estão em busca de mais. Serão eles e mais milhões de olhos voltados para o atacante do Tottenham.

Como num passe de mágica que só o futebol explica, o brasileiro foi de simples coadjuvante a protagonista de um dos finalistas depois de comandar a virada histórica do seu time sobre o Ajax. Na casa de Jorge, teve gente até pulando na piscina nessa hora.

Lucas vive o apogeu de sua carreira. Mas só ele e essas pessoas que estão, hoje, em Madri sabem o que passaram para chegar até aqui. O jogador saiu como uma promessa do São Paulo, viveu o inferno no PSG e precisou juntar os cacos para se reconstruir Inglaterra. Evitou o caminho mais fácil, que era voltar ao Brasil. Engoliu sapo, mudou sua preparação e até a forma de jogar para persistir no seu sonho de infância. No sábado, ele vai entrar em campo contra o Liverpool com a certeza de que tudo valeu a pena.

Matthew Ashton - AMA/Getty Images
AP Photo/Emilio Morenatti

O 6 x 1 que virou divisor de águas

Era dezembro de 2012 e o São Paulo anunciava a venda de Lucas Moura para o PSG, da França, por R$ 108.300.000,00. A quantidade de zeros dá a medida exata da expectativa criada em torno do jovem de 20 anos que se tornara a maior venda do futebol brasileiro. Lucas havia sido protagonista das conquistas do Sul-Americano Sub-20 pela seleção brasileira, com três gols na final contra o Uruguai, e da Copa Sul-Americana de 2012 pelo São Paulo.

A recepção na Europa foi calorosa. Logo na estreia, foi ovacionado pela torcida aos gritos de "Lucás, Lucás, Lucás", em sotaque francês. No início, foi titular e conquistou títulos. Mas também teve dificuldades para se adaptar e enfrentou uma concorrência de peso. Depois dele, chegaram para a mesma posição primeiro Cavani, depois Di Maria e então Draxler. Todos tiraram um pouco de espaço do brasileiro.

Reuters / Benoit Tessier

Em 2017, veio o maior baque. Daqueles que deixam sequelas para sempre: a derrota por 6 a 1 para o Barcelona nas oitavas de final da Liga dos Campeões. Naquele jogo, Lucas foi taxado como um dos maiores culpados pela eliminação nos bastidores do clube. "A corda sempre estourou para o lado mais fraco. O Lucas é um tipo de uma pessoa que não sabe brigar com ninguém e acaba sobrando para ele. A pessoa acaba culpando ele. Você viu que o culpado não foi ele, foi o time todo", defende o pai, Jorge.

Mas como visão de pai não importa nessas horas, valeu mais a opinião do técnico Unai Emery. E, para ele, Lucas não cumpriu funções táticas fundamentais. E isso teria contribuído para o revés. O brasileiro, que havia ficado no banco na vitória por 4 a 0 no primeiro jogo, foi substituído no início do segundo tempo por Di María como prova da insatisfação do comandante.

A eliminação foi determinante para a perda de espaço de Lucas no time. Até o jogo, ele havia sido titular em 36 dos 43 jogos disputados pelo PSG na temporada. Após a partida, começou jogando apenas cinco das 14 partidas restantes em 2016/2017.

Gonzalo Fuentes/Reuters Gonzalo Fuentes/Reuters

Nem Neymar salva

Lucas tinha perdido espaço no PSG, mas ainda tinha esperanças de reconquistar seu espaço com o técnico Unai Emery. E a chegada do amigo Neymar, em agosto de 2017, renovou o ânimo.

Pessoas próximas do atleta revelaram ao UOL Esporte que Neymar, quando desembarcou em Paris, aconselhou Lucas a não deixar o time. O craque prometeu ajuda-lo a jogar usando a sua força nos bastidores do clube. Não deu certo.

Neymar lamentou bastante quando Lucas deixou a equipe. "Acho que aqui ele poderia ser muito útil para nós. Mas não sou dono do time, não sou dono do Paris, e isso não cabe a mim. Se coubesse a mim, o Lucas não iria embora daqui nunca", disse o atual camisa 10 da seleção brasileira, na época.

