Lutador raiz

José Aldo construiu carreira sem fazer o jogo do entretenimento e agora quer desafios para o pós-UFC

Bruno Braz e Luiza Oliveira Do UOL, no Rio de Janeiro Luciano Belford/AGIF

Eu sou um atleta bem raiz. Muito mais treino. Sem esse negócio de muita mídia. Sou muito mais raiz e focado do que essa 'nutellagem' toda que tem por aí.

Sou doce. Calmo, sorridente e feliz. Mas ali é o meu trabalho. No momento em que entro no cage, viro uma máquina. Eu acho que ninguém me reconhece, principalmente, dentro do vestiário. Eu tenho um olhar diferente. Entro no meu instinto agressivo, assassino, um estilo meio que animal mesmo de procurar devorar o meu adversário.

Não tem como não ter esse instinto. Se você não tiver essa gana de vencer, de destruir seu adversário, pode pegar suas coisas e ir embora, porque você está no lugar errado. Não tem como. Todo atleta tem essa sede de vitórias. Se você brincar de par ou ímpar, vai ficar puto se perder. Eu estou em transe mesmo, cara.

Você só tem que executar aquilo que você trabalhou, porque você treinou. Você tem chegar lá dentro e vencer a luta. Você tem que ter a mente forte de um vencedor. Pode ver, aquele que se coloca em dúvida não chega a lugar nenhum. Você tem que bloquear esse lado ruim da tua cabeça. Isso aparece na minha também, é normal ter a dúvida. Bloqueia. Você é sempre melhor em tudo. Eu sempre fui assim. Em qualquer coisa que eu faça, não importa onde esteja, sempre me acho o melhor e que estou com os melhores.

Por isso que tudo aquilo que sonhei desde moleque, da minha carreira na luta, do MMA, eu consegui. Tudo que almejei na vida. Hoje em dia, eu coloco uma meta bem difícil que não tenha possibilidade nenhuma de acontecer é e dela que eu vou atrás. É assim que eu penso e é assim que eu vou ser.

Alexandre Loureiro/inovafoto Alexandre Loureiro/inovafoto

O treino da manhã de quinta-feira acabou e José Aldo curte um raro momento de descanso sentado no tatame jogando conversa fora com seus colegas. Pouco depois, ele pega a mobilete e desce a comunidade do Morro Azul para almoçar em casa que fica bem pertinho dali. Volta para a entrevista de barriga cheia após bater seu pratão preferido: arroz, feijão, bife e salada.

Não é à toa que Aldo se define como um lutador raiz. A rotina é a mesma desde que começou a carreira no UFC. No dia a dia, anda de chinelo, come cachorro-quente no bairro do Méier, na zona norte do Rio, e pega metrô para ir ao centro da cidade. Seu programa preferido é ver o Flamengo em ação no Maracanã.

No octógono, é o atleta que se sente como um animal pronto a devorar seus rivais. Foi assim que deteve a hegemonia da sua categoria no UFC por anos. E, mesmo estando no topo do esporte, não se vendeu ao sistema. Até hoje, ele evita fazer parte do show de entretenimento que se tornou o MMA. Prefere focar no respeito que tem pela arte marcial em vez de fazer caras, bocas, poses com muques ressaltados e provocações aos seus adversários.

E é assim que ele busca novamente o topo do mundo após um período de baixa com três derrotas duras para Conor McGregor e Max Holloway que lhe custaram o cinturão do peso pena. Após vencer os dois últimos duelos, Aldo agora volta ao octógono no próximo sábado no UFC Rio 10 diante do australiano Alexander Volkanovski. Pode ser a penúltima luta da carreira. Aldo retorna no segundo semestre para mais um combate, e ainda não sabe se vai renovar contrato com o UFC. O que ele quer mesmo é se aventurar no boxe em busca de novos desafios.

UFC virou entretenimento

O Dana (White) sempre falava sobre esse lado de procurar fazer mais, falar mais com a mídia também, procurar estar mais em alta. Mas, cara, não tem como. Se você não é aquilo, é muito difícil você se transformar. Eu não sou duas caras.

