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Pan 2019

O atleta que fugiu de guerra e aprendeu português com música sertaneja

Serafim Veli, atleta do levantamento de peso - Washington Alves/CBLP
Serafim Veli, atleta do levantamento de peso Imagem: Washington Alves/CBLP

Rubens Lisboa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

23/07/2019 06h23

Uma violenta guerra civil estourou na Albânia em 1997 e deixou milhares de mortos, além de fazer outros milhares de refugiados em países vizinhos. Entre os que decidiram deixar o país para tentar a vida em outro lugar estava a família de Serafim Veli, atleta que defenderá o Brasil no levantamento de peso nos Jogos Pan-Americanos de Lima.

Aos 11 anos, Serafim se mudou para a Grécia junto aos pais e as três irmãs depois que a mãe quase foi atingida por uma bala do lado de fora da casa onde moravam. Com parentes morando no país vizinho, eles não viram outra alternativa que não fosse vender o comércio da família e sair em busca de uma vida mais tranquila.

"Era muito violento, muito perigoso. Um dia, minha mãe estava lavando louça no quintal e na hora que ela tirou a cabeça, uma bala caiu no meio do prato. No dia seguinte, ela e meu pai foram na embaixada grega em Tirana, na capital da Albânia, conseguiram o visto. Depois de um mês, minha mãe, eu e minhas irmãs fomos para a Grécia. Meu pai veio depois de seis meses. A gente tinha uma loja lá, ele fechou e vendeu tudo para ficar com a gente", lembra o atleta.

A mudança foi fundamental para o início de Serafim e suas irmãs no esporte. Para não deixar os filhos sozinhos em casa depois da escola, o pai, Kastriot, que havia sido atleta do levantamento de peso, os matriculou em uma academia. As crianças ficavam lá até ele sair do trabalho para retornar à casa onde passaram a morar.

Serafim e a irmã mais nova, Evangelia, foram os que tiveram sucesso no levantamento de peso e decidiram competir pela Albânia. Ele obteve um terceiro lugar no Campeonato Europeu sub-23 em 2009, mas se desanimou dois anos depois devido a uma lesão.

Sem competir, passou a trabalhar em jornada dupla. Durante o dia, ajudava treinadores em academias e durante a noite atuava em bares e restaurantes como barman. Foi então que conheceu em 2014 a agente de turismo brasileira Aline. No ano seguinte, decidiu vir ao Brasil com ela, e não quis mais voltar para a Europa. Sem falar português, ficava boa parte do dia sozinho em casa, na cidade paranaense de Londrina.

Serafim Veli - Rafael Bello/COB - Rafael Bello/COB
Serafim Veli defenderá o Brasil no levantamento de peso
Imagem: Rafael Bello/COB

"Ela trabalhava e na parte da manhã eu ficava em casa, aí comecei a procurar para fazer alguma coisa e perto de casa tinha uma academia de crossfit. Conversei com o dono para ver se conseguia treinar um pouco só para manter a saúde. Comecei a treinar do zero, estava cada vez gostando mais e começou de novo um desejo de parasita, como a gente chama. Os atletas têm isso", conta Serafim.

Com a ajuda da mulher, procurou se informar como poderia disputar competições de levantamento de peso. Disputou sua primeira competição em 2016 e se sagrou campeão paranaense, campeão sul-brasileiro e recordista. E então decidiu procurar a naturalização para poder competir pelo Brasil.

A vontade de disputar competições internacionais só aumentou depois que ele pôde acompanhar sua irmã, que competiu defendendo a Albânia nos Jogos Olímpicos do Rio e terminou na oitava posição no levantamento de peso na categoria até 53 kg.

"Eu me emocionei muito. Quando acabou a competição dela, a gente entrou na vila olímpica. Ficamos lá um dia inteiro e nesse momento eu senti uma vontade grande de fechar minha carreira, porque tenho 33 anos, participando dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Falei para ela que vou tentar de tudo para conseguir essa vaga", lembra o atleta.

A naturalização de Serafim Veli saiu em 2017 e no ano seguinte ele teve duas diferentes emoções: o terceiro lugar competindo pelo Brasil no Campeonato Pan-Americano de levantamento de peso e o nascimento do filho Bruno. Na adaptação ao Brasil, aprendeu a falar português ouvindo música sertaneja.

"Estávamos eu e minha esposa, ela estava dormindo no carro e eu dirigindo. No rádio estava tocando música sertaneja e quando ela acordou eu perguntava o que significava. Aí depois eu escutava música sertaneja e também no jornal, foi assim que aprendi português", revela.

"Me adaptei muito rápido, gostei muito da comida, feijoada principalmente. Os lugares aqui são muito lindos, a praia. O que me chamou muito a atenção foi o carinho das pessoas que abraçam os estrangeiros. Posso dizer que não me sinto estrangeiro no Brasil, eu me sinto brasileiro", completa o pesista.

Ele gostou tanto que nem cogita retornar ao país de origem para morar, mesmo com a Albânia já tendo superado a guerra civil. Depois de competir nos Jogos Pan-Americanos e no Campeonato Mundial, que são importantes na busca pela vaga olímpica, ele pretende visitar sua terra-natal apenas para apresentar seu filho aos avós.

O sentimento por representar um país que não é o mesmo onde nasceu não é algo que incomode Serafim. Depois que parar de competir, ele pretende formar atletas em um centro de treinamento na cidade de Santo André, onde mora.

"Desde o começo, deixei meu país, saí da escola, toda a minha educação foi da Grécia. Eu me sinto orgulhoso de competir pelo Brasil, eu subo no pódio com a bandeira do Brasil e me sinto muito orgulhoso", declara o atleta, que se mostra confiante para o Pan.

"Estou treinando bem e posso falar que eu vou trazer uma medalha para o Brasil. A cor a gente ainda não sabe, temos que ver os adversários lá no momento da competição, mas podemos falar de uma medalha. Eu não gosto de perder, sempre quero ganhar".