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Julgamento Fifa: testemunha descreve rede de corrupção envolvendo cartolas da Conmebol

14/11/2017 23h05

Nova York, 15 Nov 2017 (AFP) - Como reis, os poderosos cartolas do futebol como o argentino Julio Grondona e o brasileiro Ricardo Teixeira chegavam à Conmebol em jatinho privado, tinham vários Mercedes Benz à espera e não passavam por alfândega e zonas de imigração.

Com a ajuda de empresas esportivas regionais e americanas, além de bancos suíços que inventavam acordos de serviços falsos, a então cúpula da Conmebol embolsou milhões de dólares em subornos em troca de contratos, relatou um empresário esportivo argentino ao tribunal que julga o mega escândalo de corrupção da Fifa.

Alejandro Burzaco, ex-presidente da empresa "Torneos y Competencias" (TyC) e um dos 42 acusados do Fifa-gate, foi interrogado pelo procurador Sam Nitze como testemunha do governo. no julgamento de três poderosos cartolas do futebol sul-americano que insistem em suas inocências.

Tratam-se do ex-presidente da Conmebol, Juan Ángel Napout, o ex-presidente da CBF, José Maria Marín, e o ex-presidente do futebol peruano, Manuel Burga.

Burzaco, que prometeu devolver 21 milhões de dólares para reduzir sua sentença, olhou nos olhos e identificou os três ex-companheiros de congressos e festas da Conmebol e da Fifa. O julgamento da corte federal do Brooklyn está no início e deve durar entre cinco e seis semanas.

- Subornos habituais -"As propinas eram algo habitual", contou. Entre 2006 e 2015 a TyC tinha vários sócios como Fox Sports EUA, o grupo mexicano Televisa, a TV Globo, a espanhola MediaPro, e as argentinas Full Play e grupo Clarín.

Questionado por Nitze sobre quais delas pagavam subornos em troca de contratos de televisão e marketing de torneios nacionais e regionais, respondeu: "que eu saiba todas as companhias, com exceção do Clarín".

Nenhuma destas empresas foi acusada pelo governo americano, que tem três empresas na mira: TyC, a brasileira Traffic e sua filial Traffic Sports USA.

Burzaco disse que pagou propina a Julio Grondona, poderoso chefe de futebol da Argentina e vice-presidente da Fifa até sua morte em julho de 2014, em troca da extensão de contratos da Copa Libertadores, Copa Sul-americana, amistosos da seleção argentina e jogos das Copas do Mundo de 2018, 2022, 2026 e 2030.

Datista - parceria comercial entre Full Play, Traffic Brasil e TyC- também pagou subornos a Grandona por contratos da Copa América entre 2015 e 2023, afirmou.

A Conmebol rescindiu contrato com Datisa, pelos direitos de TV da Copa América de 2019 e 2023, na última quinta-feira, depois de saber das confissões de corrupção, segundo comunicado publicado pelo organismo naquele dia.

Em seu depoimento, Burzaco disse que por contratos de Libertadores desde 2006, T&T, - fusão entre TyC e Fox Panamerican Sports, que aumentou participação na companhia para 75%- pagou 600.000 dólares em propinas anuais ao paraguaio Nicolás Leoz, então presidente da Conmebol. O valor subiu para um milhão por ano no final da primeira década dos anos 2000.

Julio Grondona, de quem Burzaco era braço direito, recebia 600.000 dólares e o valor subiu aos 1,2 milhões a partir de 2012.

Já Ricardo Teixeira recebia 600.000 dólares anuais, assim como o argentino Eduardo Deluca, o boliviano Romer Osuna e o uruguaio Eugenio Figueredo, segundo Burzaco. O delator fez questão de garantir que Fox Panamerican Sports e Fox Sports estavam cientes.

Pagando as propinas, T&T ganhava "uma extensão dos contratos até 2018 e evitava potencial concorrência", segundo Burzaco. Com a ampliação, a Fox Sports estendeu sua distribuição nos Estados Unidos e no sul da Argentina por mais quatro anos.

Em outro trecho do depoimento, Burzaco revelou que Ricardo Teixeira, Grondona e Nicolas Leoz votaram como membros do Comitê Executivo da Fifa, em dezembro de 2010, a favor da Copa do Mundo no Catar-2022, em troca de subornos de mais de um milhão de dólares.

Segundo Burzaco, durante a votação Leoz foi ao banheiro e como o Catar não atingia os votos necessários, Teixeira e Grondona decidiram lhe buscar. "O que você está fazendo? Porque não está lá votando com o Catar?!" - questionaram os dois.

Leoz voltou para a sala e na rodada seguinte o Catar foi eleito sede da Copa do Mundo de 2022.

- Contrato falso -Também contou que existiu uma propina especial de 3,7 milhões de dólares para a extensão dos direitos da Copa Sul-americana de 2015 a 2018, pagos por meio de contrato falso de renegociação de direitos com a empresa Somerton, propriedade do brasileiro José Margulies.

O contrato de 2008 está assinado, entre outras pessoas, por James Ganley, responsável pela Fox Panamerican Sports, uma das principais redes de televisão esportiva do mundo e sócia da T&T.

O procurador Sam Nitze mostrou o contrato entre T&T e Somerton ao juri, mas Burzaco disse que "o contrato não era real", e sim de fachada para pagar os subornos de Leoz, Grondona, Figueredo, Osuna e Deluca.

Quando Napout e o brasileiro Marco Polo del Nero substituíram Leoz e Teixeira na Conmebol, Burzaco indicou que os dois estavam cientes do esquema de corrupção.

À exceção do falecido Grondona, todos os hierarcas são acusados no mega dossiê Fifa.

A TyC é uma das empresas acusadas no mega-escândalo da Fifa, mas tem acordo com o governo para adiar seu processo.