José Aldo, sobre as cobranças do chefão do UFC

Relação difícil com Dana White

"Quando ele me dá ordem de patrão, é foda". É com esse jeitão bem peculiar de falar que José Aldo define sua relação como empregado de Dana White, o presidente do UFC. Sem rodeios, o lutador admite a dificuldade em muitos momentos de se chegar a um denominador comum com o "poderoso chefão".

"São duas relações. A minha relação de família com ele, fora do trabalho, é ótima. Ele tem carinho por mim, pela minha esposa, pela minha família, me trata bem, conversa... Já a de patrão, como empregado, é bem difícil porque eu vou querer mais para mim e ele vai querer mais para ele. É normal. Como você [repórter] tem o seu patrão e é um funcionário. Você tem que seguir ordens", explica.

Na avaliação de Aldo, um dos principais motivos dos desgastes com White é o fato de o lutador se importar muito com os outros. A "rebeldia" do brasileiro com as determinações de seu patrão também gera dores de cabeça.

"Quando eu bato cabeça com ele é difícil porque eu só falo merda", diz Aldo para depois exemplificar: "Ele fala: 'você tem que falar assim, assim e assim'. Eu chego e falo totalmente o contrário daquilo que ele espera".

John Locher/AP John Locher/AP

O brasileiro tem que chegar lá e provar

Não foi fácil para José Aldo entender que o desempenho esportivo não é a única alavanca no complexo jogo do UFC. Aos poucos, ele percebeu que lutadores não tão talentosos tinham grande retorno financeiro por venderem bem suas "marcas". Ele também notou que existia uma diferença de como atletas gringos e brasileiros encaravam o esporte. Para ele, a origem humilde da grande maioria de seus compatriotas faz com que vejam o MMA como a chance da vida.

"Para ele [estrangeiro] tanto faz perder ou ganhar. Ele não teve uma criação tão sofrida como a nossa, de chegar lá num país e provar para o pessoal do primeiro mundo a nossa capacidade de vencer e de lutar de igual para igual como atleta. Querendo ou não, a gente não tem tanto apoio no Brasil, não tem patrocinador, não tem o suplemento que pode te dar um bom rendimento.".

Aldo acredita que os atletas estrangeiros têm mais apoio em seus países do que os brasileiros no Brasil e que a força do entretenimento no esporte ainda é algo difícil de ser absorvida pelos esportistas tupiniquins.

"A gente luta por uma oportunidade. Eles não, estão acostumados. Vamos falar do Conor [McGregor]: o país dele não tem quase ninguém. E o país dele apoia muito ele e a gente aqui, não. A gente briga contra o nosso próprio país. Os atletas brasileiros não têm tanto apoio dos fãs brasileiros. Primeiro você ganha lá fora para depois ganhar aqui dentro. Quando vamos lá fora, não estamos preocupados em vender qualquer coisa. Estamos pensando em vencer a luta e dar um conforto melhor para a família e depois, sim, tentar fazer uma coisa a mais. Da nossa cabeça, pensamos: 'Se eu perder, nunca mais volto aqui'".

Bastidores da luta com McGregor: "Vivia doidão"

Virei ídolo dos meus ídolos

Campeão do UFC durante dez anos, José Aldo tornou-se mundialmente conhecido. A fama, porém, é algo que ainda lhe causa estranheza. Ele até hoje fica surpreso de ser tietado por pessoas que enxerga como referências, como seus ídolos do futebol.

"Muito louco. Eu vou no estádio, aí fico no camarote e vem alguns jogadores pedir para tirar foto comigo. Eu falo assim: 'não, cara. Não é você que quer tirar foto comigo. Eu que quero tirar foto com você. Eu sou muito seu fã'. Hoje em dia eu frequento a casa do Bebeto. Ele me liga, a gente fica conversando... Cara, fico sem palavras para explicar isso tudo que virou minha vida. É bem louco", diz ele, que realizou um grande sonho relacionado ao futebol.

