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Bia: "Maioria dos homens não sentiria se o circuito feminino não existisse"

Beatriz Haddad Maia, ou apenas Bia Haddad, representa o Brasil no tênis dos Jogos Pan-Americanos de Toronto - Mauro Pimentel/Folhapress
Beatriz Haddad Maia, ou apenas Bia Haddad, representa o Brasil no tênis dos Jogos Pan-Americanos de Toronto Imagem: Mauro Pimentel/Folhapress

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

07/11/2017 04h00

Bia Haddad Maia confirmou os prognósticos de que é um talento e teve um ano tão espetacular que foi indicada para o prêmio de revelação da WTA. Ela é jovem, tem 21 anos, mas houve gente apostando que a afirmação viria antes. Inúmeras lesões atrapalharam. Foi assim inclusive em 2017, quando começou a temporada com atraso porque quebrou três vértebras em um acidente doméstico. Mas agora a tenista afirma que pode ganhar de qualquer adversária. 

Durante uma conversa de 45 minutos, Bia falou sobre o tratamento que a maioria dos homens dá ao circuito feminino. Revelou que ouviu palavras de desprezo durante um almoço. Elas foram ditas por um tenista à mesa. A brasileira tem certeza que a maioria dos homens preferiria que o circuito feminino não existisse.

Ela ainda explicou porque chorou depois de ganhar uma partida em Wimbledon e qual foi a derrota mais marcante do ano. Em outro momento sério, a tenista declarou que ri dos haters que entram nas redes sociais apenas para xingar. A entrevista também teve momentos mais amenos com Bia explicando o motivo de preferir música brasileira e o que um apresentador símbolo da música caipira faz em seu Instagram. 

UOL esporte - Está nos cinemas o filme "A guerra dos sexos" que mostra a iniciativa de Billie Jean King para as mulheres receberem os mesmo prêmios que os homens. Como você avalia esta situação?
Bia Haddad Maia - O tênis já mudou muito da época da Billie Jean King para cá. Nos Grand Slams, o prize money (premiação em dinheiro) é a mesma coisa. Nos outros torneios a gente ganha um pouco menos. Eu falo que não dá para comparar o feminino com masculino.
Falam que o masculino ganha mais porque assistem mais ao masculino. Claro que a bola é muito mais rápida, o jogo é mais dinâmico, tem mais troca, pontos legais. Mas tem bastante gente assistindo o feminino. Acho que hoje a diferença não é tão grande. Talvez na WTA, com as meninas se unindo mais para mudar isso. Por a gente ser competitiva, não conseguimos mudar muito. E tem homens, como o (Andy) Murray, que aceitam e defendem as mulheres.

Em compensação há jogadores que têm resistência. O Djokovic já falou que homens merecem ganhar mais?
Bia - A maioria dos homens não sentiria falta se não tivesse o feminino. Com certeza. Para eles é ruim para dividir quadra, a programação, jogo feminino atrasa. Eles não veem benefício, não sei por quê? Eu espero que o Tiago (Monteiro, tenista e namorado de Bia) veja. Já ouvi gente falar na minha frente. Realmente é o que eles pensam. Mas eu não concordo

Por gente se entende tenistas, staff de tenistas ou público?
Bia - Não, não. Ouvi de tenistas. Falam que mulher é ruim. Eles gostam de comparar que um homem que é 600 do mundo ganha de uma mulher. Pode ganhar, não falo que não ganha. Mas não é para comparar, não tem nada a ver uma coisa com a outra. A genética é diferente, o esporte, a força, a velocidade da bola é diferente. E pode ver que na dupla mista quem faz a diferença é a mulher.

Quem foram os tenistas que falaram isso?
Bia -
 Pior que nem tenho em mente. Sabe... vai almoçar, está todo mundo e falam: aquela menina é muito ruim. E a menina é 30 do mundo. Você escutar isso da boca de um cara que, sei lá, às vezes nem sei o nome das pessoas, mas o cara é top 100.