Franck Fife/AFP

Ainda assim, Lucas insistiu no PSG. E muito. O jogador sentia que precisava fazer jus ao investimento do clube para contratá-lo. Também temia sair por baixo para um clube pequeno da Europa. Acreditava que poderia mudar a visão do técnico e convencê-lo a lhe dar nova chance com dedicação nos treinamentos. "Ele tentou mais um ano. Como venceu outras batalhas, ele falava: 'Professor, já mudei muita coisa, sou capaz de conseguir mudar. Acredito em mim", conta o amigo Bruno Petri, que foi seu treinador nas categorias de base do São Paulo.

Em alguns momentos, Lucas demonstrou tanta confiança que chegou a consolar os próprios pais. "Ele acredita muito no potencial dele. Quando estava em baixa em Paris, a gente ficava desesperado, eu e a mãe dele. Era ele mesmo que acalmava a gente."

Calma, calma, fica de boa. Estou aqui focado, estou aqui treinando. Minha hora vai chegar".
Lucas Moura, para os pais

AFP PHOTO / VALERY HACHE AFP PHOTO / VALERY HACHE

O inferno é no PSG

"Por quê? Por quê? Por quê?" A pergunta martelava a cabeça de Lucas Moura sem parar. Era fim do ano de 2017 e ele havia se reunido individualmente com o técnico Unai Emery para falar sobre os planos futuros. As palavras foram diretas. Duras de se ouvir. Lucas não seria mais utilizado pelo PSG e estava liberado para buscar outro clube.

O jogador não rebateu, não brigou. Mas colocou na cabeça que mudaria a visão do técnico e reconquistaria seu espaço em campo. Começou a treinar forte e cada vez mais forte. Se sentia muito bem e, para alguns, estava arrebentando nos treinos. Achava que o jogo seguinte seria a sua grande chance. Mas esse jogo seguinte nunca veio.

Lucas não foi relacionado para muitas partidas, não foi inscrito na Liga dos Campeões, chegou a treinar separado do elenco principal. Foram sete meses encostado. O momento que ele considerou o pior da vida foi amenizado com muito choro no colo da família.

Xavier Laine/Getty Images

"Nos últimos sete meses de PSG não foi fácil. Ele não sabia por que aquilo estava acontecendo. Era sempre: 'por que?', 'por que?', 'por que?'. Ele chorava, e é difícil o Lucas chorar. Era difícil você treinar e o técnico falando que você não vai jogar. Todo mundo falando que o Lucas estava jogando muito e não era convocado. E você não sabe o porquê, se era ordem lá de cima ou de onde vinha [essa ordem]... A gente via que estava tendo injustiças", conta o pai do jogador.

Em seu momento de maior fragilidade, Lucas achou que voltar ao Brasil seria a melhor saída. Na época, surgiu o interesse de alguns clubes. Inclusive do São Paulo, onde foi mais feliz. Foi a família que o convenceu do contrário.

Lucas, não volta. Você aqui está no inferno. Se você conseguir passar por isso, depois você vai para qualquer time do mundo todo".
Jorge, pai de Lucas, quando o filho estava em seu pior momento em Paris.

O pai elogia a postura de Lucas: "Ele se convenceu. Dizia: 'Não, não vou voltar. Quero vencer aqui'. Ele foi muito determinado nisso".

Catherine Ivill/Getty Images Catherine Ivill/Getty Images

A virada com Pochettino

Até que um dia Lucas percebeu que não dava mais. Aceitou que era hora de seguir a vida em outro lugar. Como o biotipo e o estilo de jogo do atacante agradavam a vários clubes ingleses que o observavam desde as categorias de base, ainda do São Paulo, escolheu atravessar o Canal da Mancha. Ele já tinha sido sondado por Manchester United, mas foi o Tottenham que o conquistou. O brasileiro conheceu o planejamento do time e ficou convencido depois de uma conversa longa com o técnico argentino Mauricio Pchettino. O idioma também facilitava tudo.

