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O vôlei já teve seu 7 a 1 e superou, diz Zé Roberto

Fábio Aleixo e Leandro Carneiro

Do UOL, em São Paulo

15/04/2015 06h00

Pressão por jogar em casa, o peso do favoritismo e a emoção ao escutar o hino nacional cantado a plenos pulmões pelos torcedores que apoiarão de forma incondicional. O roteiro, já visto na Copa do Mundo de futebol em 2014, certamente se repetirá com a seleção feminina de vôlei no ano que vem nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. O bicampeonato olímpico, em Pequim-2008 e Londres-2012, coloca um lastro a mais de responsabilidade nas costas das 12 jogadoras que serão escolhidas e de José Roberto Guimarães. E o treinador está consciente disso.

Sabe também que desastres e coisas improváveis podem acontecer em uma competição tão equilibrada e na qual a parte emocional será exigida ao extremo. Os 7 a 1 sofridos pela seleção diante da Alemanha na semifinal no Mineirão servem de lição. Mas para Zé Roberto, o vôlei brasileiro já passou por um momento tão delicado como este e conseguiu superá-lo. Foi a derrota de virada para a Rússia por 3 sets a 2 na semifinal nos Jogos Olímpicos de Atenas-2004 após ter 24 a 19 no quarto set.

"O 7 a 1 do vôlei talvez tenha sido o nosso 24 a 19. Mas soubemos aproveitar esta derrota para ter duas grandes vitórias. Claro que no vôlei tudo pode acontecer, depende do dia. Toda preparação pode mudar num único contexto. Temos de rezar muito para que tudo caminhe bem, que os deuses olímpicos estejam do nosso lado", disse Zé em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

A pouco menos de 500 dias para a abertura da Olimpíada, o técnico mais vitorioso da história olímpica do Brasil - com três medalhas de ouro - sabe da responsabilidade e garante que isso já perturba seu sono desde agora.

"Estou muito preocupado com o que vai acontecer em 2016. Durmo pensando nas jogadoras, nos adversários e no planejamento", disse o treinador.

Zé, de 60 anos, também fez uma revelação. Ele jamais canta o Hino Nacional em uma quadra de vôlei. Sabe que vai chorar e este gesto pode colocar tudo a perder antes mesmo do início de um jogo. 

"Aquilo mexe de uma forma com todos nós que é impossível não se emocionar e não se sentir forte com aquilo. Aquilo é muito emocionante. E é um momento difícil, porque é o começo de um jogo que pode ser a final ou valer uma classificação", contou em um longo bate-papo no qual não fugiu de nenhum assunto.

Peso do favoritismo e time a ser batido
“A coisa mais difícil de tudo é saber lidar com a pressão, saber como vai estar a cabeça das jogadoras naquele momento. Estou muito preocupado, em todos os sentidos. Esta é a maior responsabilidade que este grupo vai ter, mais do que Pequim e Londres. Justamente por estar em casa. Minha maior preocupação é que somos bicampeões olímpicos. Mas sempre digo para as atletas, o sucesso que tivemos no passado não garante sucesso presente e nem futuro. Está tudo zerado. Temos de criar uma nova história, escrever uma coisa diferente. O Brasil será o time a ser batido. Mas não somos melhor o time do mundo.

Vejo os Estados Unidos à frente dos demais, tanto que foram campeões mundiais. Eles têm muita opções. Vejo os Estados Unidos como um grupo diferente, concentrado e focado. Eles nunca ganharam uma Olimpíada no feminino. Quando fomos jogar 4 amistosos no ano passado lá, em Los Angeles e no Havaí, recebemos um panfleto com o programa dos jogos e ele dizia: “ O que acha de enfrentar um time que nos roubou duas medalhas olímpicas? Seria bom já ganhar deles agora”. E eles ganharam os quatro jogos. É um time que está se estruturando cada vez mais, se preparando para Olimpíada. Contam com jogadoras importantes com uma maturação excepcional. Os Estados Unidos vão ser um finalista e a outra vaga ficará entre Brasil, Rússia, Sérvia, China e Itália.”

