Um Pan para mexer no bolso

Primeiro Pan sem Nuzman mostra como esporte fez para se adaptar ao pós-2016

Adriano Wilkson, Demétrio Vecchioli e Karla Torralba Do UOL, em Lima (Peru) Flavio Florido/Lima 2019

As jogadoras da seleção feminina de handebol ainda conversavam na quadra após a vitória sobre Cuba quando o presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB) se juntou a elas. Deu-lhes parabéns e ganhou mais do que sorrisos e comprimentos formais. Tamires Morena, pivô da equipe e pelo menos 15 centímetros mais alta, abraçou Paulo Wanderley e o tirou do chão. Quis jogá-lo para o alto, como fazem com técnicos campeões, mas desistiu a tempo da ideia.

Os Jogos Pan-Americanos que começam oficialmente hoje marcam o início de uma nova fase no esporte olímpico brasileiro. Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB nos últimos seis Pans e seis Olimpíadas, agora vive recluso no Rio de Janeiro enquanto aguarda sentença em um processo no qual é acusado de corrupção.

Ainda que Paulo Wanderley pareça ser menos centralizador, o presidente do COB tornou-se ainda mais poderoso do que seu antecessor: ao menos um terço das confederações tiveram seus repasses de recursos federais suspensos este ano. E as que têm patrocinador são raras exceções. Nunca o esporte brasileiro de alto-rendimento dependeu tanto do comitê olímpico.

Flavio Florido/Lima 2019
Alexandre Loureiro/COB Alexandre Loureiro/COB

Mais dinheiro público, menos dinheiro livre

O handebol é exemplo. Passou a maior parte do ano sem receber recursos das loterias (uma liminar obtida no TCU regularizou provisoriamente a situação das confederações endividadas) e não tem patrocinador. Se a seleção feminina teve uma preparação adequada para buscar o ouro no Pan e a vaga olímpica é porque o COB de Paulo Wanderley topou pagar a conta.

É verdade que há muito mais dinheiro federal para a preparação esportiva de forma geral, consequência de uma combinação entre uma nova postura do COB, regras mais rígidas determinadas pelo governo federal, e mudanças na Lei Agnelo/Piva. Foram R$ 117 milhões em 2015, ano do último Pan, e serão pelo menos R$ 193 milhões este ano.

Mas há muito menos dinheiro "bom", verba de patrocinadores privados que o comitê e as confederações usam como bem entender. circulando. Bem geridos, eles são mais valiosos porque dispensam as formalidades (e os custos) da gestão de recursos públicos. O COB busca há dois anos e meio um patrocinador master, sem sucesso.

Faltando um ano para os Jogos Olímpicos de Tóquio, a tendência é que mais empresas mostrem disposição para investir. Quando essa verba de marketing for colocada sobre a mesa, atletas e confederações competirão entre si por uma fatia do bolo. Um bom resultado nos Jogos Pan-Americanos pode fazer toda a diferença.

Jose Sotomayor/Lima 2019 Jose Sotomayor/Lima 2019

Estatais patrocinavam 17 esportes. Hoje, são 3

No último Pan, o BNDES patrocinava canoagem e hipismo, a Petrobras apoiava judô, boxe, levantamento de peso, taekwondo, remo e esgrima, enquanto ciclismo, wrestling, ginástica e atletismo tinham apoio da Caixa Econômica Federal. O Banco do Brasil estava no vôlei e no handebol, a Embraer no judô e os Correios no handebol, nos esportes aquáticos e no tênis.

De 17 contratos, só três seguem ativos, todos com longa e vitoriosa história: Banco do Brasil com o vôlei, Caixa com atletismo e ginástica. E, mesmo assim, com expressiva redução, que somam R$ 75 milhões para o ciclo olímpico.

Os esportes aquáticos sofreram o maior baque. Desde 2016, a confederação perdeu não apenas o patrocínio de R$ 18 milhões ao ano, mas toda sua autonomia. Com prestações de contas irregulares, não recebe o dinheiro da Lei Agnelo/Piva. Por desvios não só na antiga gestão, mas também na atual, tem dívidas com o governo federal e com os Correios.

Guillermo Arias/Lima 2019 Guillermo Arias/Lima 2019

Comitê olímpico hoje define prioridades

Hoje é o COB quem administra as modalidades aquáticas. Este ano, pagou, sem precisar da confederação como intermediária, tanto a realização da seletiva como a viagem ao Mundial de Natação. Vela e taekwondo também estão nesta situação.

Se é o COB quem toma as decisões e assina o cheque, é também ele quem define prioridades. E o comitê olímpico existe não para fomentar o esporte no país, mas para levar o Brasil a eventos como o Pan e a Olimpíada. Sua prioridade é o resultado. Dentro dessa ótica, é natural que haja menos dinheiro para quem tem menos possibilidades de conquistas.