Bia Haddad Maia e o tio Rolando Boldrin - Reprodução Instagram - Reprodução Instagram
Imagem: Reprodução Instagram

Vamos falar de um assunto mais leve. No teu Instagram há uma foto sua com o Rolando Boldrin. Vocês se conhecem?

Bia - Ele é meu tio. É marido da irmã do meu pai.

E qual o contexto da foto?
Bia -
 Era aniversário dele. E ele canta parabéns sempre tocando violão e a gente canta todo mundo junto. Fizeram o aniversário com tênis de tema porque sabiam que eu ia. Aí tinha uma raquete antiga e eu tirei a foto com ele com a raquete tocando.

Você ouve o quê?
Bia -
 Arlindo Cruz, Martinho da Vila, Seu Jorge, Zeca Pagodinho. Minha playlist de jogo. Escuto Paralamas, Charlie Brown, Armandinho. Mais música brasileira. Gosto de Jack Johnson, Red Hot Chili Peppers. Mas, sei lá, matar saudades de escutar português.

E esta playlist de jogo tocou antes de muito resultado bom teu neste ano. Você acha que você também pode bater qualquer jogadora?
Bia -
 Hoje, eu acho que cada vez mais estou conseguindo acreditar mais em mim, melhorar meu tênis. Eu acho que hoje posso enfrentar qualquer uma. Posso ganhar, posso perder. A carreira do tenista tem muitas derrotas. Também é difícil falar que eu posso ganhar de qualquer uma, mas hoje eu acredito.

Você acreditava na mesma proporção ano passado ano passado?
Bia -
 Não da forma como eu acredito hoje. Eu tinha mais um sonho, mas eu ainda não sentia o que eu sinto hoje. 

E tudo isto numa temporada que começou difícil.
Bia -
 Eu tive uma lesão, acabei fraturando as costas (três vértebras). Eu tive um ano com excelentes resultados e mais por isto eu estar aparecendo mais, conseguindo enfrentar as grandes jogadoras. Foi a primeira temporada que eu estou neste circuito. Eu também sou nova, não conheço nem todos os torneios do ano então tem muita coisa que eu posso melhorar, aprender. Mas foi nesta temporada que me deu um clique, que eu realmente posso estar entre as melhores do mundo.

Como você reagiu a lesão?
Bia - No primeiro momento, eu pensei muito na minha família, nos meus avôs. Meu primeiro medo foi transmitir para eles o que eu ia passar. Eles são médicos, sabiam da gravidade, que eu não ia poder viajar, teria que adiar tudo. E eu já tinha voo comprado, estava tudo comprado, então perdi muita coisa que estava envolvida.
E no segundo momento eu fui super relax porque já era dia 21 de dezembro. Meu, vou passar o Ano-Novo, Natal com a família, me divertir, me alimentar bem para recuperar isto aqui rápido. E em 15 dias eu já não sentia dor e passou muito rápido, nem parece que eu comecei o ano atrasada. Foi um mês e meio que eu perdi, foi super positivo. Com certeza se não tivesse este momento eu não estaria hoje aqui.

Bia Haddad Maia - Karime Xavier/Folhapress - Karime Xavier/Folhapress
Imagem: Karime Xavier/Folhapress

Você sempre fala que não tem uma meta de ranking?
Bia - Este ano eu comecei jogando torneios pequenos e as coisas mudaram muito. Meu objetivo era (ser) 100 e acabei conquistando mais cedo e coloquei novos objetivos. Claro que a gente sempre almeja estar top 50, só que o tênis muda muito de semana. 
Mas é claro que eu tenho objetivo de manter meu nível, estar entre as melhores. Falar em top 50, 40, 30 eu já não sei quanto tempo seria. Eu acredito sim que vai acontecer, mas eu não poderia dizer que vai ser mês que vem, final do ano, ou no outro. Não dá para saber.