"Apareceram algumas oportunidades, mas ele teve uma conversa com Pochettino e gostou muito. Ele deu muita força. Em nenhum momento o Pochettino disse que ele seria coadjuvante. Disse que ele fazia parte de todo o time, do grupo inteiro. Quem o colocava como coadjuvante era só a imprensa", conta Bruno Petri.

Lucas conseguiu sair do buraco e Pochettino foi fundamental nesse processo. Em campo, o técnico promoveu mudanças significativas de posicionamento do brasileiro, colocando-o mais centralizado. Essa mudança causou uma evolução no jogo do atleta. Fora de campo, estabeleceu uma relação muito direta com Lucas, que devolveu a confiança do jogador.

David Klein/Reuters

"O Pochettino é um paizão. Sempre aberto para conversa. Não gosta de conversas paralelas: chega e fala diretamente. Sabe ouvir e dizer porque alguém jogou e porque não jogou. Sempre que sair, você vai entender o por quê. Não é à toa que o mundo todo quer o cara", diz Jorge Rodrigues.

Mas não dá para dizer que o técnico é um "paizão" na forma como entendemos no futebol brasileiro. O ex-zagueiro não faz o tipo carinhoso, que abraça os atletas ou é confidente de problemas pessoais. Mas é muito claro no que quer. Ao explicar suas decisões para o elenco, como relatou Jorge, deixa todos os seus atletas mais tranquilos.

Depois de chegar no meio da temporada 2017/2018 e viver seis meses de adaptação, os resultados chegaram logo depois da Copa do Mundo de 2018. Lucas fez três gols nos três primeiros jogos da Premier League, dois em pleno Old Trafford na vitória sobre o Manchester United. Foi eleito o melhor jogador do mês de agosto pela Premier League. Ao longo da temporada, aproveitou as oportunidades, especialmente com a saída do sul-coreano Son, que passou um período longo servindo a seleção asiática, e com as duas lesões de Harry Kane. Os três gols contra o Ajax simbolizam o apogeu do jogador, mas ele teve outras participações importantes. Foram 48 jogos, duas assistências e 15 gols, sendo a maioria deles fora de casa, em jogos grandes como contra Liverpool, Barcelona ou Manchester United.

Xinhua/Zheng Huanson Xinhua/Zheng Huanson

Sangue e suor

Essa virada só foi possível com doses cavalares de dedicação diárias. Quando Lucas chegou à Inglaterra, confessou a amigos que iria encarar aquela oportunidade como se fosse a primeira da carreira. Dito e feito.

Lucas percebeu que precisaria aprimorar sua condição física para se adaptar ao exigente futebol inglês. Há cerca de um ano, aumentou seu estafe e contratou um fisioterapeuta particular que mora perto de sua casa em Londres. Taio Marques faz trabalhos diários após os treinos que incluem tratamentos com choque e gelo. O nutrólogo Eduardo Rauen também foi responsável por mudar toda a alimentação do jogador.

No meio de 2018, após período Copa do Mundo, quando os principais jogadores da Inglaterra tiveram as férias estendidas, Lucas não quis saber de descanso. Fez uma pré-temporada intensa e participou de treinos com grupos reduzidos, incluindo os reservas e até juniores do Tottenham. Os resultados foram visíveis. Ele começou a temporada muito acima dos demais.

Eddie Keogh/Reuters

"Quando ele chegou na Europa, não tinha noção de como seria e do que precisava fazer para evoluir. Isso o prejudicou um pouquinho no PSG. Na Europa, o treino é muito intenso, mas com pouco tempo. Demorou um pouco para ele perceber que só aquele trabalho não seria suficiente e o que precisaria fazer para ficar mais forte, para conseguir mostrar sua qualidade e aquela arrancada com bola dominada. Esse trabalho profissional do estafe tem ajudado ele muito", relata Bruno Petri, seu ex-técnico.

A vontade de vencer o acompanha desde a infância. Quando surgiu na base do São Paulo, o atleta tinha uma dificuldade em relação aos colegas. Era franzino, magro e considerado fraco fisicamente. Por isso, muitos profissionais duvidaram da sua capacidade de prosperar no futebol. Ele superou isso treinando mais que os outros.

