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O sonho de alguns aventureiros criou o Rally Dakar há 40 anos

03/01/2018 14h27

Paris, 3 Jan 2018 (AFP) - Sem ajuda, mas repletos de desejo de aventura, alguns intrépidos pioneiros se lançaram há quatro décadas à descoberta do deserto, numa primeira edição cheia de imprevistos. O Rally Dakar, que no sábado dará início a sua 40ª edição, em Lima, acabava de nascer.

Naquele final de dezembro de 1978, os jardins do Trocadero de Paris, em frente à Torre Eiffel, foram palco para a largada de quase 200 motos, carros e caminhões dispostos a realizar uma longa travessia.

Ao fim da inédita aventura de três semanas e 10.000 quilômetros, passando por Argélia, Mali e Níger, se encontrava Dacar, o destino traçado.

O evento, com DNA africano por sua origem, é sul-americano desde 2009. Mas antes da mudança de continente por motivos de segurança, 30 edições foram disputadas na África.

A prova nasceu do "amadorismo iluminado" desses pioneiros, segundo Cyril Neveu, vencedor do primeiro Rally Dakar pilotando um moto Yamaha 500 XT. A maioria dos 176 inscritos na primeira edição, como Thierry Sabine, um dos organizadores da prova, estava diante do desconhecido, no qual o interesse esportivo ficava em segundo plano.

- O importante é participar -"Eu participava para tentar chegar. Ponto final", afirma Philippe Vassard, um técnico de informática da empresa nacional francesa de ferrovias (SNCF). "Era uma grande aventura, tínhamos nossas bússolas penduradas no pescoço. Estávamos descobrindo tudo, era genial", completa Neveu, na época estudante de fisioterapia.

A mescla de espírito aventureiro e uma certa ousadia irracional se refletia também no material dos competidores.

"Estávamos entre a mecânica africana e a mecênica top de nível de competição", explica Claude Marreau, que pilotava uma pequena e barata 4L, em meio aos 4x4 Range Rover e Toyota dos concorrentes.

Os modelos da época estão muito longe dos usados atualmente, mas os ingredientes básicos não mudaram: era necessário lidar com os contratempos, saber como pilotar nas dunas e se armar de valentia para chegar ao destino após uma aventura muito exigente.

Depois de atravessar o Mediterrâneo, a caravana passou com escolta policial por Alger, que estava em pleno luto nacional, um dia depois da morte do presidente argelino Houari Boumédiene. Em seguida, os pilotos passaram a primeira noite no deserto, com temperaturas abaixo de zero graus.

- Primeira vítima mortal -"Dormíamos ao pé da moto, não tínhamos nada", lembra Vassard. Até Dacar, sem barraca e com algumas latinhas de conserva no bolso, o caminho era longo, mas "havia muita solidariedade", explica Neveu.

Cansaço, quedas, batidas, quebras... "Eu tinha me preparado para conviver com esses problemas. Era mais uma corrida mental do que física", completa.

O Rally Dakar teve naquela edição sua primeira vítima mortal. Foi o piloto de moto Patrick Dodin, que morreu quando se aproximava da chegada da etapa Agadez-Tahoua, em Níger. Foi o primeiro de uma lista negra de 24 competidores que perderam as vidas até os dias atuais.

A caravana avançava, mas com muitos problemas em alguns momentos, com uma organização ainda embrionária e pouco experiente. A poucos dias do fim, somente um competidor, Vassard e sua Honda 250 XL, completou no limite de tempo a etapa entre Bamako e Nioro du Sahel, no Mali: as chuvas que caíram após a viagem de reconhecimento modificaram tanto o terreno que o deixou impraticável.

"Thierry Sabine veio me ver após a prova e me disse que eu havia vencido", explica Vassard. Mas "enquanto eu dormia, ele decidiu anular as penalizações, não havia rigor no regulamento, era mais uma aventura".

Aos 22 anos, Cyril Neveu chegou a Dacar como primeiro colocado da classificação geral, que engloba todas as categorias, à frente de Gilles Comte (Yamaha) e Vassard. Para Neveu, foi a primeira das cinco vitórias que somou no Rally Dakar.

No fim, 74 competidores, entre eles três mulheres, cruzaram a linha de chegada na Praça da Independência de Dacar: a história dos ralis acabava de mudar para sempre.