Como é subir um dos prédios mais altos do Brasil correndo pelas escadas
Eu achava que não existia ser humano no planeta que treina para corridas em escadas. Graças ao jornalismo, descobri que há vários e muitos deles estavam no centro de São Paulo neste domingo. Éramos 251 pessoas dispostas a subir os 26 andares do Farol Santander, prédio que durante décadas foi mais altos do Brasil, no menor tempo possível.
O prédio em art decó tem 161 metros de lindeza, mas antes da largada ninguém presta muita atenção nestas coisas. As conversas dos outros participantes reverberavam meus pensamentos: como será que vai ser correr 578 degraus?
Não conheço ninguém no local, mas todos têm aquele jeitão de corredores. Coxas riscadas por centenas de quilômetros percorridos e muito agachamento. Também parece que eles possuem uma válvula no dedão do pé e alguém bombeou ar para deixar as panturrilhas tão redondinhas.
Minha bateria é chamada e um cara faz alongamentos acrobáticos. Depois, deita no chão com os olhos fechados como quem busca um estágio supremo de concentração. Acho exagerado. Parece um piloto de Fórmula 1 sentado no cockpit antes da largada.
Depois, descubro que ele é ultramaratonista. Mero jornalista que foi escalado para fazer a matéria porque está treinando para São Silvestre, penso que sou um peixe fora d'água. Ligam o microfone.
Como vivi a prova
Briefing: "Poupem fôlego que o prédio é alto. As largadas são em duplas com intervalos entre vocês. A batalha é contra o relógio, não com a pessoa que larga ao seu lado".
Mas quem tem o bichinho da competição na alma quer chegar antes. Superar o cara com traços orientais que estava ao meu lado seria o primeiro passo para um tempo e uma posição de respeito.
Largada: Vou sair queimando e já deixo o "rival" para trás. Se eu cansar e ele chegar perto, faço das tripas pulmão para ficar a frente.
1º andar: Abri uns três metros. Agora concentra nos degraus. Aproveita o corrimão à direita, as curvas são para este lado, para dar impulso com o braço e poupar as pernas.
3º andar: Para de contar os andares e se concentra na execução. Cada passo está vencendo três degraus, mantém isso aí.
7º andar: Copo meio cheio. Já passei as duas pessoas que largaram antes e nem sinal do cidadão que começou a corrida ao meu lado. A respiração tá começando a faltar e ainda nem cheguei a um terço da prova. Alerta amarelo.
10º andar: O moço gritou que era o décimo andar (havia uma pessoa da organização em cada andar). Eu estava muito preocupado procurando ar e não sabia quanto faltava para acabar. Descubro que está muito cedo para começar a fazer das tripas pulmão.
15º andar: "Força, força, força", incentiva a mocinha da organização. Palavras bonitas, mas não têm mais como insistir em três degraus por vez. Vai ser de dois em dois de agora em diante.
17º andar: As pernas cansaram e fiz tanta força com o braço direito puxando o corrimão que ele cansou. Vou pelo outro lado um pouco. Mas fazer de degrau em degrau nem pensar.
20º andar: "Não desiste", grita o moço da organização. Diminuir a amplitude da passada fez as pernas melhorarem. Programo um sprint para os três últimos andares.
23º andar: Pernas pra que te quero. Bora correr.
25º andar: Olho a frente e o último lance de escada é mais que duplo. Parece que tem o triplo de degraus. Socorro. Cabeça vira uma metralhadora de palavrões mentais.
26º andar: A chegada está ali..."beep". Tempo registrado. Minhas pernas gritavam "acabôôôô, acabôôôô", igual Galvão Bueno em 1994.
A tentação de sentar em uma daquelas cadeiras estofadas e macias era enorme. Mas ensinaram que a gente precisa caminhar um pouco por causa da desaceleração do coração. Enquanto fazia isso, eu olhava para o chão porque a impressão era de que o pulmão havia saltado pela boca.
Lembrei de travar o cronômetro do relógio e vi que passava dos seis minutos. Minha cabeça ficou imaginando qual seria meu tempo, meu corpo, concentrado em beber um copão de água gelada. Depois, fui ao mirante ver a vista de São Paulo e um bando de gente tirava fotos que enfeitaram seus perfis no Instagram.
Sento e penso na subida. A corrida realmente é legal pelo inusitado. A prova fecha o circuito Santander Track&Field de 2018 e me rendeu uma "medalhinha". Ela ficará na redação junto à de primeiro lugar do campeonato de pebolim do UOL Esporte. Mais tarde, meu celular apita, chegou meu tempo: 4min45s - o vencedor geral fez em 2min54s. Fui o 32º no quadro geral e 2º na minha bateria. Nada mal para um estreante. :)
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.