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Legado da Copa: trens bilionários atrasam, sucateiam ou nem saíram do papel

Obra do monotrilho do Metrô, em São Paulo, na Avenida Roberto Marinho: conclusão só em 2019. - Diogo Moreira/Frame/Estadão Conteúdo
Obra do monotrilho do Metrô, em São Paulo, na Avenida Roberto Marinho: conclusão só em 2019. Imagem: Diogo Moreira/Frame/Estadão Conteúdo

Aiuri Rebello

Do UOL, em São Paulo

25/01/2017 04h00

Quando foram anunciados por prefeituras, governos estaduais e governo federal, os trens urbanos que seriam parte do chamado legado da Copa tinham cara de solução para parte dos problemas de mobilidade urbana. Ao todo, foram planejados VLTs ou monotrilhos em cinco das 12 cidades-sede do Mundial da Fifa. Todos deveriam estar funcionando antes de a bola rolar em junho de 2014 mas, passados dois anos e meio após o final da Copa, nenhum deles ficou pronto.

O único VLT moderno que opera atualmente em alguma capital no Brasil que recebeu a Copa é o do Rio de Janeiro, planejado para a Olimpíada de 2016 e que foi entregue a tempo dos jogos. Os projetos em Manaus, São Paulo, Fortaleza, Cuiabá e Brasília estão com as obras travadas, atrasadas, canceladas ou mesmo nunca saíram do papel. Vítimas de falta de planejamento e dinheiro, ações judiciais, erros de projeto, denúncias de desvio de verbas e problemas nas desapropriações e licitações, os trens prometidos para a Copa malogram e apenas um deve sair ainda este ano, o de Fortaleza.

Somados, os orçamentos dos cinco trens urbanos chegam a pelo menos R$ 6,5 bilhões. Confira abaixo:

SP suspende mais da metade de obra e o resto, só em 2019

2.out.2014 - O governador e candidato à reeleição, Geraldo Alckmin (PSDB), visita as obras da linha 17-Ouro do metrô, na zona sul de São Paulo. Em pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta-feira, Alckmin mantém vantagem sobre os adversários e ganharia no 1º turno  - Divulgação - Divulgação
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), visita as obras da Linha 17-Ouro durante a campanha eleitoral de 2014: nada pronto até hoje.
Imagem: Divulgação

O novo prazo do governo de São Paulo para entrega de parte da Linha 17-Ouro, inicialmente prevista para antes da Copa de 2014, é em 2019. A previsão, se for cumprida, é que menos da metade do projeto original fique pronto até lá. Em 2010, a expectativa do governo paulista era entregar, até o fim de 2013, uma linha com 17,7 quilômetros de extensão e 18 estações. Agora, estão prometidos 7,7 quilômetros e oito estações, a um custo de R$ 3,5 bilhões.

Em novembro de 2012, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) admitiu que o primeiro trecho da obra só deveria ficar pronto, se ficasse, no final de 2014. Não ficou. Um ano depois, em dezembro de 2015, o governo suspendeu a construção da maior parte da Linha 17-Ouro, empurrou o prazo do que restou para 2018 e, mais recentemente, para 2019. 

De acordo com a assessoria de imprensa do Metrô, "a escolha do estádio de Itaquera para a realização da Copa do Mundo de Futebol fez com que a Linha 17-Ouro fosse retirada da Matriz de Responsabilidade da Copa, em 2012, e o cronograma de implantação, alterado". Quando as obras começaram, no segundo semestre de 2011, problemas na obtenção de licenças ambientais e com as desapropriações, paralisação e abandono de obra pelos consórcios responsáveis e disputas judiciais impediram que os trabalhos fossem finalizados até hoje, afirma o comunicado do Metrô.

O resto do monotrilho inicialmente previsto segue "suspenso até que sejam equacionadas questões referentes às ampliações viárias com a Prefeitura de São Paulo, além das desapropriações necessárias para o prosseguimento destas obras."

Manaus cancela monotrilho e anuncia corredores de ônibus

O capítulo mais recente dessa novela aconteceu no dia 6 de janeiro: o ministro das Cidades, Bruno Araújo, assinou um decreto enterrando de vez o projeto do monotrilho de Manaus, que nunca saiu do papel e era previsto para estar rodando no final de 2013. O decreto cancelou qualquer possibilidade da ideia contar com linhas de crédito especiais do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o que na prática inviabiliza o projeto estimado em R$ 1,3 bilhão.

Já em 2012 o governo do Amazonas jogou a toalha e avisou que a obra não sairia a tempo da Copa, mas falou em entregá-la primeiro em 2015, e depois em 2020. Porém, no ano seguinte, em 2013, a Justiça cancelou a licitação depois que um estudo da CGU (Controladoria Geral da União) mostrou que a obra era inviável. Logo depois da Copa, ainda em 2014, governo do Estado e prefeitura assumiam que o trem podia não mais sair, e falavam em um sistema de VLT ou BRT para substituí-lo.

