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UFC Brasil 20 anos: histórica, luta Belfort x Wanderlei quase não aconteceu

Vitor Belfort acerta Wanderlei Silva em sua vitória por nocaute no 1º UFC no Brasil, na década de 1990 - Getty Images
Vitor Belfort acerta Wanderlei Silva em sua vitória por nocaute no 1º UFC no Brasil, na década de 1990 Imagem: Getty Images

Diego Ribas, em Las Vegas (EUA), e Felipe Paranhos, em Salvador (BA)

Ag. Fight

16/10/2018 06h00

Com muito menos glamour do que hoje em dia, há exatos 20 anos o UFC fazia seu primeiro evento no Brasil. Repleto de lutadores que atualmente são lendas, mas que eram menos conhecidos do que muitos estreantes da atualidade, a organização fez um grande card em um local modesto: o ginásio da Portuguesa de Desportos, em São Paulo. E, mesmo não sendo a maior atração do evento, estrelado pela decisão do título peso-meio-pesado entre Frank Shamrock e John Lober, um dos combates ficou marcado na história: Vitor Belfort e Wanderlei Silva se enfrentaram na antepenúltima luta do show, que terminou com um nocaute imposto pelo 'Fenômeno' em apenas 44 segundos. Mas, por pouco, o confronto do dia 16 de outubro de 1998 não ficou na memória pela desistência de Vitor na última hora.

A Ag. Fight conversou com importantes personagens do UFC 17.5, como foi denominado o evento, e todos relataram que Belfort, à época com 21 anos, cinco vitórias e uma derrota na carreira, por pouco não abandonou o combate já no ginásio. Um deles foi Sérgio Batarelli, idealizador e organizador do evento International Vale-Tudo Championship (IVC), que foi o produtor local da estreia do Ultimate no Brasil.

O empresário lembrou que foi o responsável pelo casamento daquela luta e que, assim como "99% da galera envolvida no vale-tudo", achava que Wand derrotaria o discípulo de Carlson Gracie. "Achávamos que o Wanderlei ia bater no Vitor sem muitos problemas. Então essa foi a maneira com a qual eu consegui fazer com que o UFC aceitasse a luta. O Bob Meyrovitz dizia que ele era problemático, que só dava dor de cabeça, e que precisava de alguém para bater nele. Eu falei que tinha alguém para bater nele, para a gente fazer essa luta. O Wanderlei ficou feliz, o Rudimar também", falou.

"Mas, chegou na hora, um p... problema no camarim: o Vitor não queria lutar. Ele não queria lutar. Isso não é boato, é verdade. Aí eu cheguei no ginásio e o Bob chegou para mim e disse que havia um problema: 'O Vitor não quer lutar e está no vestiário chorando'. Não sei se ele estava chorando, porque quando eu cheguei ele não estava mais, então não posso afirmar. Quem estava lá disse que ele estava chorando. Na hora eu pensei: 'F...'. Falei para o cara do UFC que a minha função era colocar o Wanderlei para lutar, do Vitor era ele que tinha que cuidar. Aí eu fui falar com a mãe dele, chamei a Dona Jovita, o pai também estava lá, e o Carlson também, falando que a gente tava f..., que o cara não queria lutar. Carlson era muito amigo meu, a gente viajava para o Japão, era meu parceirão. E ele dizia: 'Estamos f..., o Vitor não quer lutar, está lá chorando'. Aí a mãe dele foi lá, conversou com ele, convenceu e ele foi lá e lutou", recordou-se.

Sob condição de anonimato, uma outra pessoa presente nos bastidores daquele evento confirmou a informação à reportagem da Ag. Fight. De acordo com ele, Carlson Gracie foi o grande responsável por fazer o 'Fenômeno' subir no octógono, depois de uma grande bronca em seu lutador, a quem tinha como um filho.