"Se eu sou flamenguista, é graças ao Zico. É uma coisa confusa na minha cabeça de ver seu ídolo tão próximo, de conversar com você. Eu já levei ele para Manaus, joguei com ele, fiquei no mesmo vestiário. Nem nos meus melhores sonhos eu ia imaginar que isso aconteceria"

Se por um lado a fama lhe trouxe o privilégio de conviver com ídolos, também já lhe causou algumas saias-justas, como quando foi assediado por uma mulher ao lado de sua esposa. "As pessoas vêm falar que eu sou bonito. Eu falo: 'não sou. Se não fosse o José Aldo, não seria'. Um dia chegando no UFC Rio com a Vivianne de mãos dadas, uma mina veio, me abraçou e me beijou. Foi um momento sinistro", lembra às gargalhadas: "Ela [Vivianne] ficou bravíssima, mas eu não tive culpa".

Aldo curte ser reconhecido pelas pessoas, mas sabe que a fama também tem seu lado negativo. Ele não consegue, por exemplo, exercer um dos seus hobbies prediletos: ir aos jogos do Flamengo de arquibancada e no meio Torcida Jovem, a organizada do qual fez parte antes da fama. "Antes, eu conseguia ver o jogo na arquibancada, torcer, pegar bandeira... Isso tudo é uma sensação ótima, mas aí depois teve um jogo que fui e todo mundo ficou tirando foto, foto, foto, e eu falei: 'cara, não tem mais como'. Hoje eu vou muito mais no camarote, fico lá sentadinho na cadeira normal, mas eu sinto a maior saudade da arquibancada, da vibração, de abraçar todo mundo", destaca.

Daniel Ramalho/AGIF Daniel Ramalho/AGIF
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A hegemonia no UFC

José Aldo é um dos maiores expoentes do MMA. Chegou ao topo da sua categoria, deteve o cinturão do peso pena e ficou invicto por uma década. Aldo nunca poderia imaginar que teria tanto sucesso e diz que a sensação é indescritível. "Quando você trabalha, faz tudo certinho e vence, é uma sensação inexplicável. Você acorda e dorme rindo".

Aldo sente que tem a missão de retribuir tudo o que conquistou. Por isso, hoje trabalha para deixar um legado para o futuro do esporte. Em sua academia no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, ele forma novos atletas para representar o país no MMA.

"Aqui na academia a gente procura treinar e tentar formar alguém que possa amanhã ocupar o meu espaço ou de outros meninos daqui que lutaram no Ultimate. A transição tem que ser feita, faz parte. No futebol acontece isso. Espero que a nova safra que vai vir agora possa representar bem, que possa conquistar títulos, que possa manter o esporte na alta".

A mentalidade vencedora

  • Insatisfação constante

    "Eu nunca acho que atingi o ápice. Nunca me contento com aquilo que estou vivendo. Sempre quero mais. Não é à toa que você vai me ver treinando cada vez mais, querendo aprender cada vez mais. Eu nunca acho que estou bem. Nunca me coloco numa zona de conforto. Sempre procuro me exigir: 'tenho que melhorar isso, tenho que socar assim, tenho de chutar dessa maneira, trabalhar meu chão, aprender finalização'."

  • Confiança

    "No começo da minha carreira, eu falei em uma entrevista que eu me achava o melhor lutador do mundo. Todo mundo me criticou bastante. Foi uma chuva de críticas. Eu nunca fui tão criticado na minha vida. Na época, a [minha mulher] Vivianne ficou mal, ligou para o site para tirar porque as pessoas falavam muito mal e de uma forma agressiva sobre mim. Aquelas mesmas pessoas hoje falam que eu sou o melhor lutador."

  • Não chorar o leite derramado

    "Eu procuro sempre esquecer tudo aquilo que passa porque não tem como voltar atrás e fazer de uma maneira diferente. 'Ah, eu derramei um copo d'água, vou voltar'. Já foi. Derramou. É igual uma derrota. Eu tenho que voltar para a academia, treinar cada vez mais, aprimorar minhas habilidades para que isso não aconteça mais. Não ficar em casa um mês em depressão, triste: 'ah, eu não sou mais aquele lutador'. Eu nunca fui um cara de ficar chorando águas passadas. Faz parte você perder, você sofrer naquele momento. Mas esquece, brother, não tem como."