Sete anos depois do anúncio do monotrilho o novo Plano de Mobilidade, apresentado pelo governo amazonense no ano passado, prevê a construção de corredores de ônibus como solução para o transporte coletivo na capital amazonense. O plano segue em análise sem previsão para início das obras. Procurado pela reportagem, o governo do Amazonas não respondeu.

Governo do Ceará diz que entrega VLT de Fortaleza neste ano

Um trabalho simples do ponto de vista da engenharia que virou uma tarefa difícil. É assim que define a Secretaria de Infraestrutura do governo do Ceará a implantação do VLT de Fortaleza, outra das obras de mobilidade urbana previstas para a Copa do Mundo que não ficou pronta até hoje. O projeto era de uma linha de VLT ligando o terminal Intermodal do Bairro de Parangaba à região portuária e hoteleira do Mucuripe, passando pela rodoviária e pelo aeroporto. A entrega era prevista para junho de 2013.

Nada saiu como o esperado. O governador do Estado rompeu em junho de 2014 o contrato com o Consórcio CPE-VLT Fortaleza, responsável pela execução da obra. A decisão foi anunciada após sucessivas notificações de atraso feitas pela Secretaria de Infraestrutura às empresas. Em maio do mesmo ano, a pasta estadual tinha admitido que a obra não ficaria pronta até a Copa do Mundo. Duas outras licitações foram abertas e fracassaram, uma por questões técnicas e a outras porque não apareceram empresas interessadas.

Atualmente, após a realização de três novas licitações e divisão do projeto em trechos, a obra foi retomada em meados de 2015, está cerca de 60% executada e deve ter os primeiros trechos entregues neste semestre. De um total previsto de R$ 284,6 milhões, o projeto consumiu R$ 120 milhões até este início de ano. De acordo com a secretaria de Infraestrutura o VLT, quando finalmente estiver funcionando, vai atender 90 mil passageiros por dia.

VLT de Cuiabá será retomado, mas sem prazo para sair

Em junho de 2011, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso aprovou a construção de uma linha de VLT, de custo então previsto de mais de R$ 1 bilhão, na capital Cuiabá. A obra foi incluída no plano de mobilidade urbana da cidade para a Copa do Mundo de 2014, contrariando a opinião unânime de técnicos em engenharia, que eram favoráveis à construção de um sistema de corredores de ônibus na cidade (por metade do preço da linha do VLT), que era o que estava incluído no plano original para a Copa na cidade.

Em meio a denúncias de corrupção e problemas de execução nas obras, o sistema de transporte não ficou pronto a tempo do Mundial de futebol. Até hoje, a capital de Mato Grosso é cortada por linhas inacabadas do VLT, cuja construção alcançou a marca de 33% de conclusão, está parada desde o final de 2014 e já consumiu cerca de R$ 1 bilhão dos cofres estaduais.

Agora, o governo de Pedro Taques (PSDB) informa que chegou a um acordo com o consórcio construtor e espera a homologação do termo na Justiça para reiniciar as obras. Quando isso acontecer os trabalhos devem levar pelo menos mais dois anos, informa a secretaria de Infraestrutura e Logística do MT. O governo não confirma o valor, mas quando a obra foi paralisada pela Justiça o consórcio responsável dizia que precisava de mais R$ 1,2 bilhão para terminar o serviço.

VLT em Brasília teve parte aproveitada em viaduto e segue indefinido

O VLT de Brasília foi o primeiro dos trens urbanos previstos para a Copa do Mundo de 2014 que teve a inauguração a tempo do mundial de futebol da Fifa cancelada, em setembro de 2012. O sistema deveria ligar o aeroporto ao terminal de ônibus da Asa Sul e custaria R$ 276 milhões.

O processo licitatório realizado pelo Governo do Distrito Federal foi concluído em 2010. No início do ano seguinte, já havia liminar na Justiça paralisando os trabalhos. Em abril de 2011, a Justiça determinou a anulação do contrato da obra e a realização de uma nova licitação. É que houve fraude no processo, que teria sido feito, de acordo com a Justiça, para beneficiar empresas ligadas a José Gaspar de Souza, então presidente do Metrô do DF.

Com as obras largadas pelo caminho, o governo do DF anunciou que redesenharia o projeto, retomaria as obras no ano passado (o que não aconteceu) e entregaria o VLT em 2018. Em dezembro de 2015, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) e o então ministro das Cidades, Gilberto Kassab (hoje ministro da pasta de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), assinaram acordo para realizar estudos e projetos para ressuscitar o projeto, mas nada foi anunciado até agora.

Procurado pela reportagem para explicar a quantas anda este imbróglio, o governo do DF não respondeu. Enquanto isso estruturas elevadas, construídas inicialmente para o VLT, foram aproveitadas na construção de um viaduto na capital federal.