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Fifagate: Ex-chefes do futebol sul-americano sempre queriam mais

04/12/2017 20h34

Nova York, 4 dez 2017 (AFP) - "Era muito difícil fazer algo sem pagar propina": o testemunho à justiça americana do ex-jornalista da TV Globo José Hawilla, que se transformou em empresário de sucesso, relatou nesta segunda-feira como pagamentos ilegais durante décadas engordaram os bolsos de insaciáveis ex-dirigentes do futebol sul-americano.

José Hawilla, ex-presidente da Traffic, que possuía os direitos de televisão da Copa América e da Copa Libertadores, se declarou culpado em 12 de dezembro de 2014 e colabora desde então com a justiça americana no escândalo de corrupção que assola a Fifa, inclusive gravando escondido conversas com outros acusados.

Hawilla, que depôs nesta segunda-feira na quarta semana do julgamento Fifa carregando um tanque de oxigênio devido aos problemas de saúde, contou como sua empresa, uma das três acusadas (junto à Full Play e à Torneos e Competencias) teria assinado com a Conmebol um contrato pelos direitos das Copas América 2007, 2011 e 2015.

Em troca, pagou propina ao então presidente da Conmebol Nicolás Leoz, outro acusado que luta contra a extradição no Paraguai, e aos ex-chefes do futebol no Brasil e na Argentina, Ricardo Teixeira -acusado nos Estados Unidos mas em liberdade no Brasil- e Julio Grondona -falecido em 2014-.

A Teixeira, Hawilla relatou à corte ter pago por meio de doleiros "um milhão de dólares (anuais), logo passou para 1,2 milhão, logo para 1,5 milhão, depois para 2 milhões, depois para 2,5 milhões e depois 3 milhões" de dólares.

Pagamentos similares foram realizados a Grondona através da agência de viagem Alhec Tours, afirmou Hawilla. O objetivo era que Argentina e Brasil garantissem que os melhores jogadores estivessem nas competições.

O jurado deverá decidir se três dos 42 acusados que se declaram inocentes -o ex-presidente do futebol brasileiro José Maria Marin, o ex-presidente da Conmebol Juan Angel Napout e o ex-chefe do futebol peruano Manuel Burga- são ou não culpados.

- Golpe de Estado na Conmebol em 2010 -Hawilla explicou que o contrato de sua empresa com a Conmebol foi encerrado em 2010, durante a Copa do Mundo da África do Sul, quando o Grupo dos Seis da entidade -integrado pelos ex-presidentes das federações de Equador, Colômbia, Peru, Bolívia, Venezuela e Paraguai- "liderados por Luis Chiriboga", ex-chefe do futebol equatoriano, deu "um golpe de Estado" na cúpula integrada por Grondona, Teixeira e Leoz.

Nos bastidores, a Conmebol assinou novo contrato com a Full Play, empresa dos argentinos Hugo e Mariano Jinkis, cedendo os direitos das Copas América de 2015, 2019 e 2023 e da Copa América Centenário de 2016.

Leoz teria dito a Hawilla que se viu "obrigado a assinar esse contrato", porque o Grupo dos Seis ameaçava tirá-lo da presidência da Conmebol.

"Era um golpe de Estado para tirar esses três (Leoz, Grondona e Teixeira)" e assumir o controle, declarou Hawilla, que garante que foi ameaçado por Chiriboga: "Agora nós mandamos na Conmebol. A Traffic está fora de todos os eventos", porque "vocês sempre acertaram (o pagamento de propina) com os três (Leoz, Teixeira e Grondona) e nós sempre ficamos de fora dos acordos financeiros e das decisões".

O ex-chefe do futebol colombiano Luis Bedoya, testemunha que depôs na semana passada, afirmou que, apesar das tentativas, o G6 nunca teve muito poder.

Após Hawilla processar em final de 2011 a Conmebol e seus integrantes na Flórida por quebra de contrato, as duas partes chegaram a um acordo: a empresa Datisa dividiria igualmente entre Traffic, Full Play e Torneos os direitos da transmissão das Copas América de 2015 a 2023, incluindo a edição Centenário de 2016.

Em troca, já nos últimos minutos de uma reunião em Buenos Aires, a Full Play e a Torneos exigiram 10 milhões de dólares a Hawilla para o pagamento de propina a membros da Conmebol.

Isso aconteceu em 20 de março de 2013, no dia que o argentino Jorge Bergoglio se tornou o novo papa. Os então dirigentes da Conmebol pararam a reunião por duas horas para comemorar o novo pontífice, lembrou Hawilla.

"Esse assunto (pagar subornos) estava me revoltando. Não estou me eximindo de culpa. Me arrependo muito disso, deveria ter parado alí... mas deixei para depois", confessou o brasileiro, que também relatou o pagamento de 10 milhões de dólares a Jeffrey Webb, ex-presidente da Concacaf, pelos direitos da Copa Centenário-2016, pagos pela Torneos.