Foco na competição e isolamento
“A Olimpíada vai ser num todo algo muito visto, será um momento especial para a delegação brasileira. O COB (Comitê Olímpico do Brasil) já está fazendo algumas coisas em relação a isso [evitar assédio]. Tudo precisa de treinamento. Preservar é sempre bom. Temos Saquarema que fica perto do Rio e vamos treinar lá o máximo que pudermos e depois iremos para a Vila [Olímpica]. É importante viver o ambiente da Vila, estar ali quatro, cinco dias antes. A cobrança vai existir e temos de nos preservar. O que mais me preocupa  é a questão de tíquetes, família. Quando entrarmos na vila, temos de nos blindar em termo de foco. A família é sempre bem-vinda, mas tem de entender que as atletas estão em um processo que têm de estar focadas. Elas [jogadoras] precisam conversar com familiares, temos de nos fechar.”

Hino Nacional e lembranças da Copa do Mundo de futebol
“Acho difícil programar sentimentos. Muita coisa pode ser treinada, mas o fato de sentir seu povo cantando seu hino é diferente. Eu não canto o hino nacional porque quando chega na estrofe ‘Gigante pela própria natureza’ dá nó na garganta. Eu não canto, porque eu choro. Coloco a mão no peito e fico ali olhando os outros cantarem, porque sei que eu vou chorar. O hino nacional me toca. Prefiro ouvir as pessoas cantando. Imagina o que vai acontecer no Brasil. Numa certa parte do hino, para a música, pois são permitidos apenas 40 segundos. Aí para, e o povo continua cantando. Aquilo mexe de uma forma com todos nós que é impossível não se emocionar e não se sentir forte com aquilo. Aquilo é muito emocionante. E é um momento difícil, porque é o começo de um jogo que pode ser a final ou valer uma classificação. Se você treina, e está tranquilo como se preparou, você pode controlar os sentimentos.

Mas é difícil comparar futebol com vôlei. Ali [os 7x1 para a Alemanha], foi uma catástrofe. Estávamos sem dois jogadores importantes que eram o Thiago Silva e o Neymar e perdemos da Alemanha.

O 7x1 do vôlei talvez tenha sido o nosso 24x19 [derrota para a Rússia em Atenas]. Mas soubemos aproveitar esta derrota para ter duas grandes vitórias. Claro que no vôlei tudo pode acontecer, depende do dia. Toda preparação pode mudar num único contexto. Temos de rezar muito para que tudo caminhe bem, que os deuses olímpicos estejam do nosso lado.”

Jogadoras da seleção lamentam o revés para a Rússia nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004 - AP Photo/Morry Gash - AP Photo/Morry Gash
Jogadoras da seleção lamentam o revés para a Rússia nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004
Imagem: AP Photo/Morry Gash

Definição do grupo e corte de jogadoras
“[O corte] é o pior momento. A convocação muitas vezes é o melhor momento, e mesmo assim você deixa jogadoras fora porque não dá para chamar todo mundo. Tem um número ideal entre 16 e 18 jogadoras. Depois passa-se todo período de treinamento, jogos do Grand Prix e aí as observações, como grupo se sente com uma ou com outra, adaptações e aí você tem de ir diminuindo o grupo. O COB (Comitê Olímpico do Brasil) e o COI (Comitê Olímpico Internacional) te pressionam para dar listas e este momento é o que tento prorrogar ao máximo. O último corte é sempre o mais complicado, porque uma jogadora pode dar 5% a mais que outra em um fundamento. Menos mal que toda a comissão técnica vota, é um colegiado no qual todo mundo opina. Mas quem fica rotulado é o técnico, é o técnico que corta, mas é a comissão técnica que decide.

Quando você corta uma jogadora, a primeira mensagem que vem é: ele não gosta de mim, tem algo contra mim. Mas você tem de escolher para o grupo, não pode esquecer que Olimpíada é momento. A data está marcada e você não pode esperar que uma jogadora melhore ou se recupere. Você tem de tomar decisão e ela é dura. Eu deixo para o deadline, para quando não dá mais.