O dia em que Aldo se sentiu como Ayrton Senna

José Aldo acumulou muitas vitórias na carreira, mas uma em especial o marcou. Em 2012, ele defendeu o cinturão dos pesos penas ao nocautear Chad Mendes no UFC 142, no Rio de Janeiro, e foi carregado pela torcida. Foi a realização de um sonho ser carregado nos braços dos fãs e ver o ginásio lotando entoando cânticos de arquibancada de futebol.

"No momento em que eu venci, só procurei a melhor saída, onde ninguém pudesse me pegar e corri pra torcida. Senti uma leveza muito emocionante. Tudo aquilo que eu sonhei. Poder vencer na minha torcida, estar no braço da galera". "Eu me senti igual ao Ayrton Senna quando venceu e o povo carregou ele. Muito incrível. Ver o povo me abraçando, me jogando para o alto, comemorando junto comigo. Demorou três dias até cair a ficha".

Mas a comemoração quase se transformou em um problema. A direção do UFC considerou que Aldo colocou em risco a própria integridade física ao pular o octógono e lhe aplicou uma multa. Mas Dana White gostou tanto da cena que cobriu a punição pagando do próprio bolso.

"Eles tinham esse medo de acontecer qualquer coisa comigo porque eles são responsáveis. Fui punido e descontaram do meu salário, mas o Dana sempre deu força. Ele sempre falou: 'pode fazer o que você quiser fazer dentro do cage que eu banco pra você'. Na época, eu não sei se eu ganhei US$ 10 mil, tiravam US$ 2 mil e o Dana tirou do bolso. Eu ia para os eventos com a merda feita na cabeça. Eu sabia que o Dana ia chegar e me cobrir."

Gregory Payan/AP Gregory Payan/AP

A derrota mais dura veio em 13 segundos

Depois de ter a hegemonia do UFC, José Aldo provou o outro lado da moeda. Em 2015, ele foi nocauteado por Conor McGregor em apenas 13 segundos no que seria sua segunda derrota no UFC e perdeu o cinturão depois de muitos anos. Aldo chorou muito ainda no octógono e se deparou com a derrota mais dura da carreira.

"Acho que foi a que eu senti mais, porque eu não tive oportunidade de lutar, não pude chegar lá dentro, não pude acertar meus golpes. Eu acertei, sim, um golpe. Só que abriu e ele me acertou um golpe muito mais forte."

A luta aconteceu depois de uma campanha promocional intensa que incluiu viagens pelo mundo inteiro e muitas trocas de provocações entre os dois. Não à toa, se tornou uma das mais aguardadas da história da competição. Mas Aldo nega que perdeu por ter se desestabilizado emocionalmente.

"Me perguntam se ele entrou na minha cabeça, se eu fui para a luta pilhado. Não, eu treinei da mesma maneira, fiz as coisas como sempre faço e tentei fazer uma combinação entre um destro e um canhoto. Acho que ele teve mérito de me acertar um bom golpe que pegou no queixo. Eu tentei jogar um soco na barriga dele, entrar com a minha mão direita e cruzar de esquerda na cabeça, mas a dele pegou melhor do que a minha. A minha só cortou e eu fui nocauteado".

"Aquela luta para mim foi boa. Se tivessem outros Conors também no peso pena, para mim seria ótimo porque aquela luta, querendo ou não, também traz o dinheiro. Você não pode só pensar no lado de arte marcial. Você tem as suas contas para pagar".

José Aldo, sobre o duelo contra Conor McGregor

Luciano Belford/AGIF Luciano Belford/AGIF

A pressão de levar o país nas costas após a queda do MMA

O Brasil se tornou uma potência no MMA. No fim da última década, a modalidade explodiu de popularidade e chegou a ser comparada ao futebol, graças ao talento de atletas como Anderson Silva, Júnior Cigano e o próprio Aldo que colocaram o país no topo da modalidade. Mas, um a um, eles foram caindo, e Aldo sentiu o peso de ser o único campeão remanescente.

