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Raquetada no juiz! A história não muito bem contada por Guga em seu livro

Do UOL, em São Paulo

01/04/2015 06h00

Gustavo Kuerten é totalmente identificado com Roland Garros, fez até um coração no saibro da quadra principal. Mas ninguém é infalível. Também foi no Grand Slam francês que o brasileiro perdeu a cabeça e acabou desclassificado por atirar a raquete na direção do juiz. O árbitro de cadeira francês Bruno Rebeuh desviou e a raquete acertou o ombro de um torcedor. O impacto não causou ferimentos, mas custou a eliminação de Guga e uma multa de US$ 7 mil.

O episódio aconteceu numa encardida partida de quartas de final de duplas de Roland Garros em 1998 que reunia três top 10. De um lado o australiano Patrick Rafter e o sueco Jonas Bjorkman contra Kuerten e Fernando Meligeni, eliminado por tabela pelo comportamento do companheiro.

Uma atitude do juiz no tie break do primeiro set fez o confronto parar por cerca de cinco minutos e gerou bate-boca entre os jogadores. Quando os adversários fecharam a parcial, a raquete de Guga voou na direção da cadeira do árbitro. Em sua biografia o tenista escreveu somente alguns parágrafos sobre o episódio:

“Num segundo minha calma se transformou em ira. Minha cabeça foi dominada pelas cagadas do juiz que comprometeram o resultado do set. Olhei para as minhas coisas no banco, que estavam no outro lado da quadra, e com toda a frustração, atirei a raquete mirando nelas. Em vez de ir em linha reta, ela subiu. Para piorar, pegaria em cheio no juiz se ele não desviasse. Foi um arremesso tão forte que a raquete foi parar na arquibancada. Meu corpo virou um liquidificador de emoções, misturando raivas pelas interferências do juiz, frustração, desilusão, desconforto, constrangimento, vergonha. Eu queria sair da quadra correndo.”

Apesar de admitir o erro, as palavras de Kuerten dão a entender que o juiz apenas "atrapalhou" o caminho da raquete até o destino desejado, o local onde estavam suas coisas. Não detalha com tanta riqueza a punição que levou e a repercussão negativa do caso. Quando fala no aprendizado que o caso lhe trouxe, não enfatiza o arrependimento pela raiva, mas sim o por ter perdido o jogo. “Meia hora mais tarde estava arrependido, querendo que o tempo voltasse e, com ele, também a chance de continuar a competição. Ficou a lição: dali para frente, parei de ser burro e nunca mais deixei de lutar até o último instante numa partida”.  

O gesto do catarinense teve proporções mais significativas na época do que apenas ter desperdiçado a chance de ganhar o jogo por perder a cabeça. A raquete acabou atingindo um torcedor, e a imprensa classificou o gesto como "vexame", e Guga foi multado  por prática antidesportiva e pela desclassificação no jogo, mas correu risco de perder os pontos do torneio no ranking.

A atitude intempestiva gerou até um bate-boca da dupla brasileira com o australiano Patrick Rafter, que sempre teve boa relação com os dois rivais. Ele esbravejou e disse que Meligeni e Kuerten não deveriam ter a atitude de pressionar o árbitro. O entrevero chegou a arranhar na época a imagem do brasileiro, tido como um dos mais carismáticos tenistas do circuito, o que lhe rendera até prêmio de mais simpático, em eleição entre os jornalistas. Chegou ao Brasil tendo que dar explicações. Adotou discurso de que iria esquecer o erro e jogar seu melhor tênis.

Na biografia, Guga conta que o juiz ficou sem saber o que fazer, mas que ele foi quem avisou que não jogaria mais. "Não quero mais jogar, pode me expulsar". Em 1998, o tenista catarinense não deu essa versão. Disse que chegou a tentar a pedir desculpas para Rebeuh, mas viu que não adiantaria.  

Numa dessas coincidências da vida, o árbitro era Bruno Rebeuh, o mesmo que apitou a partida que deu o primeiro título de Roland Garros ao brasileiro em 1997. Meligeni explica que o lance que incendiou o jogo ocorreu quando o placar apontava 5 a 3 no tie-break para os adversários que tinham o saque. Ele devolveu a bola, Bjorkman matou o ponto, mas a dupla brasileira indicou que o serviço não entrou. O juiz ignorou e disse que estava 6 a 3. O tenista foi até a cadeira, argumentou e nada. Pediu para o árbitro descer e olhar a marca, nenhuma reação.

Percebendo que não seria atendido virou as costas ao juiz e falou para Guga usar seu peso de campeão de Roland Garros e de top 10 para fazer Bruno Rebeuh ir conferir o saque. Com o respeito adquirido, Kuerten foi atendido, mas o juiz sequer se aproximou do local antes de cravar que foi bola boa. “Guga piorou”, lembra Meligeni.  

O ex-jogador contou que nem teve tempo para ficar brabo porque precisou segurar a onda de um “Guga transtornado”. Acrescentou que a irritação era grande porque Bruno Rebeuh quebrou o código de ética do esporte. Os jogadores até aceitam erros, mas ao sequer se aproximar da marca da bola o árbitro desrespeitou a dupla brasileira.