Aqui, entra novamente o Pan. Modalidades como saltos ornamentais, polo aquático e nado artístico, para ficar só nos aquáticos, têm a chance de mostrar ao comitê que merecem mais apoio, porque podem entregar resultados.

Um a cada quatro brasileiros luta por vaga olímpica

Competindo em casa, o Brasil ganhou convites para disputar a ampla maioria das provas olímpicas da Rio-2016. Sabendo disso, o Pan-Americano de 2015, que foi disputado no Canadá, se transformou em treino para a maioria das modalidades. Desta vez é diferente.

Não haverá Olimpíada de Tóquio para quem não conseguir a vaga dentro das piscinas, quadras, tatames. Por isso, um em cada quatro atletas brasileiros que vão disputar os Jogos Pan-Americanos de Lima, a partir de hoje, competem por mais do que o título de melhor do continente. Para eles, o Pan é seletiva olímpica. A chance de carimbar o passaporte no Peru é quase sempre por um caminho mais curto e menos concorrido do que em Pré-Olímpicos Mundiais.

A lista aqui embaixo mostra os esportes em que o Brasil pode conquistar a vaga para Tóquio-2020. Para mais detalhes, você pode clicar aqui.

  • Saltos Ornamentais

    Vagas para o campeão individual do trampolim de 3 metros e da plataforma de 10 metros no masculino e no feminino.

  • Nado artístico

    Vagas para os campeões do individual e do dueto.

  • Polo aquático

    Vaga para os campeões no masculino e no feminino.

  • Handebol

    Campeões do masculino e do feminino vão para Tóquio. Vice-campeões se classificam para o Pré-Olímpico Mundial.

  • Hispismo Adestramento e CCE

    Vagas para as duas melhores equipes que ainda não tinham conquistado vaga para Tóquio-2020.

  • Hispismo Saltos

    Vagas para as três melhores equipes que ainda não tinham conquistado vaga para Tóquio-2020, além dos três melhores cavaleiros de países que não conquistaram vaga por equipe.

  • Pentatlo Moderno

    São cinco vagas no masculino e cinco no feminino, sendo 2 (em cada gênero) para a América do Sul, 2 para as Américas do Norte e Central e 1 para o competidor subsequente.

  • Surfe

    Campeões no open surfe, no masculino e no feminino.

  • Tênis

    Finalistas das chaves individuais no masculino e no feminino vão para Tóquio-2020.

  • Tiro com Arco

    Campeões do individual simples no masculino e no feminino e das duplas mistas.

  • Tiro Esportivo

    2 vagas por prova, em um total de 24 classificados para as Olimpíadas.

  • Vela

    2 vagas para as classes Laser Radial e 49er - o Brasil já tem vagas nas outras classes que valem vaga olímpica, Laser Standart, 49erFX e Nacra.

Hector Vivas/Lima 2019 Hector Vivas/Lima 2019

Pan é chance de aparecer para patrocinadores

Yane Marques era uma desconhecida do esporte brasileiro quando ganhou a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio. O pentatlo moderno não tinha tradição, mas o COB resolveu investir na pernambucana. Cinco anos depois, ela ganhou uma medalha olímpica.

O exemplo de Yane, hoje presidente da Comissão de Atletas, motiva a delegação brasileira. O Pan, assim como os Mundiais das respectivas modalidades, é visto como um fio de esperança de que o apoio uma hora vem, seja pelas vias oficiais ou por empresas privadas.

Uma mudança na chamada "regra 40" do Comitê Olímpico Internacional (COI) cortou limites que atrapalhavam o patrocínio privado ao atleta. Até o Rio-2016, os atletas não podiam ser associados a marcas que não sejam patrocinadores olímpicos durante uma janela que começa quando abre a Vila Olímpica e acaba dias depois da Cerimônia de Encerramento.

Essa regra foi flexibilizada pelo COI e pelo COB, que vai autorizar, em Tóquio, a manutenção de campanhas publicitárias de média e longa duração. Os impactos da novidade devem ser sentidos a partir do fim do Pan, em que vigora uma regra semelhante à versão antiga da regra 40.

Hoje, dois grandes patrocinadores adotam o modelo de apoio direto ao atleta: Petrobras e Nissan. Ambas têm seus "times" desde o ciclo passado e mantiveram o investimento. Ajinomoto e BV, em menor escala, também lançaram recentemente seus times.

O modelo, que deve ser replicado por outras empresas até Tóquio, é melhor para as empresas do que para os atletas. Há enorme demanda, com centenas de atletas à disposição das marcas. Em cenários assim, a oferta é que não costuma ser das melhores.

