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Da concentração à euforia; Medina protagoniza dia histórico no Havaí

Rafael Reis

Do UOL, no Havaí

20/12/2014 07h45

Gabriel Medina veio caminhando em direção ao palanque com o olhar profundo e passos não tão rápidos, deixando pegadas firmes na areia fofa de Banzai Beach. Parecia alheio à toda aquela gente se esgoelando em palavras de incentivo, às incontáveis bandeiras brasileiras e à mutidão que se atropelava por qualquer contato com seu ídolo. Toda aquela energia parecia parar no campo de força sustentado na marra pelo padrasto Charles, o irmão Felipe e alguns amigos. Medina estava visivelmente inabalável.

Depois de vários dias de Pipe Masters paralisado e muita expectativa, já era sabido que a sexta-feira decidiria o título mundial. Gabriel estava pronto, passou a vida inteira se preparando para isso.

“Se a gente não acreditasse a gente não ia nem ter começado a competir. Tanto eu quanto o Gabriel sempre acreditamos que isso era possível e por isso estamos aqui hoje”, garante o padrasto Charles com a confiança que lhe é comum, passada integralmente à Gabriel.

“Eu confiei em mim, eu tive muita fé. E o meu pai do meu lado também me deu muita confiança, ele sempre falando coisas positivas”, revelou Medina.

Já com a lycra de competição e os pés afundados no mar, Gabriel se despediu dos pais que  naquele momento eram seu único elo com o mundo real, dos meros mortais.

“Vai filho, vai lá, Vai buscar o que é teu”, ordenou Simone com a voz trêmula ao pé do ouvido do filho.

Obediente que é, Gabriel acatou. Remou para o outside de Pipe e acionou o modo competidor, sem se abalar com a primeira onda de Dusty Payne. Retrucou com dois tubos completados com segurança, reforçando a tese de que Gabriel cresce na pressão. O brasileiro massacrou o havaiano e sacramentou a vitória com uma onda que parecia sem fim. Medina encontrou a luz no fim do tubo e logo de cara eliminou Kelly Slater da disputa pelo título mundial.

“Eu não sabia se teria chances, mas tive bons pressentimentos nos últimos dias. Mas eles foram todos embora quando Gabriel Medina entrou na água nessa manhã”, desabafou Slater rindo.

A briga passou a ser apenas com o australiano Mick Fanning, que só virou sua bateria contra o francês Jeremy Flores no finzinho, com um belíssimo tubo, arrancando aplausos até da torcida brasileira.

Com a decisão do título adiada, Medina tirou a lycra ignorando os tantos chamados que recebia. Nem autógrafos, nem entrevistas, nem sorrisos.

“Ali a gente estava perto, mas quem está perto ainda não ganhou. Então, você tem que ter respeito. Respeito é bom porque ninguém ganha de véspera, e quando o Gabriel chegou aqui eu falei isso para ele, mesmo ele estando em primeiro”, revela o pai Charles, contando como fez para manter o foco do filho.

Mas apesar postura prudente adotada por Gabriel, a situação de Fanning estava realmente complicada. Na saída de sua bateria no round 3, o tricampeão protagonizou uma cena curiosa: fingiu que ia dar autógrafos aos fãs recostados na grade e pulou o cercado para fugir das entrevistas.

Quando reapareceu, no round 4, perdeu para Adrian Buchan, depois que Medina fez uma das baterias mais emocionantes do dia contra o amigo Filipe Toledo, que não aliviou e completou tubos incríveis para Backdoor. Não fosse Gabriel uma máquina de supreender, o postulante ao título teria disputado a repescagem, assim fez Mick Fanning, em uma bateria que parou a praia.

E como nas boas histórias de super-heróis, um coadjuvante apareceu para salvar o dia. Brigando para se reclassificar no WCT e já tendo vencido Kelly Slater no round 3, o brasileiro Alejo Muniz derrotou Mick Fanning. E o que aconteceu em seguida na praia é praticamente impossível de descrever em palavras.

Gabriel foi carregado por uma massa ensandecida, ao som gritos viscerais e cânticos futebolísticos. Uma invasão! O Brasil tomou de assalto o mundo surfe, fincou a bandeira verde-amarela na meca do esporte. E, às vésperas do natal,  a torcida brasuca deu à Pipe um ritmo de carnaval.

“Ainda não caiu a ficha, né. Parece que estão mentindo para mim ainda. Mas pois é, fui o primeiro e queria agradecer a Deus. Que seja o primeiro de muitos”, disse Gabriel com sorriso de orelha a orelha.

De tanta festa, o primeiro brasileiro campeão do mundo quase não compareceu à sua bateria seguinte. O título mundial estava definido, mas o Pipe Masters ainda não. E Medina ainda tinha fôlego para mais alguns shows. Chegou à final e fez uma das baterias mais incríveis do ano contra o australiano Julian Wilson, com direito à uma nota dez perfeita: 19,63 x 19,20, em 20 pontos possíveis. A vitória, acredite, foi de Wilson, que faturou também a Tríplice Coroa Havaiana, mas se rendeu à conquista de Gabriel.

“Nós tivemos um momento muito legal lá no mar, pegamos ondas muito boas e surfamos juntos. Eu tenho um respeito gigantesco por Gabriel, pela qualidade do seu surfe e pelo ano incrível que ele teve”, disse Julian Wilson, que nesse dia épico foi espectador privilegiado da cena mais marcante da história do surfe brasileiro. No palanque, ele viu Gabriel Medina receber o lustroso troféu prateado da ASP e ergue-lo para levar ao delírio a massa que aplaudia emocionada, enchendo de orgulho toda uma nação.