Topo

MMA


UFC Brasil 20 anos: organizadores lembram desafios e curiosidades

Árbitro do UFC, Mario Yamasaki participou da organização do evento no Rio - Ethan Miller/Getty Images
Árbitro do UFC, Mario Yamasaki participou da organização do evento no Rio Imagem: Ethan Miller/Getty Images

Felipe Paranhos, em Salvador (BA)

Ag. Fight

16/10/2018 06h38

Hoje responsável por dezenas de eventos já realizados no Brasil, o UFC iniciou sua trajetória por aqui em 16 de outubro de 1998, no Ginásio da Portuguesa de Desportos, em São Paulo (SP). E os executivos americanos não teriam estruturado a estreia da maneira que foi se não fosse a participação de Sérgio Batarelli, como promotor local, e Mario Yamasaki, que começou como uma espécie de assessor pessoal de Bob Meyrowitz - à época dono do Ultimate - e acabou participando ativamente do processo de logística e organização. Os dois conversaram com a reportagem da Ag. Fight sobre o desafio de entregar ao público brasileiro o UFC 17.5, que iniciaria, exatas duas décadas atrás, a jornada de mais de 30 visitas a diversas cidades do país.

Muito antes de se tornar um dos árbitros mais renomados do MMA, Yamasaki morava no estado americano de Maryland. Lá, ele recebeu uma incumbência de seu irmão, que trabalhava na Academia Fórmula, no Brasil: entrar em contato com o UFC, a fim de trazer os lutadores do evento.

"Naquela época não tinha internet, não tinha essa facilidade que tem hoje. E, por sorte, naquele mesmo dia em que ele me ligou pedindo isso, eu achei um panfleto escrito 'Dan Severn, campeão do UFC 5, em Manassas, Virginia, dando autógrafos em uma loja de suplementos GNC'. Eu peguei o carro, fui para lá e acabei trazendo Dan para a minha academia. E ali iniciou nosso contato. Depois que eu levei os lutadores ao Brasil, eu pedi para o Severn para assistir a uma luta ao vivo, porque eu era fã também. E ele me deu dois crachás pro 'Ultimate Ultimate 1996'. Foi onde eu quis comprar um pôster para marcar aquela data. Perguntei para uma senhora, e ela: 'Olha, a gente não vende pôster, mas se você falar com aquele senhor ali, ele talvez te mande um'. Aí eu fui falar com ele, ele me deu um cartão, eu nem tinha visto na época quem que era, e depois eu fui ver que o cartão era do Bob Meyrowitz", lembrou.

"Em 1997, a Fórmula queria levar o UFC para o Brasil. Acabei indo pegar aquele cartão, vi que era o Meyrowitz, vi que era o dono, e liguei para ele. E aí ele falou assim: 'Estamos indo para o Brasil em duas semanas. Você vai junto'. Ele nem me conhecia, nunca tinha ouvido falar de mim. Eu acabei encontrando com ele no aeroporto e perguntei: 'Mr. Meyrowitz, por que você me escolheu?'. Ele falou: 'Olha, eu recebo ligações de pessoas querendo levar o UFC para o Brasil todos os dias. Mas no dia e na hora em que eu estava pensando no Brasil, você que ligou. Você é o cara da sorte'. Acabei vindo com eles para cá, e o resto é história", acrescentou Mario.

No Brasil, o principal contato de Meyrowitz veio a ser Sérgio Batarelli, que era o organizador do maior evento brasileiro da época, o International Vale-Tudo Championship (IVC). E coube ao empresário a promoção local do show. À Ag. Fight, ele contou que o ginásio da Lusa foi escolhido por causa da incerteza sobre o sucesso do UFC Brasil: era melhor tentar encher um lugar pequeno do que correr o risco de deixar arquibancadas vazias em uma sede maior.

"O IVC foi o evento de vale-tudo mais visto no mundo na época. O primeiro era o Pride , no Japão, o segundo era o Ultimate e o terceiro era o IVC. A ideia era fazer um evento real, sem proteger ninguém, que realmente colocasse os melhores contra os melhores na regra mais próxima de uma luta de verdade, e deu certo. O IVC foi um sucesso e, graças a esse sucesso, eu tive um bom relacionamento com o Bob Meyrowitz, que fundou o UFC junto com o Rorion Gracie e o Art Davie. Eu ia direto para os EUA, e daí surgiu a ideia de fazer uma edição no Brasil, porque o público gostava muito e tinha muito brasileiro se dando bem, na época do auge do Marco Ruas", recordou-se.