"Eu virei a esperança de um país, de estar com esse título, com esse cinturão, de chegar e ter que lutar para vencer porque senão pode virar o esporte, pode não acontecer mais dessa maneira. Tem um peso sim. Todo mundo te joga uma pressão, principalmente quando você está dando uma entrevista ou falando com os fãs. Eles falam: 'você tem que manter o título, você é o nosso único campeão'."

Mas Aldo considera que esses são os ossos do ofício e tenta não vestir a carapuça, preferindo focar somente no seu trabalho. "Faz parte. Você trabalha, você conquista, então, você tem que lidar com esse lado do peso também", diz. "Eu tenho que estar treinadinho para chegar lá dentro e vencer a luta. Assim, eu sei que vou carregar todo mundo junto. Se eu botar a pressão na frente do meu trabalho, das minhas habilidades aí, sim, estou perdido."

"Foi burrice minha", diz Aldo sobre derrota para Holloway

"Era o final do Aldo"

José Aldo enfrentou a fase mais difícil da carreira nos últimos anos. Ele já havia sido derrotado por Conor McGregor e por Max Holloway. Depois, pediu a revanche a Holloway e foi derrotado novamente. Sua carreira foi colocada em xeque e até a qualidade da sua equipe foi questionada.

"Todo mundo falou que era o final do Aldo, que eu tinha que ir embora para os Estados Unidos, que tinha que procurar novos treinadores, procurar uma nova equipe."

Naquele momento, ele chegou a ter conversas com seu técnico Dedé Pederneiras e equipe sobre o futuro da carreira. O atleta perguntou a todos se teria condições de seguir em alto nível e foi questionado se gostaria de mudar de técnico. Mas tomou a decisão de permanecer.

"Eu tive uma hegemonia muito grande no esporte. Por que eles tão errados depois de duas lutas? Não. Eu que entro lá dentro, eu tomo as decisões, posso ter tomado decisão errada. A culpa não é deles. O Dedé conversou comigo também, me falou que seu quisesse procurar outro treinador. Eu falei: 'não. A gente começou junto e vai terminar junto'."

"Eu tinha que vencer, tinha que mostrar quem é o Aldo, o Aldo campeão, que teve uma hegemonia muito grande, que teve um domínio na categoria muito grande, que é considerado o melhor peso pena de todos os tempos."

José Aldo, sobre o mau momento na carreira

John Locher/AP John Locher/AP

O ressurgimento em nome da filha

No momento mais difícil da carreira, José Aldo encontrou sua força na pessoa que mais ama. O atleta viu sua filha Joanna, de 6 anos, chorar muito após a segunda derrota para Max Holloway, em dezembro de 2017, e decidiu que queria dar orgulho a ela. E foi a pequena quem o inspirou para se reerguer.

"Ela chorou bastante, ela ficou bastante doída com a derrota. Eu vi o vídeo que a avó fez dela chorando. Mesmo assim ela me tratou bem, me abraçando, me beijando e falando que eu era o campeão dela. Eu perder a luta e ver ela chorando assim aquilo sim me deu uma dor no coração, uma responsabilidade muito grande."

Aldo começou a treinar com outra postura para seu confronto seguinte contra Jeremy Stephens, em julho de 2018. "Eu sempre lutei por mim. Nessa luta, eu fui muito mais pensando no lado familiar do que no meu. Isso me deu uma injeção de ânimo de querer estar treinando. Eu nunca treinei tanto na minha vida. Se eu treinava, eu treinei o dobro para não ter erro nenhum na luta contra o Jeremy". "Eu pensava: 'eu tenho que chegar lá dentro e vencer a luta que é pra ela'. Não para mim, eu já tinha conquistado um título, eu sei qual é o sabor da vitória, mas para ela. Para ela poder chegar para os amiguinhos e falar: 'meu é pai campeão, meu pai lutou e venceu'."

Aldo cumpriu o objetivo. "Se for ver, na luta eu fico bastante emocionado, não pela vitória, mas sim de vencer para ela. Logo em seguida quando eu chamar ela no Face Time, ela me ver e ela estar feliz, pulando, abraçando. Aquilo, sim, para mim foi uma emoção muito grande e o peso de trazer a vitória".