Marcos Brindicci/Lima 2019 Marcos Brindicci/Lima 2019

Brasil: obrigação de força máxima

Por toda essa questão financeira, o Brasil não pode sequer pensar em se dar ao luxo de não enviar o que tem de melhor ao Pan, como fazem Estados Unidos e Canadá. As exceções são exatamente os esportes onde há mais dinheiro à disposição: vôlei (os Pré-Olímpicos são prioridade), vôlei de praia (as principais duplas estão em corrida olímpica no Circuito Mundial) e tênis (Bruno Soares e Marcelo Melo estão muito acima do nível competitivo do Pan).

Isso faz com que, exceção aos lesionados Rafael Silva e Rebeca Andrade, à judoca Maria Suelen Altheman (que pediu dispensa) e a Robert Scheidt (estava aposentado quando ocorreu a seletiva), o Brasil vá a Lima com força máxima.

Os campeões olímpicos Thiago Braz (atletismo), Arthur Zanetti (ginástica), Martine Grael e Kahena Kunze (vela) )e Rafaela Silva (judô) são destaques óbvios, assim como outros atletas que já foram campeões mundiais: Mayra Aguiar (judô), Ana Marcela Cunha (águas abertas), Nathalie Moellhausen (esgrima) e Isaquias Queiroz (canoagem).

O Pan também é a oportunidade de torcer por atletas que fazem grande sucesso no exterior, mas ainda não deixaram sua marca nos grandes eventos multiesportivos. Hugo Calderano, no tênis de mesa, e Henrique Avancini, no mountain bike, estão entre os melhores do mundo de suas modalidades. O mesmo vale para Duda e Thiagus Petrus, do handebol.

Entre as promessas, vale ficar de olho em Paulo André, Gabriel Constantino e Alisson Brendom, do atletismo, Breno Correia e Fernando Scheffer, da natação, e Keno Marley, do boxe.

Carlos Lezama/Lima 2019 Carlos Lezama/Lima 2019

Gatlin é a grande estrela do Pan?

Ainda que os Estados Unidos tenha escalado equipes reservas nas modalidades onde é mais poderoso - natação e atletismo -, vêm das seleções norte-americanas desses dois esportes os nomes mais relevantes do Pan. Nas piscinas, o Team USA terá Nathan Adrian, dono de cinco medalhas de ouro olímpicas. Nas pistas, para correr apenas o revezamento, o astro Justin Gatlin, maior nome das provas de velocidade depois da aposentadoria de Usain Bolt.

Os dois são os nomes mais conhecidos, mas o Pan tem diversos atletas que estão entre os melhores do mundo em seus esportes. No salto triplo feminino, por exemplo, Lima terá uma prévia do que deve ser a disputa pelo ouro olímpico em 2020, com a venezuelana Yulimar Rojas e a colombiana Caterine Ibargüen. A brasileira Núbia Soares, que treina com elas na Espanha, corre por fora.

A Jamaica conta com Shelly-Ann Fraser-Pryce, duas vezes campeã olímpica dos 100m rasos, enquanto a delegação colombiana tem como estrela Mariana Pajon, bicampeã olímpica no BMX Racing (agora o Pan e a Olimpíada também têm outro BMX, o Freestyle). Por Cuba, vale ficar de olho em Mijaín López Núñez, tricampeão olímpico no wrestling.

Marcos Brindicci/Lima 2019 Marcos Brindicci/Lima 2019

Quer ver o Pan pela TV? Opções são Record e SporTV

Os Jogos Pan-Americanos começam hoje (26) em Lima, mas não adianta ligar a TV na Record, a detentora dos direitos, para assistir à cerimônia de abertura (com o cantor Luis Fonsi, do hit Despacito). O evento tem previsão de início às 20h30 (horário de Brasília) e a emissora vai se limitar a exibir um VT, editado, quatro horas depois do começo da cerimônia, que será realizada no Estádio Nacional da capital peruana. A transmissão começa à 00h30 de sábado (27).

Na TV aberta, só a Record News mostra a abertura. Na TV paga, quem exibe é o SporTV 2 - outra opção é o serviço de streaming PlayPlus, também da Record.

Além disso, apesar de alguns dias de competição já no passado (na quarta-feira foram disputados os primeiros jogos oficiais), com vitórias do Brasil no vôlei de praia e no handebol, por exemplo, é só a partir de amanhã (27) que a Record irá dedicar mais horas de sua programação ao Pan de Lima, com transmissão das competições à tarde e à noite. A emissora começará com patinação e dará espaço à ginástica artística, que terá a equipe brasileira feminina na disputa por medalha a partir de 22h30. Um programa com as principais notícias do torneio no Peru estreou na última quarta (24) e vai ao ar diariamente por volta de 00h15.

Alexandre Loureiro/COB Alexandre Loureiro/COB

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