"Eles vieram aqui para o Brasil, e a gente teve uma reunião. Nessa época, eu trabalhava em associação com a Sports Promotion, que o dono era o Kiko , e o Kiko era sócio do Luciano do Valle no programa Show do Esporte . O cara por trás de tudo era o Kiko. O Luciano do Valle era a voz, mas o grande gênio do esporte era o Kiko, que me ajudou nas minhas promoções quando eu lutava , me ajudou a ser campeão do mundo. Eu já tinha parado de lutar, parei em 1997, e comecei a mexer com vale-tudo também em 1997. Foi aí que a Sports Promotion se envolveu no negócio. Foi aí que começou tudo. Achamos o Ginásio da Portuguesa, que tinha capacidade para 5 mil pessoas. Como não era o que é hoje, eu pensei: 'Não adianta fazer em um local grande, vai que não lota?'. Só que foi um tremendo sucesso, as filas eram gigantescas. Lotou, vendeu tudo", contou Sérgio.

Em 1998, o vale-tudo - que viria a se tornar MMA anos depois - era bastante estigmatizado no país, por causa das frequentes ocorrências policiais ligadas aos seus praticantes, sobretudo no Rio de Janeiro. Assim, havia um certo temor de que houvesse algum tipo de confronto entre academias nos bastidores ou nas arquibancadas do UFC Brasil. Batarelli lembrou de como utilizava a confiança dos chefes das equipes a seu favor.

"O pessoal tinha medo de brigas. Eu provei que não ia ter briga nenhuma, tanto que tinha um nível de segurança normal, não precisou de mais polícia, não precisou de nada. Não aconteceu nada de errado. Antigamente, vou explicar como funcionava: por exemplo, quando lutaram Fabio Gurgel e Mark Kerr . O evento era meu, eu era sócio e também sempre era o árbitro desses eventos, para não ter erro nenhum e não dar margem para as pessoas reclamarem. E a torcida no hotel Maksoud Plaza, onde fiz a maioria dos meus eventos, era gigantesca e todinha da galera do jiu-jitsu. E 'nego' queria invadir. Teve uma hora em que eu parei a luta, peguei o microfone e falei: 'Vocês estão aqui para ver a luta. Se continuar o problema, vou parar a luta e vocês vão ter que brigar entre vocês'. Aí todo mundo sentou. Não ia deixar nenhum tipo de problema acontecer comigo. Era assim que eu trabalhava na organização dos eventos. Depois, já no IVC, eu tive a final do IVC 2, entre Wanderlei Silva e Artur Mariano. Chegou uma hora que o médico parou o combate, por causa do corte na pálpebra do Wanderlei, que tinha risco de ficar cego. E aí a equipe Chute Boxe, que era grande, vinha de Curitiba, já tinha aquela p.. rivalidade com o pessoal do jiu-jitsu... Os caras ameaçando o médico e tudo. Só que eu não ia na torcida, ia no chefe de equipe. Cheguei no Rudimar e falei para ele: 'Rudimar, se acontecer alguma m.. aí, a culpa é sua. Vou cobrar de você e a gente vai virar inimigo nos negócios'. Aí cada chefe de equipe ia lá, brigava com o povo dele, acalmava a galera e não dava briga, entendeu? Na Portuguesa, foi mais ou menos a mesma coisa: chamei todo mundo, chamei o pessoal do Pedro Rizzo, o Rudimar, o Pelé , e falei: 'Isso aqui pode ser o início de muita coisa ou pode ser o fim de tudo. Então vocês escolhem, vão brigar de graça? Se estão na gaiola, é para ganhar dinheiro'. E acabou dando certo. O negócio era conscientizar o chefe das equipes, o que hoje não acontece mais", declarou.

"Queira ou não queira, há respeito dentro da arte marcial. O cara pode não ter respeito pelo outro, mas pelo mestre dele ele tem. Então eu ia no mestre e falava para ele controlar a situação. Independentemente do que o outro lado fizesse ou provocasse, eu responsabilizava os mestres caso alguma confusão ocorresse. Dizia: 'Nunca mais você luta em um evento meu, vou fechar todas as portas'. E eu só ouvia o que eu queria ouvir, que era: 'Batarelli, fica tranquilo'", contou, bem-humorado.

Sérgio mencionou também o que foi trazido pelo Ultimate e o que era de sua responsabilidade na organização do evento. De acordo com o empresário, apenas o que tinha padronização americana vinha do UFC. Todo o resto cabia aos promotores locais.

