Topo

Pan 2019

Natação chega ao Pan com confederação em 'pré-falência', diz órgão do COB

Demétrio Vecchioli

Do UOL, em Lima (Peru)

05/08/2019 17h06

Na véspera da estreia da natação nos Jogos Pan-Americanos, o Comitê de Ética do Comitê Olímpico do Brasil (COB) jogou mais lenha na fogueira da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA). Em decisão publicada nesta segunda-feira (5), recomendou que o comitê "avalie e delibere acerca da conveniência no encerramento do custeio indireto da CBDA" e que "fiscalize as práticas administrativas e financeiras da entidade previamente à utilização de seus próprios recursos no custeio das atividades aquáticas". Para o Comitê de Ética, a CBDA está em "pré-falência". Por isso, recomenda que a confederação, entre outras medidas administrativas e de compliance, convoque novas eleições.

A decisão cai como uma bomba sobre uma comunidade que tem atuado quase que na clandestinidade. Não há qualquer informação oficial sobre o fechamento de sua sede, o site não é mais atualizado e a antiga assessoria de imprensa parou de responder a contato de jornalistas. O presidente Miguel Cagnoni não atende ligações e, na única vez que falou com a imprensa, disse à revista "Veja" que estava afastado do cargo, informação negada pelo diretor jurídico e por diversas outras fontes. Ninguém sabe quem comanda a confederação. No Mundial da Coreia do Sul, nadadores se sentiram completamente abandonados.

Na semana passada, um grupo de presidentes de federações se reuniu para exigir o afastamento de Cagnoni, mas saiu do encontro com uma carta de apoio e um novo "comitê de crise' para gerir a entidade. Os atletas não foram chamados a participar. A comissão de atletas da CBDA, afinal, está desde janeiro sem presidente e ninguém se ofereceu para assumir o posto.

O Comitê de Ética do COB foi acionado em representações da Comissão de Atletas do COB e de Renato Cordani, ex-diretor e maior fiador político da candidatura de Miguel Cagnoni à presidência da CBDA. Como contou o Olhar Olímpico, ele deixou o cargo acusando a administração de não ser transparente, escondendo informações até dele.

Desde então corre um processo ético no Comitê de Ética, que só agora relevou detalhes do processo, que alegava "falta de transparência na elaboração do orçamento da CBDA", "centralização de poder na administração da CBDA" e "ausência de princípios de governança na gestão financeira da CBDA", entre outras coisas. O Olhar Olímpico noticiou que, no ano passado, a confederação perdeu R$ 1 milhão porque deixou de enviar um documento no prazo para o Ministério do Esporte.

Cordani renunciou ao cargo depois de descobrir que a nova identidade visual da confederação havia sido contratada junto ao genro da então diretora administrativa Ana Paula Alves, que acompanha o presidente da CBDA desde sua gestão na Federação Paulista. Ao questionar Cagnoni, recebeu como resposta que "essa resposta eu não vou dar". A confederação depois chegou a anunciar a saída de Ana Paula para a contratação de um CEO, Leonardo Castro, mas este ficou um mês na confederação, saiu reclamando que não tinha poder e ela continuava lá. Não existem documentos públicos que atestem se ela segue na confederação ou não.

Procurada pelo Comitê de Ética do COB, Ana Paula não prestou esclarecimentos. "Este Conselho lamenta profundamente seu absoluto desinteresse pela tramitação do processo e sua recusa em colaborar com a apuração dos fatos objeto das Representações. A ela foi oferecido pelo Conselho as alternativas de ser ouvida por áudio ou vídeo-conferência. Todas as opções foram rechaçadas pela testemunha. Durante a tramitação do caso, restou absolutamente claro que a Ana Paula Alves exercia funções importantíssimas na administração e na vida financeira da CBDA, concentrando em si muitos poderes e atribuições", reclamou o Conselho, na decisão publicada nesta segunda.

O conselho também apontou que "existe um acentuado grau de desorganização administrativa e financeira na CBDA, que indica iminência de caos a afetar sobremaneira as modalidades esportivas que se vinculam a ela". O órgão vai além: "Observa-se um status de pré-falência da entidade. Conforme o Conselho pôde observar, não fosse o COB ter assumido para si todas as representações internacionais da entidade e, também, o ônus organizacional de algumas de suas principais competições no Brasil, as modalidades aquáticas já teriam sucumbido e seus atletas estariam totalmente à mercê de sua própria sorte."

A CBDA perdeu o patrocínio dos Correios e chegou a anunciar a renovação, que nunca foi assinada. Recentemente a estatal aplicou multa de R$ 2 milhões por descumprimento de cláusulas legais, com dinheiro que deveria ser destinado ao esporte sendo aplicado na administração da entidade. A CBDA já foi procurada pelo UOL Esporte, mas nunca respondeu qualquer contato.

Para o comitê, "não restou evidenciado nos autos que Ana Paula possua competência e qualificação profissional para atuar, de fato, como diretora administrativa e financeira ou até mesmo 'CEO' da CBDA". Apesar da crise financeira, a CBDA pagava para ela e Miguel se deslocarem semanalmente de São Paulo para o Rio. Além disso, a confederação contratou um motorista pessoal para o presidente, que chegou ao cargo criticando os gastos da gestão Coaracy Nunes.

Para não restar dúvidas, o comitê de ética fez questão de apontar que já não é possível culpar só Coaracy pela crise dos esportes aquáticos. "Não é possível argumentar que os gravíssimos problemas administrativos e financeiros enfrentados pela CBDA, com reflexos diretos e imediatos na parte esportiva, são apenas em decorrência da gestão anterior desastrosa. O que se nota é que a atual gestão não conseguiu, até hoje, promover medidas concretas e, sobretudo, práticas, para corrigir o passado e avançar para um futuro de equilíbrio. Pelo contrário, percebe-se uma estagnação da CBDA. Além disso, repise-se, não fosse a ajuda crucial do COB, a CBDA não teria sequer condições de cumprir com seus objetivos mais básicos, quais sejam, realizar importantes provas das modalidades aquáticas e enviar representações para o exterior."

Antes de Miguel ser eleito presidente da CBDA, o blog Olhar Olímpico mostrou indícios de uma série de irregularidades na gestão dele à frente da Federação Aquática Paulista (FAP). Pela mesma série de reportagens, a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) e a Federação Paulista de Atletismo (FPA) destituíram seus presidentes.