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Brasileiro está na final do Mundial de pôquer. E pode ganhar R$ 23,5 mi

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

17/09/2014 06h00

Se andar pelas ruas de qualquer lugar pelo país, Bruno “Foster” Politano não passará de um desconhecido. Mas no seu “habitat natural”, ele é celebridade. Sentado próximo à entrada em uma casa de pôquer na zona Oeste de São Paulo, o paulista radicado em Fortaleza não tem sossego. Quem passa pede uma foto. Cumprimenta, deseja sorte, chama de campeão. A idolatria tem motivo: ele se colocou entre os 9 melhores jogadores do mundo em 2014 e vai jogar para se tornar o primeiro brasileiro campeão do mundo. E, de quebra, concorre a um prêmio de US$ 10 milhões (R$ 23,45 milhões). 

Este valor representa, simplesmente, o maior pago a um atleta brasileiro de esporte individual por um único evento. Se ele vencer o evento do próximo dia 10 de novembro, é claro. Só de jogar, Foster ganhará US$ 750 mil, caso acabe em último lugar. Ele começa a disputa com o menor número de fichas entre os participantes.

Nascido em Santos, mas criado desde os 7 anos em Fortaleza, cidade em que seu pai apostou para crescer no ramo dos barcos de pesca, Bruno era um garoto fã de futebol que não brincava muito com baralho. No máximo um jogo de buraco com o pai. Há 11 anos, tudo isso mudou.

“Essa é a minha vida. Comecei a jogar como a maioria das pessoas, com feijãozinho, de brincadeira com os amigos, perto de casa. Não jogava nada de cartas, o pôquer foi a única luzinha que acendeu. Tanto que desde que meu amigo me ensinou nesse dia, na casa dele, numas férias, nunca parei de jogar”, conta Foster, com um sotaque nordestino leve, atenuado pelo tanto de tempo que passa em São Paulo. Formado em administração, ele é empresário e tem uma franquia da marca de Couro e Cia na capital paulista.

O que atraiu Foster, de cara, foi perceber que o pôquer não era um jogo de sorte ou azar. “Não depende das cartas, mas de mim. É um jogo de estratégia, de habilidade, de percepção. Comecei a jogar e comecei a ganhar. Quando comecei a ganhar, comecei a estudar. Aos 19 anos eu já importava livros e queria ler tudo, enquanto não entendesse, não parava”, relata ele, sobre o aprendizado de técnicas de estratégia, importantes para o jogo em alto nível.

Os títulos vieram: venceu o Cearense, o Paulista, foi à mesa final do latino-americano, triunfou na etapa dos campeões do Brasileiro... Aos 24 anos foi o momento em que Foster realmente viu que tinha uma segunda profissão. As premiações já se equivaliam ao salário de seu trabalho normal, então valia a pena dar passos mais largos.

O mais largo deles veio este ano, com a classificação à final do maior evento de pôquer do mundo: o WSOP, 10 de novembro, em Las Vegas. É a primeira vez que um brasileiro alcança tal feito. André Akkari (2011) e Alexandre Gomes (2008) foram campeões em torneios do WSOP, mas não do evento principal. Com mais obrigações no esporte, ele passou a pedir mais a ajuda de seu sócio para poder se dedicar tanto ao lado empresarial quanto ao de jogador.

Estratégias malucas

O pôquer é um jogo de estratégia e, mais que as cartas que um competidor tem na mão, são as decisões e táticas usadas contra seus rivais que definem uma vitória. Disciplina e foco: estas características destacam os bons jogadores dos campeões. E uma das chaves da vitória é tirar este segundo elemento, o foco. Vale quase tudo.

O principal, é claro, são as apostas e tudo o que elas causam no jogo, com cada competidor tentando induzir os rivais a pensarem em alguma direção. “Ele está tentando me enganar?”, “por que ele quer que eu pague tanto?”, “agora a mão dele realmente é boa?”.

Mas a tentativa de quebrar os adversários pode ser mais sutil. Em certo momento, Foster pode aparecer de agasalho e capuz e nem está fazendo frio. Ele quer apenas gerar um desconforto nos rivais. Em outro momento, usa fones de ouvido, mas não ouve música, está atendo a tudo o que se fala.

Quebrando os mitos do pôquer

Jogar pôquer é conviver com um preconceito. O primeiro é de que se pode perder caminhões de dinheiro. Isso, diz Foster, é de uma prática bem diferente da de seu mundo, o dos torneios profissionais.

“Se você vai a torneios, você paga inscrição, ganha fichas e se perder, perde para a casa. Não adianta você chegar: ‘ah, tenho muito dinheiro no banco’... Você paga a inscrição e acabou. Tem muito o misticismo de que: ‘ai, vou apostar minha fazenda, minha casa...’. Isso não existe, é coisa de novela, é coisa do pôquer do velho oeste. Hoje não existe, você não ouve falar isso, é um preconceito, não é a realidade do mundo em que vivo, não é o esporte do pôquer”, argumenta ele.

O pôquer foi reconhecido pelo ministério do Esporte como uma modalidade esportiva em janeiro de 2012.

“Depois que foi reconhecido reconhecido, as pessoas começaram a ter conhecimento de que a gente paga imposto, somos regulamentados. Virou profissão. Não é mais aquele negócio de falar baixinho: ‘eu jogo pôquer’. Eu falo: ‘eu jogo pôquer, olha aqui aqui meu imposto de renda’. Caiu o mito, eu fico feliz, por saber que as pessoas começam a entender melhor o esporte e isso vai aumentar se trouxermos esse título.”

No caso dos US$ 10 milhões, Foster já sabe que não poderá embolsar tudo. Como imposto, 27,5% do valor de premiações é retido. Mas ainda sobraria bastante dinheiro. Se a grana for dele, o plano está feito: “vou pegar minha namorada, duas mochilas, o cartão de crédito e sair 30 dias por aí. O lugar ainda não sei, mas vai ser a hora dela.”

A namorada também é sua nutricionista e tem que aguentar sua rotina. “Não é fácil, não, precisa viajar muito e é uma vida que o cara pode debandar fácil: balada, amigos, mulheres... Se não tiver uma estrutura familiar, é complicado. Mas eu não dou trabalho, não”, diverte-se ele, com um sorriso que só vai aumentar se trouxer para o Brasil o título mundial.