Topo

Membros da equipe feminina afegã de halterofilismo movem montanhas

07/03/2018 19h56

Cabul, 7 Mar 2018 (AFP) - São apenas umas 20, mas as moças da equipe de halterofilismo do Afeganistão estão prontas para mover montanhas em uma sociedade que considera o esporte feminino um ultraje à reputação das mulheres.

Com meios limitados, estas mulheres se reúnem de duas a seis vezes por semana em uma pequena sala com um tatame vermelho do Comitê Olímpico Afegão, em Cabul, para praticar um esporte com o qual querem acabar com os tabus herdados da tradição.

No entanto, asseguram receber o apoio e o estímulo de seus pais ou maridos, como Rasheda Parhiz, uma mulher corpulenta de 40 anos, algo raro em um país onde as mulheres costumam ser miúdas.

Foi precisamente o sobrepeso que levou Rasheda a praticar primeiro o esporte e depois o halterofilismo, que apareceu mais tarde em Cabul, há sete anos.

Com uma roupa de treino preta, uma túnica e um lenço, deitada em um banco, virada para cima, levanta uma barra com mais de 50 quilos: "são 70 quilos no total", enfatiza o treinador Totakhail Shahpor.

"Nove anos atrás, eu ia fazer ginástica com uma burca, estava muito gorda: pesava 120 quilos, passava o tempo em consultas médicas. Agora peso 82", explica Rasheda, cujo recorde é de ter levantado 100 quilos, o que lhe permitiu vencer duas Copas e medalhas em competições locais e regionais, na Índia e no Cazaquistão.

No caminho de casa, em um subúrbio de Cabul com ruas não pavimentadas, ela estende os troféus conquistados em um tapete. Ao invés de exibi-los em uma vitrine, os mantém em uma sacola plástica de um bazar.

- Exemplo para suas filhas -"Porque somos muito preguiçosos para tirar a poeira", diz divertida sua filha mais velha, Lema, de 22 anos. "A quem interessa?", acrescenta Rasheda.

No entanto, assegura que seu marido está "muito orgulhoso" dela e permite que suas filhas a acompanhem. Beshta, de 20 anos, começou a treinar com sua mãe no Comitê Olímpico.

Algo mais complicado é ir ao ginásio, confessam as duas irmãs, que fogem assim que seu pai vai trabalhar.

"Considera que somos muito jovens para isso", declara Lesma, que acrescenta a dificuldade da pressão social: "se você pratica esportes aqui, você é considerada uma mulher com uma vida ruim. Simplesmente é mal visto", continua.

De fato, a partir de 6 ou 7 anos, as mães explicam para suas filhas que não devem pular, correr ou andar de bicicleta devido ao risco de perder a sacrossanta virgindade, a maior vergonha e uma verdadeira calamidade para uma futura esposa.

Diante dessa ameaça, poucas mulheres se atrevem a desafiar uma crença arraigada na mentalidade local.

Para 38% dos homens afegãos, a vestimenta apropriada para as mulheres em público ainda é a burca, uma peça de vestuário que as cobre da cabeça aos pés, incluindo os olhos, de acordo com um estudo realizado pela Asia Foundation.

Mais de dois terços (72%) consideram que as mulheres não devem trabalhar fora do lar e 66% das mulheres não recebem educação, segundo o estudo intitulado "Afeganistão em 2017".

Quando o Comitê Olímpico afegão criou a Federação de Halterofilismo teve que fazer publicidade para atrair mulheres, lembra Totakhail Shahpor, que teve que liderar o organismo há três anos, depois que seu antecessor aproveitou uma competição no Canadá para fugir com os fundos federativos.

Militar de carreira, esse homem de 52 anos considera que seu dever é proteger e encorajar as mulheres. "Se eu impusesse uma disciplina como no Exército, no dia seguinte eu não teria ninguém", brinca. "Eu as trato como minhas filhas".

Também organiza muitas competições para motivá-las, apesar de ter um orçamento modesto. "Cada um de nós ganha 1.000 afeganes (menos de 15 dólares) por mês", apenas para pagar o transporte.

"Olhe para sua roupa, nem sequer têm sapatos", diz, apontando para Sadia Ahmadi, que usa uma roupa de treinamento cinza e amarela com um grande buraco na coxa, apesar de, aos 25 anos, ser a jovem mais premiada da federação.

"Quatro medalhas de ouro", insiste Shahpor, vencidas em Uzbequistão, Índia e Cazaquistão. "Com mais orçamento, poderíamos nos preparar para os Jogos Olímpicos".

A Federação Afegã, apesar de tudo, privilegia os homens, lamenta Shahpor, embora seja verdade que mais de 100 halterofilistas afegãos estão fazendo eco na cena internacional: nos últimos oito anos ganharam 250 medalhas em campeonatos regionais e internacionais, e contam, inclusive, com um recorde mundial em 2012.