Thiago Ribeiro/AGIF

O vício do pai e o abandono da mãe

As cicatrizes que José Aldo carrega da infância vão muito além da que possui no rosto, fruto de uma brincadeira mal-sucedida com as irmãs em que caiu sobre uma grelha quente de churrasco. Por atitudes do pai, passou a temer os finais de semana e a conhecer de perto a triste realidade do alcoolismo.

Os períodos de sexta até domingo em sua vida em Manaus eram recheados de agressões, ameaças e destemperos, que tiveram como consequência o abandono do lar por parte de sua mãe, esgotada psicologicamente com o duro convívio matrimonial.

"Foi bem difícil entender. Eu era muito novo. Minhas irmãs entenderam, mas eu não. Eu não conseguia me ver sem ver o meu pai e a minha mãe juntos. Depois, quando me entendi por gente, vi que ela não tinha como sustentar, viver junto com a gente só pelo meu carinho em ver os dois juntos. Ela suportou muitas coisas. Meu pai várias vezes agrediu ela, então era uma situação bem difícil. Acho que ela fez aquilo no momento certo, na hora certa. Eu sofri, sim, mas depois disso aprendi como é que foi", recorda-se o atleta.

Ao todo, José Aldo passou mais de um ano sem nenhum tipo de contato ou informação da mãe. Hoje em dia estão mais unidos do que nunca. O lutador lhe deu conforto - fruto da carreira bem-sucedida - e, principalmente, amor. Do passado, ficou o aprendizado:

"Eu sempre via todo mundo com pai e mãe e eu não tinha os dois juntos, então, era bem difícil para mim. Hoje em dia converso com ela, ela chora sempre falando sobre isso. Eu falo para ela que aquilo foi a melhor coisa que aconteceu. Todo final de semana era um inferno na nossa vida. Bebia, tinha briga, tinha que se esconder no quarto para não acontecer coisa pior... Para mim, o final de semana era muito difícil. Quando chegava, eu já ficava triste."

Um pai difícil

A relação com o pai sempre foi complexa. Aldo apanhou muito dele, foi obrigado a se afastar da mãe e trocou horas de brincadeiras com a bola nas ruas pelos sacos de areia e cimento para trabalhar como auxiliar de pedreiro. Mas engana-se quem pensa que ele carrega mágoas. Muito pelo contrário. O lutador nutre gratidão pelos ensinamentos desde criança.

"Para mim, meu pai foi meu melhor professor. Me ensinou como me portar, como fazer as coisas da maneira dele... Não importa como é que foi, se foi agressivo ou não, mas foi da melhor maneira. Eu achei ótimo. Não vejo problema nenhum", destaca.

Aldo, inclusive, considera as críticas sobre esse tipo de comportamento na relação entre pais e filhos uma "nutellagem": "Eu apanhei bastante, mas antigamente isso era a coisa mais normal do mundo. Hoje em dia que ninguém pode tocar em ninguém. Meu pai me ensinou a tabuada e fazia a sabatina com a régua na mão. Se errasse, apanhava. Não tinha esse negócio de hoje em dia, essa 'nutellagem' toda. Acho que o meu modo de ser é graças ao meu pai, como fui criado".

Ele, aliás, é enfático ao dizer que não enxerga nenhum tipo de erro em pais que educam seus filhos na base de algumas palmadas. "Dependendo, não vejo problema nenhum. Eu acho que tudo depende da ocasião, de como você quer ensinar o seu filho. Eu acho que a melhor pessoa para educar um filho é o pai e a mãe. Dali a gente sabe quem é quem, quando vai para rua, vai ser a personalidade da criança", frisa.

Alexandre Loureiro/Inovafoto Alexandre Loureiro/Inovafoto

O passado nebuloso

O José Aldo pai de família, ícone do MMA, responsável e maduro não lembra em nada o "Júnior" de tempos atrás. Sincero, ele não tem vergonha de admitir que seu passado fugiu do politicamente correto. Envolvimento em confusões no período em que era integrante da Torcida Jovem do Flamengo e madeiradas em pedestres nos rolês de carro pelas ruas de Manaus são alguns dos casos dos quais o lutador não se orgulha.

