Manuel Sérgio, o guru dos técnicos portugueses

Lisboa, 23 Mai 2017 (AFP) - Existe um ponto em comum entre o recém-campeão francês com o Monaco, Leonardo Jardim, o badalado José Mourinho e outros técnicos de sucesso em Portugal, como Rui Vitória e Jorge Jesus: a influência de Manuel Sérgio, velho sábio que enxerga o futebol como uma "ciência humana".

Aos 84 anos, seus gestos se tornaram mais lentos e espaçados, mas seu olhar continua cativante, prova de um espírito que conservou todo seu vigor.

Atrás de seus óculos redondos e sua simplicidade, esse torcedor do Belenenses, terceiro maior clube de Lisboa, ainda não entende a admiração que muitos têm por ele.

Em final de março, uma homenagem nacional no Parlamento, a primeira deste tipo em Portugal para uma pessoa associada ao esporte, lhe foi rendida.

Este reconhecimento deve-se ao trabalho de Manuel Sérgio sobre a motricidade humana, a ciência que ele inventou. Sentado em meio aos seus livros, num grande hotel lisboeta, ele garante "nunca ter ensinado sobre futebol", mas saber resumir seus princípios.

- 'O homem por trás do jogador' - "O futebol é uma ciência humana, é o homem que está no centro de tudo", explicou à AFP. "Quem só conhece a tática ou a técnica nunca será um grande treinador. É preciso conhecimento sobre outras áreas que fazem salientar o homem por trás do jogador, como a psicologia ou a filosofia".

Quem melhor compreendeu esse raciocínio foi José Mourinho, seu "talentoso" aluno na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, em 1982, e que tentará conquistar um novo título europeu nesta quarta-feira, quando comandará o Manchester United contra o Ajax, na final da Liga Europa.

Durante a homenagem a Manuel Sergio, em sala lotada no Senado, choviam elogios na tribuna para aquele que, na vida, foi funcionário da marinha portuguesa, professor, filósofo e deputado.

"No Sporting, temos um grande respeito pelos trabalhos de Manuel Sérgio. Eles permitiram uma abordagem científica dentro de nosso clube", afirmou Aurélio Pereira, diretor do centro de formação da equipe lisboeta, responsável por revelar nomes como Cristiano Ronaldo.

Hoje, todo o futebol português, dos ex-alunos, como José Mourinho, a outros técnicos que nunca frequentaram suas salas de aulas, como Leonardo Jardim, elogia a filosofia de Manuel Sérgio.

- 'Zé mané' -No passado, Manuel Sérgio precisou superar duras críticas. Após clamar em suas primeiras obras, no fim dos anos 70, por "uma revolução na maneira de abordar o esporte em Portugal", ele deu de cara com uma forte hostilidade no futebol.

"Me tratavam como um 'zé mané', como um iluminado, me lembrou Galileu", lembrou o experiente senhor à AFP.

"Na época, no futebol, os jogadores passavam horas correndo na praia ou na floresta. No entanto, ninguém achava que poderia se tornar um músico melhor se passasse uma hora correndo em volta de um piano", continuou.

A oportunidade veio finalmente com José Maria Pedroto. Cético no início, ele se tornou o primeiro técnico a aplicar os conceitos de Manuel Sérgio, o que lhe permitiu, no comando do FC Porto, acabar com a hegemonia dos clubes de Lisboa a partir da temporada 1977-1978.

"Através de Pedroto houve uma revolução científica na abordagem do futebol de Portugal. O novo Porto, conquistador, nasceu assim", julgou Manuel Sérgio.

Esta notoriedade permitiu a Manuel Sérgio criar a Faculdade de Motricidade Humana na Universidade Técnica de Lisboa e de escrever mais de 40 livros explicando suas teorias sobre o esporte.

Hoje, Manuel Sérgio não se arrepende de ter desobedecido à mãe, que queria que fosse padre, e ao pai, que imaginava o filho como banqueiro, e se mostra muito orgulhoso por participar do "abrilhantamento de um país tão pequeno no exterior".

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