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Pan 2019

Presidente condenado e lições com judô: como taekwondo virou potência

Milena Titoneli comemora ouro inédito para uma brasileira no taekwondo - Washington Alves/COB
Milena Titoneli comemora ouro inédito para uma brasileira no taekwondo Imagem: Washington Alves/COB

Demétrio Vecchioli

Do UOL, em Lima (Peru)

30/07/2019 01h30

Às vésperas de ganhar a medalha de bronze na Olimpíada do Rio, Maicon Andrade treinava por Whatsapp. Boicotados pela Confederação Brasileira de Taekwondo (CBTKD) e impedidos de terem contato com seu atleta, os irmãos Clayton e Reginaldo dos Santos enviaram todos os dias uma planilha de treinos pelo celular. No dia da conquista, davam as orientações desde as arquibancadas. Os técnicos estavam lá porque haviam comprado ingresso.

Isso foi há três anos. Desde então, tudo mudou. Os irmãos da academia Two Brothers, de São Caetano do Sul (SP), não são mais técnicos de Maicon, mas em 2018 passaram a comandar a seleção brasileira, com as portas abertas para outros treinadores. Juntos com Diego Ribeiro, que trabalha com Iris Tang, passaram a formar uma nova comissão técnica. De lá para cá são cinco medalhas no Campeonato Mundial e sete nos Jogos Pan-Americanos. Nos dois casos, a melhor campanha da história, de longe.

"A gente está na seleção faz pouco tempo e nesse pouco tempo nosso objetivo era mudar a mentalidade dos atletas brasileiros, mostrar para eles que é possível. O pouquinho que a gente colocou já está tendo resultado. Antes os atletas vinham para o campeonato e se contentavam com o bronze, com a prata. Aos poucos estamos mudando essa realidade", diz Clayton.

No Pan, ele e Diego foram os treinadores que orientaram os lutadores brasileiros na beira da área de combate para que sete medalhas fossem conquistadas. Reginaldo não foi convocado, mas estava nas arquibancadas todos os dias. Dessa vez, como espião. Sentado atrás do técnico rival, pescava as dicas dadas ao adversário e repassava aos brasileiros.

Eles são parte de uma engrenagem que está levando o taekwondo brasileiro a feitos que antes pareciam inimagináveis.

Netinho na final do Pan - Jonne Roriz/COB - Jonne Roriz/COB
A seleção do taekwondo, do promissor Netinho, é administrada por funcionária do COB
Imagem: Jonne Roriz/COB

Só política

Em março do ano passado, Carlos Fernandes se tornou o primeiro dirigente do esporte olímpico brasileiro condenado pela Justiça comum por crimes cometidos à frente de uma confederação. Recebeu, em primeira instância, pena de seis anos e quatro meses pelos crimes de estelionato e fraude a licitação, tudo por irregularidades na gestão de convênios com o governo federal.

Em 2017, o então técnico Júnior Maciel, responsável pela formação do talentoso Venilton Teixeira no Amapá, havia sido eleito presidente da CBTKD, encerrando anos de uma disputa política entre Fernandes (primeiro presidente brasileiro da confederação) e os imigrantes sul-coreanos que sempre mandaram no taekwondo brasileiro. "Antes era só política. Hoje política faz parte, mas eles cobram muito na performance no treinamento. Hoje tá caminhando e tem tudo para melhorar", avalia Clayton.

Júnior, porém, tem pouquíssima autonomia de gestão. Desde que assumiu a confederação, em dívidas com o COB e com o governo federal, não pode receber recursos públicos. O comitê passou a exercer uma intervenção branca na confederação. São funcionários do COB que fazem contratações, assinam cheques e se responsabilizam pela gestão do taekwondo no Brasil.

"Em agosto nós vamos voltar a poder receber dinheiro. Estamos regularizando a situação, e está para sair os documentos. Os resultados estão aí: recorde de medalhas, primeiro ouro feminino", comemorou Júnior.

Fator Falavigna

Falavigna em Pequim-2008 - Rio 2016/Fernando Soutello - Rio 2016/Fernando Soutello
Falavigna volta a contribuir por medalhas do taekwondo
Imagem: Rio 2016/Fernando Soutello

Primeira medalhista olímpica do taekwondo, Natália Falavigna tem só 35 anos e ainda poderia estar lutando. Mas seu prazer hoje é outro. "Se eu emito uma passagem e dá certo, eu comemoro. Se eu emito dez passagens, eu digo: 'Pô, hoje eu consegui deeez passagens!'. Isso para mim é um negócio. Eu tenho que cuidar disso. Fico feliz de economizar um real, dois reais..."

Clayton, que não é muito mais velho (tem 38 e, seu irmão, 40), foi treinador de Falavigna durante boa parte da carreira dela. E diz que nunca viu ninguém tão determinada, concentrada. Uma máquina de entregar resultados. "É uma guerra. Hoje eu gosto muito do que eu faço. É um desafio, mas é um prazer ver que o treinador, o atleta, só precisa entrar lá e fazer o melhor dele", disse a ex-atleta.

Nos bastidores do esporte brasileiro, Natália é comparada a outro dirigente que faz trabalho muito parecido: Ney Wilson, do judô. Não é coincidência. "Eu aprendi muito com o judô. Quando foi me dada a responsabilidade de fazer esse trabalho, a primeira coisa que eu fiz foi ligar e pedir para colar no Ney. Passei três dias no treinamento do judô. Fiquei do lado dele, para onde ele ia e eu ia atrás, para realmente tentar aprender. Muitas coisas que a gente tem colocada a gente usa o judô como referência por tudo que fez, pela consistência, pela forma que eles trabalham, a clareza, como o judô trabalha."

Natália, Júnior, Diego, Reginaldo, Clayton, são todos parte de uma engrenagem, que está rendendo. "A gente começou um trabalho em conjunto, que começa no Junior e vai descendo. Eles me dão liberdade para trabalhar e eu dou liberdade para os técnicos da seleção mostrarem o caminho. Os técnicos têm contato com os treinadores pessoais e conversam com os treinadores pessoas. Essa corrente vai funcionando", disse a medalhista olímpica.