"Cara, eu estava lutando jiu-jitsu na época. Começava tacando ovo nas pessoas, aí depois disso ia para as madeiradas. Aquilo era uma loucura que a gente fazia. Meu Deus do céu", recorda.

O estilo "sem papas na língua" de Aldo só não fica visível quando o assunto cai para a época em que fazia parte da organizada rubro-negra. Ao ser questionado sobre o envolvimento em brigas de torcidas, admite em partes. Algumas vezes, cai em contradição. O que não nega, porém, é que nem de longe foi um "santo".

"Nunca me envolvi em briga de organizada. Isso eu deixo para a imaginação das pessoas. Sim, acompanhava, ia com os meninos, principalmente Flamengo e Vasco. A gente ia atrás do pessoal da [torcida vascaína] Força Jovem tomar camisa, brigar, principalmente eu na época aprendendo a lutar, querendo mostrar, então tem esse lado... Mas isso é totalmente errado. Graças a Deus, apago isso da minha vida", diz o lutador, que faz uma ressalva: "Eu não gosto de covardia. Se juntar dez contra um, eu não me meto. Acho a maior covardia que tem. Agora, se for mano a mano, não vejo problema nenhum".

Todos esses comportamentos polêmicos da juventude somados aos duros problemas que enfrentou na infância fizeram Aldo inicialmente temer sobre seu filme biográfico "Mais Forte que o Mundo", lançado em junho de 2016 com direção de Afonso Poyart e que teve o ator José Loreto como protagonista no papel do lutador.

"Quando surgiu essa ideia do filme eu estava nos Estados Unidos, tinha acabado de vencer uma luta e fiquei um pouco meio que em dúvida. Dá uma felicidade, mas eu não sabia como ia ser a aceitação do público, da crítica, de todo mundo. Eu tinha medo disso. Fiquei conversando bastante com a Vivianne. Quando comecei a conversar com o [diretor] Afonso e ver os trabalhos dele, acho que me deu uma segurança maior. Depois, quando vi o filme, foi uma coisa sem palavras. A felicidade, a realização de tudo... Até hoje, toda vez que a gente assiste em casa, todo mundo se emociona da mesma maneira como se fosse a primeira vez", destaca.

Divulgação Divulgação

Fim do Aldo no UFC? Ele quer fazer boxe

Depois de um período difícil na carreira, Aldo conseguiu se reerguer e vem de duas vitórias seguidas contra Jeremy Stephens, em julho de 2018, e Renato Carneiro, no início deste ano. No próximo sábado, no UFC Rio 10, ele terá novo compromisso diante do australiano Alexander Volkanovski. Aos fãs, um aviso. Esta pode ser a penúltima luta da carreira, já que ele ainda não sabe se vai renovar contrato com o UFC ao fim de seus compromissos de 2019.

Aldo ainda vai se reunir com os produtores da modalidade para discutir o futuro. O atleta quer se dedicar a um novo desafio. "Essa luta vai dizer se eu luto pelo cinturão ou não. Vou vencer essa luta, respeitando meu adversário, mas eu vou vencê-lo, e aí vão querer me dar, mas eu não sei se eu vou querer lutar. Só se eu renovar o contrato, de uma maneira diferente, da maneira que eu quero. Não querendo exigir qualquer outra coisa, não. Eu só quero ter uma abertura para fazer outro esporte".

Ele quer investir no boxe. "Eu queria me testar, mas não fazer uma luta desafiando o campeão. Eu quero primeiro entrar, fazer uma luta pequena. Eu quero tentar crescer um pouco. Em cinco anos, eu acho que conseguiria fazer isso. Acho que tenho habilidade, tenho potencial para entrar em outra coisa. Eu queria me testar primeiro assim. Sentir o gostinho de começar do zero. Passo a passo. Aí sim eu vou saber se eu estou bem ou não".

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