"Meu era tudo. A gaiola eu não tinha que montar, nem a luz, que é deles e segue o mesmo padrão até hoje. A iluminação era deles. Mas o resto, confecção de ingressos, legalizar, tanto que foi supervisionado pela organização que eu sou presidente até hoje, a CBVT (Confederação Brasileira de Lutas Vale-Tudo). Tanto que na época, o Ultimate permitia lutador de sapatilha chutar. Aqui no Brasil eu não permitia, falei: 'aqui não'. Porque é um 'handicap', o pé não dói. Se chutar de sapatilha, faz um estrago f.... Falei: 'Pode até usar sapatilha, mas se usar não chuta'. Tem muita gente que prefere esquecer que tem muita coisa que eu ajudei a mexer. Um dos juízes de pontos em todas as lutas foi brasileiro, o Antonio Carlos Pereira, que até hoje é meu amigo, meu aluno, ele estava envolvido. E de regra, era tudo. Se eu falasse 'não', era não", comentou.

Yamasaki, por sua vez, chegou ao Brasil com Meyrowitz e ajudou a comitiva americana a se situar em São Paulo. Aos poucos, porém, passou a assumir funções nos bastidores do evento. O hoje árbitro de MMA era, entre outras funções, a pessoa incumbida de organizar a agenda dos lutadores naquela semana na capital paulista.

"Quando eu cheguei, uma semana e meia, duas semanas antes do UFC, nós começamos a organizar toda a logística do Bob Meyrowitz. Ele me contratou para ficar do lado dele, e eu acabei sendo o coringa, porque eu fazia tudo acontecer: como a gente tinha muito contato em São Paulo, meu irmão tinha muito contato também, se faltasse qualquer coisa, qualquer coisa que eles precisassem, a gente conseguia arrumar na hora. Então, essa foi minha posição: cuidar dos atletas, de onde eles iam treinar, comida, onde eles iam comer, onde o Meyrowitz iria comer... Ele gostava de charuto, onde iria comprar charuto cubano para ele... Fomos um pouco cicerones para ele, mas acabamos fazendo muitas coisas para o evento, arrumando várias coisas", falou Mario.

O desconhecimento dos executivos americanos sobre São Paulo acabou gerando situações curiosas. O hotel reservado pelo UFC para a estadia dos lutadores e organizadores era, por exemplo, em uma das áreas da Rua Augusta conhecidas pela prostituição, como conta Yamasaki. "O engraçado é que o pessoal dos Estados Unidos não sabia onde ficar e acabou ficando no meio da boca, no meio das p..., e foi muito engraçado, porque os lutadores ficaram abismados, né, com todas as meninas na rua", afirmou.

A proximidade da boemia paulistana, inclusive, acabou atraindo um conhecido beberrão americano, Tank Abbott, que enfrentaria Pedro Rizzo, oito anos mais novo. "Na noite anterior, aquele gordo estava bebendo para c****** e querendo arrumar briga. No dia seguinte, o Pedro foi lá e destruiu o cara", recordou-se Batarelli, mencionando o nocaute aplicado pelo brasileiro aos 8min07s de combate.

À reportagem da Ag. Fight, o empresário revelou um outro caso curioso do evento. De acordo com Sérgio, diante da euforia do término do UFC Brasil e da derrota do favorito Wanderlei Silva na luta contra Vitor Belfort, o paranaense acabou 'esquecido'.

"Depois da luta, ninguém queria saber do Wanderlei, ninguém deu bola para ele. Liguei para o hotel e falei: 'Wanderlei, fica calmo, faz parte da vida, não fica triste, a vida não acabou, não'. Foi quando ele e o Rudimar disseram que só eu tinha ligado para eles. Aí eu falei para o cara do Ultimate: "Quero o Wanderlei lutando no próximo'. E o cara respondeu: 'Nem f..., você prometeu para mim que ele ia bater no Vitor, e o Vitor que matou ele'. Aí eu falei para ele: "Eu pago a próxima luta do Wanderlei". Você vê que logo na sequência o Wanderlei lutou, e destruiu o cara na joelhada. Quem pagou aquela luta fui eu. Se eu não fizesse isso, o Wanderlei não teria sido o que foi", lembrou.

Aquela semana também mudou outra carreira: a de Yamasaki. Foi nos bastidores do evento que o brasileiro conheceu 'Big' John McCarthy, até hoje o mais famoso árbitro de MMA no mundo. Mario afirmou que, assim como no episódio em que ligou para Meyrowitz, a sorte foi fundamental para definir seus novos rumos no esporte.

"Eu nem imaginava arbitrar para o UFC. Naquele UFC Brasil foi quando eu conheci todo o backstage da organização. Eu conheci o John McCarthy, meu irmão acabou arbitrando umas lutas preliminares, e na hora em que eu estava indo embora, eu perguntei: 'John, por que você é o único árbitro? E se você ficar doente, você se machucar?' Ele falou: 'Putz, é verdade, a gente está procurando alguém. Você conhece?'. Aí eu levantei meu dedinho e falei: 'Eu'. E ali eu comecei a minha trajetória, a minha carreira como árbitro", disse.