E em Grand Slam quão longe você acredita que pode chegar?
Bia -
Num Challenger grande ou até torneio WTA a menina que eu jogo é a mesma. Acaba que eu passar uma ou duas rodadas no Grand Slam é a mesma menina. Eu não tiro o mérito das que jogam torneios pequenos. É que o Grand Slam tem o glamour. Roland Garros, Wimbledon, o charme, lotado de gente. Você acaba se pressionando um pouco mais. Eu tenho claro que eu posso ir longe num Grand Slam.

Há alguns anos os brasileiros depositavam em Thomaz Bellucci a mesma expectativa que têm sobre você. Hoje, ele é bastante criticado nas redes sociais. Como você analisa a situação? 
Bia - Eu acompanho muito. Vejo o que falam nas redes sociais. Em primeiro lugar, dou risada. A pessoa não está querendo melhorar o tênis com aquela crítica. A pessoa critica porque quer ser superior ao Bellucci. Ela xinga e não bota nem a cara, nem o nome. Eu acho que disso a gente tem que dar risada.
Acho que todos os atletas do Brasil passam por ter que ser um Ayrton Senna, ser um Guga. Ídolos que a gente sabe que são fora da curva. Eu falo hoje que meu sonho é ser número 1, mas ao mesmo tempo não tenho controle disso. Por isso não ponho metas de ranking. Sei como é a imprensa. Se daqui um ano ou dois, a Bia queria ser 30, mas ela é 50. Como assim? Ela caiu. E os brasileiros, infelizmente, acham que só o número 1 é bom.

Você chorou após ganhar na estreia de Wimbledon, sua primeira vitória em Grand Slam. Qual o significado daquelas lágrimas?
Bia - 
Foi uma soma de coisas. Primeiro porque foi em Wimbledon, que eu acho o Grand Slam mais lindo. Porque foi na grama e eu posso contar numa mão quantos torneios eu joguei na grama. Depois, eu sempre me lesionei muito e naquele momento eu estava sentindo um pouco de dor. O Paulão (preparador físico) estava junto e me deu força junto com o Germain (técnico). A gente se fechou e falou, vamos vai ser bom.
Eu tinha a chance de jogar com a (Simona) Halep (atual número 1). Muita coisa que passa pela cabeça, cinco meses antes disso eu não podia jogar. Aí acaba a emoção tomando conta. Mas não foi porque eu ganhei uma rodada e o dia mais feliz da minha vida. Mas sei o quanto a gente trabalha duro, o quanto abre mão. Eu me emocionei cumprimentando ela (adversária) e indo na minha equipe porque é deles que eu busco minha energia, eles que estão comigo o ano inteiro. Acho que ninguém sabe os perrengues que a gente passa, o duro que é o circuito. Enfim, muitas coisas que tornam estes jogos especiais. (Na foto abaixo Bia aparece com a roupa do treinador porque a companhia aérea perdeu a mala dela)

Mala atrasa e Bia treina com roupa do técnico - Reprodução Instagram - Reprodução Instagram
Imagem: Reprodução Instagram

Alguma semanas depois você começou 3 a 3 contra a Muguruza e depois a espanhola fez nove games seguidos vencendo por 6/3 e 6/0.
Bia -
 Aquele jogo em especial teve uma hora em que eu perdi o meu padrão. Ela encaixou o jogo e eu não conseguia sair daquela tensão de ‘poxa, o que tá acontecendo?’ Eu saí da quadra e falei ‘graças a Deus acabou este jogo’. Eu não aguentava mais esta sensação que eu estava.

O jogo mexeu contigo em que sentido?
Bia - 
Acho que para o bem. Foi um tapa na cara. Você tem que melhorar isto aqui. Não dá para vacilar no 3 a 3 do primeiro set e custar o jogo inteiro. Isto foi um acorda. Depois eu perdi duas primeiras rodadas que foram resultados de jogos não tão duros. Foi um momento em que eu tive de me superar, me motivar para terminar o ano bem. E eu consegui reverter isso e fazer a final de Seul. Mas este jogo da Muguruza foi importante.