"A gente estava no vestiário. Ele não passou mal antes da luta. Ele não queria lutar. Falou que estava com dor de cabeça, inventou uma história lá para o Carlson , mas na verdade ele estava era com medo. Ele não queria lutar. Falou que estava com dor de cabeça, passando mal... Aí o Carlson mandou fechar a porta do vestiário e deu um esporro nele. Ele o ameaçou de tudo quanto é forma e falou: 'Você vai lutar nem que eu te coloque no ringue amarrado, mas você vai lutar. Você não vai fazer isso. Para mim é uma vergonha como seu professor'. Aí o Vitor reclamou novamente de dor e o Carlson respondeu: "Que se f.... Vira homem', e esculhambou ele. E ele entrou para lutar com bastante medo, mas quando você bota um gato no córner, o gato acuado fica muito mais perigoso. E foi exatamente isso o que aconteceu. Ele estava com tanto medo, mas tanto medo, que ele foi para o tudo ou nada. E, na verdade, o Vitor sempre foi um cara perigoso, principalmente no primeiro round, então aconteceu o que aconteceu", revelou.

E, sobre a postura de Vitor dentro do cage, Batarelli fez coro à fonte que acompanhou a hesitação do lutador dentro do vestiário. De acordo com o organizador do evento, o profundo receio de enfrentar um dos maiores nocauteadores da história do vale-tudo acabou sendo o combustível do carioca. Sérgio ainda contou que o desfecho da luta resultou em momentos de tensão entre as duas equipes.

"Ele entrou no ringue com medo de perder, mas essa foi a grande arma dele. Agora vou contar o outro lado da história: o Wanderlei entrou tão confiante que iria bater no Vitor que entrou displicente. Lembro da luta como se fosse ontem: o Vitor começa e vai para cima, e o Wanderlei vai fugindo até que bate na grade. Aí não tem mais para onde fugir. E o Vitor, podem falar o que quiserem, mas, como lutador, ele é que nem um tubarão: se ele sente o cheiro de sangue, ele pega. O Wanderlei veio para cima dando aquelas mãozadas, mas deu um passo para trás, e o Vitor deve ter pensado: 'É minha chance'. Aí foi na hora em que ele sai correndo e dá uma p... sequência caminhando para cima, e nocauteia o Wanderlei. Acabou. O Pelé pulou para dentro da gaiola querendo arrumar encrenca, ficou p... da vida. Foi aí que eu entrei. Ninguém percebe isso, mas eu entrei e falei com o Rudimar: 'Segura o Pelé, não pode ter briga aqui não'. Aí acalmou tudo, porque ali ia dar uma..., porque não era um brasileiro contra um gringo: era um cara do jiu-jitsu contra um cara da Chute Boxe. Quando o Pelé entrou, um monte do Carlson entrou junto. Eu corri no Pelé e no Carlson e falei: 'Cada um segura os seus', aí acalmou e acabou que não deu nada", contou.

Wanderlei cita suposta "fama" de Belfort

O 'Axe Murderer' também contou sua versão daquele famigerado momento pré-luta. Silva afirmou que, ao longo da carreira, Belfort ficou com a fama de 'amarelar' em momentos decisivos. Apesar da situação peculiar, 'Wand' falou com respeito sobre o adversário. Segundo o paranaense, o fato de Vitor ter sentido medo não o diminui, uma vez que o 'Fenômeno' venceu o duelo.

"Falam, né, a respeito do Belfort fora do ringue. Falando secamente, tem um pessoal que diz que ele tem fama de 'c...', né, que ele dá uma amarelada também. Mas o fato de você sentir medo não te desmerece. Quando está com medo, está com medo mesmo. Vou falar o quê? O cara tava com medo, c..., foi lá e me nocauteou. Vou falar o quê? É melhor ser um bunda-mole que vai lá e acerta. Dizem que , mas quem levou a porrada fui eu. Tudo é preparo, técnica e também sorte", comentou.

Silva, que atualmente atua no Bellator, segunda maior organização de MMA do mundo, destacou o prazer de ter feito parte da história do Ultimate no país. "Foi uma grande honra para participar desta ocasião. (...) Estava sempre encabeçando a lista dos melhores do Brasil. E fiquei muito feliz de poder representar mais uma vez minha academia. Antigamente, tinha muito esse lance de academia, e tinha também uma rivalidade pessoal. Então, tudo contribuiu para apimentar essa estreia do UFC aqui no Brasil. Fico muito feliz de poder ter feito parte deste momento histórico. Fico muito feliz de os fãs lembrarem das lutas 20 anos depois. Acho que somos de uma das primeiras gerações que os caras acompanham há tanto tempo", disse.

A equipe de reportagem da Ag. Fight tentou entrar em contato com Vitor Belfort, mas não obteve resposta.