Nas costas do substituto

Denis diz que faltou suporte do São Paulo ao suceder Ceni, reclama de exageros da mídia e diz torcer por Volpi

Augusto Zaupa e Felipe Pereira Do UOL, em São Paulo e em Florianópolis Caio Cezar/UOL

Foram sete anos de espera para assumir um dos postos de maior destaque do futebol brasileiro. Mas oscilações, críticas e falta de apoio acabaram frustrando os planos de Denis de um dia ser o titular incontestável do gol do São Paulo após a aposentadoria de Rogério Ceni. Vamos então à versão do "substituto".

Em entrevista ao UOL Esporte, o goleiro afirmou acreditar que não teve suporte da diretoria são-paulina na missão de substituir o maior ídolo tricolor. Denis diz que até mesmo "craques do gol" como Neuer e Alisson dificilmente sobreviveriam ao nível de exigência criado para a tarefa no conturbado ambiente interno do clube.

Denis falou com a reportagem em Florianópolis, ainda como jogador do Figueirense [o jogador conseguiu a rescisão na Justiça na última sexta, em razão de salários atrasados e foi apresentado ontem (5) pelo Gil Vicente, de Portugal]. Na conversa, o goleiro afirmou que torce pelo sucesso de Tiago Volpi, o nome da vez no gol do São Paulo, depois de um intenso rodízio na era pós-Ceni.

Além disso, o jogador natural de Jaú revelou que não acumulou dinheiro na carreira devido à opção pela reserva tricolor. O goleiro de 32 anos ainda contou que o presidente Juvenal Juvêncio chegou a vetar a sua saída do Morumbi rumo à Itália e relatou a recente recusa a uma proposta da Arábia Saudita.

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A (dura) vida após o Mito

Anunciado como reforço do São Paulo em 21 de janeiro de 2009, Denis chegou ao Morumbi com status de substituto do ídolo Rogério Ceni. Seria preparado para o dia em que o ídolo decidisse se aposentar. Ficou seis anos esperando isso acontecer. E quando aconteceu, a estabilidade na posição nunca veio. Ele deixou o clube paulista após nove temporadas de cobranças e desconfianças.

Sentindo-se mais à vontade para atuar, Denis foi eleito o melhor goleiro do último Campeonato Catarinense pelo Figueirense. Ele admitiu ao UOL Esporte que nunca sentiu respaldo da diretoria são-paulina.

"Faltou, sem dúvida. Faltou um apoio, principalmente, interno, do clube. O substituto imediato [de Ceni] ia sofrer, como eu sofri. Por isso, acho que muitas coisas foram excessivas, exageradas, tanto de mídia, televisão, rádio, torcida, né?"

"Chega um certo ponto em que você pode ser bom, mas, para o clube, você passa a não ser bom. Outras situações aconteceram e não foram conduzidas da melhor forma possível. Mas não tenho mágoa nenhuma", acrescentou.

Rubens Chiri/saopaulofc.net

Denis recordou que, quando ainda estava no Morumbi, o São Paulo não tinha na diretoria ex-jogadores como Diego Lugano e Raí para que pudesse receber um amparo de parte da cúpula são-paulina - pelo menos de alguém que conhecesse como o vestiário do time funciona.

"Na minha época, não tinha ninguém. Era só eu. Eu que joguei, eu que entrei, e parece que tudo que acontecia de ruim era o Denis. Só que eu saí do São Paulo e o São Paulo até hoje continua com essa carência de títulos. Não estou falando que 'ah, eu tinha que estar lá'. Não, não. Eu tô falando que o futebol tem ciclos. Você tem o momento de começar, você tem o meio e o fim. O meu ciclo no São Paulo terminou. Eu brinco que se eu fosse tão ruim como as pessoas falam nunca teria ficado nove anos num clube da expressão do São Paulo. Nenhum jogador ruim fica".

Teve exagero de alguns lados? Teve. Teve falha? Teve. Teve erro meu? Teve. Eu errei, eu falhei, só que podem contratar o Neuer, o De Gea, podem contratar os melhores goleiros que existem hoje. O Alisson, que é goleiro de seleção, o Ederson, que era da base do São Paulo e que hoje está no Manchester City. Eles vão errar também. Vão acertar? Vão

Denis, ex-goleiro do São Paulo

Marcello Zambrana/AGIF

Dança de goleiros e torcida por Volpi

"Conheço o potencial do Denis, sei o que ele pode render. Foi o goleiro que mais jogou na minha ausência na minha carreira de titular no São Paulo."

A frase é de Rogério Ceni. O atual treinador do Fortaleza pronunciou estas palavras em dezembro de 2016, quando foi apresentado como o novo técnico do São Paulo. À época, no entanto, o "Mito" tricolor já previa que promoveria uma "disputa saudável" pela titularidade entre Denis e Sidão, que fora contratado pelo Tricolor junto ao Botafogo após pedido do próprio comandante.