"Quando o coloquei na final do Sul-Americano Sub-20, me chamou a atenção como era extremamente profissional. Treinava muito forte, tinha boa postura extracampo. Sempre foi muito centrado, de poucas palavras, mas um jogador em que você percebe um empenho muito grande. Um dos primeiros a chegar e um dos últimos a sair do campo. Gosta do que faz", conta o técnico Ney Franco, com quem Lucas trabalhou no São Paulo e na seleção brasileira sub-20.

Mike Hewitt/Getty Images Mike Hewitt/Getty Images

O Lucas durante toda a vida teve essa determinação de querer jogar, ser o melhor do mundo. Em tudo o que ele faz ele quer ser o melhor. A gente sabe a dificuldade desde o início que ele passou para chegar onde ele chegou hoje. Sempre costumo dizer. 'Lucas, vai tijolinho por tijolinho. Sem passar por cima de ninguém. Acredita só no seu potencial e olha onde ele está hoje'. E ele tem muita coisa para conquistar ainda

Jorge Rodrigues, pai de Lucas

Charlotte Wilson/Offside/Getty Images

Metrô e rodas de oração em Londres

Dentro de campo, todos sabem que Lucas Moura, finalmente, está brilhando em campos europeus. Mas também fora de campo ele vive seu melhor momento. Casado com Larissa desde 2016, tem o pequeno Miguel e agora aguarda a chegada de mais um filho. Hoje, mora em Barnet, nos arredores de Londres. De sua casa para o CT de Enfield, não perde mais do que 20 minutos de carro. É o único jeito de chegar, já que transporte público o deixa mais distante. Por outro lado, quando tem que se deslocar até o centro da cidade, costuma recorrer ao Tube, como é chamado o metrô londrino.

A amigos, logo que chegou, Lucas se disse fascinado pela forma como o Tube abrange praticamente toda a cidade. Também se impressionou com a segurança que sente ao rodar por ele. É um detalhe que realça como ele está adaptado à cidade. Em Paris, o ex-são-paulino nunca utilizava o metrô local, para evitar qualquer problema.

Na capital inglesa, se aproximou do goleiro Gomes, hoje no Watford, que ficou famoso na Premier League por já ter apelado ao metrô para driblar o trânsito pesado e, mesmo de uniforme, se dirigir a um jogo. O goleiro é um dos amigos que frequentam a casa de Lucas, conhecido por ser caseiro e religioso. Uma vez por semana, reúne os mais próximos para uma roda de oração em sua casa. Willian e David Luiz também costumam participar.

Michael Regan - UEFA/UEFA via Getty Images Michael Regan - UEFA/UEFA via Getty Images

Outro fator que atribuem para a sua adaptação fácil é ter chegado ao Tottenham com um inglês já desenvolvido. Enquanto Firmino até hoje não faz entrevistas no idioma, Lucas já participava, com menos de um ano, de ações institucionais e falava com jornalistas nativos sem a necessidade de tradutor ao lado.

O jogador Sandro, ex-volante do Tottenham e hoje na Udinese, foi uma das pessoas com quem Lucas conversou antes de fechar com o time num momento em que Manchester United, Napoli e Bétis batiam à sua porta. "Um dia o celular toca e era ele do outro lado: 'e aí, Sandro, como é que é?' Ele estava balançado. Uma vez ou outra, nos falamos. Mas ali o vestiário é muito gostoso, não tem essa de novato, fechar grupinho. É um vestiário tranquilo, gosto de todo mundo. A torcida é fantástica, todo jogo vai está cheio, lotado, uma coisa que puxa o jogador, torcida lotada e cantando", completa.

Lucas tem uma relação bacana com Eric Dier, que fala português por causa do período em que atuou no Sporting, de Portugal. Ao lado de Dele Alli, é quem comanda a música no vestiário. É próximo também do argentino Eric Lamela, o belga Jan Vertonghen e o francês Moussa Sissoko.

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