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Mundial de Vela vira mico: com ou sem vento, atletas sofrem na água

Fernando Ros, espanhol da classe Finn, faz o que os velejadores mais fizeram no Mundial de vela: espera a melhora de condição do vento para competir - Esteban Corbo/EFE
Fernando Ros, espanhol da classe Finn, faz o que os velejadores mais fizeram no Mundial de vela: espera a melhora de condição do vento para competir Imagem: Esteban Corbo/EFE

Do UOL, em São Paulo

19/09/2014 06h00

Organizar um campeonato de vela deveria ser fácil. Os requisitos necessários são básicos: água, vento e você já pode colocar os barcos para velejar. O Mundial de Vela na Espanha tinha tudo para dar certo. Afinal, a baía de Santander é conhecida por suas boas condições para a modalidade, com muito espaço e vento constante o ano todo. O centro de alto rendimento de vela da Espanha não foi construído na cidade por acaso. Pena que, nos últimos dias, a história tem sido diferente.

Desde sexta-feira (12), só duas vezes todas as regatas programadas foram disputadas: no primeiro dia e na quinta-feira. Nos outros, o vento não cooperou. Ou era muito fraco, tornando as regatas impossíveis, ou muito fortes, fazendo com que qualquer disputa fosse perigosa.

Na quarta-feira, por exemplo, os dois problemas foram enfrentados. Pela manhã, ventos fortes demais adiaram a ida dos barcos para a água. À tarde, velejadores ficaram por horas boiando à espera de impulso. A classe Laser, do bicampeão olímpico Robert Scheidt, foi um exemplo disso. Tinha três provas programadas no dia. Só uma foi disputada. A segunda chegou a ser iniciada, mas foi interrompida quando o vendo sumiu. “Passamos sete horas na água e fizemos só uma regata. Foi bem desgastante”, admitiu o brasileiro.

A medalha foi definida nesta quinta, na Medal Race, após apenas oito regatas de classificação. Dez provas estavam programadas. Dono de 11 títulos mundiais no barco individual, o brasileiro fechou o campeonato em quinto lugar – o título foi para o holandês Nicholas Heiner. Fechar o campeonato com menos provas do que o esperado deve ser uma tendência para os outros barcos.

Na terça, os competidores da classe Finn ficaram oito horas na água e só uma regata foi disputada. Ao mesmo tempo, a Nacra torcia por vento para realizar seis regatas (três para cada grupo, já que os competidores nas fases classificatórias são divididos em duas flotilhas). Só três foram realizadas.

Em um Mundial normal, a instabilidade do vento já é prevista e existem soluções possíveis. Regatas são adiadas, o local em que a raia é montada muda. Só que essas ações são impossíveis em Santander. E não é culpa da cidade espanhola, mas do tamanho do evento.

Em 2003, a Federação Internacional de Vela (Isaf) resolveu criar sua própria olimpíada. Como? Usando a premissa dos Jogos: todos as classes disputando a mesma competição, uma grande integração entre velejadores em um evento gigantesco. Em sua quarta edição, a Isaf conseguiu isso: são 1250 velejadores representando mais de 83 países competindo em Santander. No Rio de Janeiro, para os Jogos Olímpicos de 2016, serão apenas 380 atletas.

O tamanho da flotilha da classe Laser, a maior do torneio, mostra essa diferença. Nas Olimpíadas, são 46 competidores. Na Espanha, são 147. Como é impossível colocar 147 barcos competindo na mesma raia, os velejadores são divididos em três grupos. A maioria das classes precisa ser dividida em dois para as disputas.

Isso significa que a organização precisaria organizar mais de 230 regatas em dez dias. Uma tarefa hercúlea mesmo em um local em que foi possível criar sete áreas de competição em toda a baía. Junte a isso atrasos por falta ou excesso de vento e o problema está criado. Sem contar o excesso, puro e simples, de barcos na raia...

Campeão olímpico em Londres-2012 e tetracampeão mundial, o australiano Nathan Outteridge usa a classe 49er como exemplo. “Ninguém na flotilha inteira está feliz. A classe 49er veleja sempre com 25 barcos, há 16 anos. Agora, a Isaf força esse formato de dois dias classificatórios, com cinco regatas e 45 barcos. Não é uma boa solução. A cada montagem de boia, os barcos ficam muito próximos e a situação toda se torna perigosa”, declarou o velejador ao site Sail-World.com.

Já o Scuttlebutt Sailing News, um dos mais respeitados na área, usou comentários deixados por velejadores em redes sociais para mostrar a insatisfação com o torneio – mas não revelou o nome dos atletas. “Que dia. Sem regatas para o nosso grupo hoje. Dizer que estou frustrado é pouco”, escreveu um. “Depois de três dias de competição no Mundial da Isaf, completamos 130 minutos de regatas. Vela olímpica é muito dura”, escreveu outro.

O último comentário retratado é mais contundente: “Hoje foi uma piada. As flotilhas da Laser e da Laser Radial ficaram na água por sete horas e só uma regata foi disputada, por incompetência da Comissão de Regata. Várias áreas de competição ficaram vazias. Não é todo dia que você sente que viajar para competir é uma perda de tempo”.

O Mundial da Isaf termina no domingo. Na Laser e na Laser Radial, o campeão foi conhecido com menos regatas do que o previsto – duas para o barco masculino, três para o feminino. Na quarta-feira, todas as classes apresentavam atrasos. Com as boas condições de quinta-feira, a 470 feminina e a Finn estão, agora, com o calendário em dia.

As outras seguem atrasadas. A 49er tem uma prova a menos do que as oito programadas – e um dia de folga perdido. As duas pranchas a vela da classe RS:X terminaram a fase de classificação com uma regata a menos – na sexta, será disputada a Medal Race (sem a presença de brasileiros). A 470 masculina tem duas a menos, enquanto a 49erFX (em que o Brasil tem chance de medalha com Martine Grael e Kahena Kunze) e a Nacra têm três.