Nenhum destes atletas, porém, acabou se firmando como titular absoluto. Tanto que a torcida viu inúmeras tentativas para suprir a ausência de Ceni, que se aposentou no fim de 2015, nos últimos três anos. Desde então, foram colocados para atuar Denis, Sidão, Renan Ribeiro e Jean. Nenhum se firmou. O primeiro a se destacar da imagem de Ceni é Tiago Volpi, que, enfim, parece se fixar como dono da posição na atual temporada.

"São cinco goleiros. E vai continuar sendo difícil. O Volpi, no começo agora do ano, sofreu um pouco. Agora, ele deu uma firmada. Conversei com ele, que jogou aqui [no Figueirense], pelas redes sociais. Todas as referências que eu tenho do Volpi são de que é uma pessoa e um atleta sensacional. Torço muito para que ele dê sequência."

"Eu não sei hoje qual a situação dele no São Paulo, se ele está emprestado [o atual camisa 23 são-paulino está cedido pelo Querétaro-MEX até dezembro], mas é um goleiro que vai sofrer. O Rogério vai ser lembrado para sempre. Eu falo que vai dar uma amenizada [nas cobranças da torcida] quando o clube voltar a ter um time competitivo, voltar a ser campeão."

Caio Cezar/UOL Caio Cezar/UOL

Ceni nunca será superado

Durante os nove anos no Morumbi, Denis atuou como titular em 173 por partidas. Nesta quase uma década dedicada ao Tricolor, Denis se tornou o segundo jogador que mais amargou a reserva de Ceni no São Paulo. De acordo com números do clube paulista, foram 301 partidas no banco, contra 312 de Roger, que defendeu as cores são-paulinas entre 1997 e 2005.

Desta forma, Denis acredita que será muito difícil algum outro goleiro chegar perto dos feitos de Ceni. O "Mito" defendeu o São Paulo por mais de 25 anos e completou 1237 partidas pela equipe, 978 delas ostentando a braçadeira de capitão, além de ter conquistado inúmeros títulos, como as Libertadores de 1993 e 2005, os Mundiais de 1993 e 2005, os Brasileiros de 2006 a 2008.

"Eu sabia que a cobrança iria existir. A comparação de qualquer goleiro que entre hoje vai existir com o Rogério. Mas, igual ao Rogério, não existe e não vai existir. Não tem como substituir o Rogério. Não tem jeito."

"Só que eu não sou igual, nem quero, nunca quis ser igual, ao Rogério. Apesar de ter crescido vendo o Rogério e de ter tido ele como uma das minhas inspirações, sempre deixei isso bem claro para ele."

Mesmo com a ideia de identidade própria, Denis chegou a esboçar ser um goleiro que cobra faltas. Ele treinou o fundamento por um período e bateu um tiro livre contra o Cruzeiro no Brasileiro de 2015, até enfim anunciar que abdicaria da função.

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Imprensa ajudou na "fritura"?

Além das oscilações em campo, das críticas da torcida, da polêmica envolvendo reclamações públicas da esposa em redes sociais, Denis alegou que também sofreu com a pressão de parte da imprensa durante a passagem pela capital paulista.

"Eu não vou citar nomes [de jornalistas], mas claro que tem. E todas as pessoas que pegaram pesado sabem, não preciso ficar citando nomes", desabafou. "Hoje em dia, com a internet, as pessoas conseguem se esconder e falar o que elas bem entendem. Muitas vezes até chegam ao exagero."

"Mas essa é a parte da mídia. O que vende hoje é a coisa ruim. A coisa boa ela vende, mas passa rápido. Eu vejo dessa forma. A crítica sempre vem muito pior do que o elogio. E por que eu parei de ver tanto críticas quanto elogios? Porque as críticas não farão meu rendimento melhorar se eu não trabalhar e treinar, assim como o elogio também não."

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Além de evitar acompanhar o noticiário esportivo, Denis revelou que também não costuma utilizar as redes sociais.

"Eu me blindei de todas as formas, como falei. No último ano meu de São Paulo, no meio de 2016 para frente, eu não olhava televisão, não olhava internet, não mexia em rede social, eu me isolei mesmo. Conversava muito com a psicóloga do clube. Blindei bem a minha família. Mesmo assim, não tem como a família não ver e não sofrer junto com a gente. Mas eu me afastei de todas as mídias, todas as redes, e foquei simplesmente no meu dia a dia, no meu futebol, que é o que eu gostava de fazer."

Segundo o agora ex-camisa 1 do Figueirense, as críticas sofridas nos nove anos de São Paulo o tornaram mais forte.

"Um atleta que suporta a pressão que eu suportei, em um clube grande, é de um aprendizado excepcional. Hoje, sem dúvida, sou um goleiro e uma pessoa muito mais experiente do que dois anos atrás."

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Quer jogar até os 45

Além de ter atuado no São Paulo por quase uma década e da passagem recente pelo Figueira, Denis também já vestiu as cores da Ponte Preta.

Com 32 anos, o atleta revelou que não cogita se aposentar tão cedo e sonha em superar as marcas de Rogério Ceni, que esteve em campo até os 42 anos, e do italiano Gianluigi Buffon, que ainda defende a Juventus, aos 41.

"Minha carreira, provavelmente, vai ser um pouco longa ainda. Goleiro consegue estender um pouco mais. Tenho, no mínimo, mais uns 10 a 13 anos. Eu pretendo, se conseguir, jogar em alto nível até os 45 anos. É minha meta. Me cuido muito bem, me cuido muito para que possa ter essa longevidade da melhor forma possível."

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Juvenal vetou negócio com italianos

Denis cultivou durante os tempos de Morumbi o sonho de quase todo jogador profissional: atuar num clube europeu. Mas um dos mais icônicos presidentes do São Paulo acabou frustrando essa possibilidade.

"Eu gostaria muito de jogar fora do país. Eu tenho a cidadania italiana, tenho passaporte italiano. Na época do São Paulo, recebi propostas para ir para a Itália. O Juvenal [Juvêncio, que morreu em dezembro de 2015] também não deixou eu sair, não me liberou. Eu gostaria de ter essa experiência no mundo europeu, nos times europeus. Tenho uma curiosidade muito grande de jogar fora do país."

Hoje em dia, o goleiro não descarta um dia até se transferir para o futebol japonês. "Tenho uma curiosidade muito grande de jogar no Japão. Eu conheci o Japão jogando com o São Paulo, então é uma curiosidade que eu tenho. Lógico que também acompanho os Campeonatos Italiano, Espanhol, Francês, Inglês e Português e também tenho vontade [de disputar estas ligas]."

Eu tive proposta no ano passado para sair, mas, o presidente na época e também o treinador, o Milton Cruz, me convenceram para que eu ficasse, porque tinham um projeto para o Figueirense. Optei, até por causa da família, continuar aqui no clube

Denis, sobre a oferta para jogar na Arábia Saudita

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Vida financeira indefinida

O planejamento de ter uma carreira longeva e de atuar na Europa também estão ligadas à atual situação financeira de Denis. De acordo com o goleiro, o 'pé de meia' da família ainda não está garantido. "Se parar de jogar bola hoje, tenho que trabalhar de outra forma, em outro lugar. Não consegui [a independência financeira], não porque não guardei, mas é que muitas pessoas pensam que, como fiquei nove anos no São Paulo, eu ganhei muito dinheiro", comentou.

"Eu fiquei sete anos sendo reserva do Rogério, então meu salário não era um salário alto. Eu tinha meus objetivos, consegui comprar casa para o meu pai, consegui comprar minha própria casa, mas ter a minha vida financeira resolvida, isso ainda está muito longe de acontecer", completou o goleiro, que ainda ajudou a irmã a se formar em duas faculdades.

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Sanfona: o talento musical

As mãos de Denis não servem apenas para defender as metas. Fato curioso que poucos sabem é que o goleiro é músico nas horas vagas e toca sanfona. "Eu tinha um plano B. Quando eu saí de casa com 13 anos para jogar futebol, se até os 18 anos eu não fosse goleiro, não fosse jogador profissional de futebol, eu voltaria para minha casa, para casa dos meus pais, e estudaria. Seria músico, esse era o sonho do meu pai. Só que, com 17 anos, eu já assinei meu primeiro contrato profissional e minha carreira seguiu de lá para frente."

Fã de música sertaneja, Denis revelou alguns de seus artistas preferidos. "O Luiz Gonzaga é o ícone da sanfona, não tem como você gostar do instrumento e não gostar dele. Dos [artistas] que meu pai escutava, os que estavam no auge eram Leandro e Leonardo, Chitãozinho e Xororó, Zezé Di Camargo e Luciano, João Paulo e Daniel, que é de Brotas, a cidade onde meus pais moram."

"Tive o prazer de conhecer muita gente boa pela música, e, hoje, posso dizer que sou um cara realizado e tenho vários desses cantores, que nem passava pela minha cabeça chegar um dia perto, como amigos."

O Chrystian, do Chrystian e Ralf, já foi no meu aniversário. Das duplas mais novas, o Mariano, da dupla Munhoz e Mariano, e Fiduma e Jeca, que é uma dupla que está estourando, também já foram em casa. Conheço muita gente, desde Bruno e Barreto, Fernando e Sorocaba, Marcos e Belutti, Edson e Hudson. São grandes amigos

Denis, ex-goleiro do Figueirense

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Um pai participativo

Dedicado à dura rotina de treinos, concentrações, viagens e jogos, Denis sempre procura arranjar tempo também para as filhas Mirela, de 6 anos, e Maria Rosa, 4. Ao receber a reportagem do UOL Esporte na sua casa em Florianópolis, o goleiro não percebeu que estava com o rosto sujo de glitter enquanto brincava com as herdeiras.

"Eu devia estar brincando com elas, deve ser por isso, deve ser gloss. Eu tenho duas meninas, então já imagina o tanto que elas possam brincar com glitter, batom, essas coisas. Elas vêm, me abraçam, me beijam. Então não tem como [não se sujar]."

"A gente brinca de tudo um pouco. As minhas filhas gostam de brincar de futebol. Hoje elas estão aprendendo a andar de bicicleta. A gente brinca em casa de todas as formas, tem essas bonequinhas pequenas hoje que elas são fissuradas, as Lol , que elas brincam bastante", disse o pai coruja.

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