(Antes da Olimpíada de Londres), o corte da Fabiola foi traumático e precisamos ter definição ali. Conversamos depois porque ainda mexia muito com a cabeça dela. Eu disse a ela que é uma pessoa extremamente boa para o grupo, que se dedica ao máximo. Para mim, ela precisa ser mais forte quanto à sua personalidade como levantadora, foi isso que disse para ela.  Com a Mari, teve o corte, não falei com ela mais. Trocamos alguma mensagem no último Ano Novo. Foi duro para ela e para mim. Porque ela estava comigo desde os 16 anos. Mas achamos que naquele momento tinha de estar mais focada no ambiente da seleção e naquele momento não estava. Ela estava magoada com o corte, mas eu respeito sempre. Eu também já fui atleta, já fui cortado, ninguém gosta desta situação. Eu sei o que significa um corte."

Motivação para iniciar o trabalho com a seleção neste ano
“É um trabalho que estou muito ansioso para começar. Quero voltar a dar treino, ter relação com as jogadoras, poder participar de jogos. A última vez que isso aconteceu foi no Mundial [da Itália, em outubro]. Como não estava dirigindo nenhum time na Superliga, chego com um nível de estresse muito baixo. Penso só na seleção, minha energia está canalizada toda lá. Mas estou muito preocupado com o que vai acontecer em 2016. Durmo pensando nas jogadoras, nos adversários e no planejamento. Isso faz parte, mas não venho desgastado de um campeonato, de vitórias e derrotas.

Lógico que não gosto de ficar parado, sem clube. O dia a dia mexe comigo, dar treino, sempre buscar uma melhora. Mas, por outro lado, numa conversa que tive com a Sheilla, logo após que deixei o Amil, ela disse que foi a melhor coisa que eu fiz. Ela não achava legal ter de jogar contra mim. A CBV me deixa fazer isso, mas não me sinto confortável. Treinar jogadoras cinco, seis meses na seleção e depois jogar contra. Não me sentia confortável. Seria mais fácil trabalhar fora.”

Conflito de datas e montagem da equipe
"Infelizmente, está acontecendo um conflito de datas do Grand Prix com o Pan-Americano, que a gente não esperava que acontecesse. Vamos ter de montar duas seleções. Vamos dar prioridade de certa forma para um campeonato, porém vamos tentar ir forte para as duas competições. Hoje, estamos vivendo a seleção em um momento em que algumas jogadoras precisam jogar mais que outras. Aproveitando estas competições vamos dividir o grupo e direcionar para que competição cada uma vai. Nós ainda não definimos quem vai para onde. Vamos inscrever um contingente maior de jogadoras e aí ver como vão se encontrar no treinamento. Não vamos canalizar as 12 melhores jogadoras no momento para uma só competição. Não é hora de fazer isso.

É certo que algumas atletas terão descanso. Temos de pensar que temos um time que está rodando há alguns anos. Conversei com duas jogadoras que pediram um tempo maior de descanso, mas que vão participar da última fase de treinos que são a Fabiana e a Sheilla. Elas estão virando direto campeonato atrás de campeonato. A Jaque[line] é outra para quem fiquei de dar uma resposta também.

Teríamos ainda neste ano a Copa do Mundo. Mas infelizmente não vamos participar. Foi uma decisão tomada pela Confederação Sul-Americana e também pela Federação Internacional (FIVB). Digo infelizmente porque era possibilidade de fazermos bons jogos, encontrar grandes seleções e ver como time iria se comportar. Por um outro lado, também não deixa de ser bom, para evitar polêmica. O fato de nós já estarmos classificado para Olimpíada poderia gerar algum tipo de comentário. Vou dar um exemplo. Estamos na Copa do Mundo e no dia que vamos jogar contra uma equipe que luta pela classificação, uma jogadora acorda mal. Para que vou sacrificar jogadora que não está bem? Vou poupá-la. Isso pode acarretar em situação complicada de perdermos jogo e isso classificar um time. Dos males o menor. Acho friamente que é melhor não participarmos. Espero apenas que esta atitude da FIVB seja para o resto da vida, que não se mude para a próxima Olimpíada. Aí são direitos iguais. É o que espero."

A relação com Bernardinho e o fim da animosidade
"Tudo na vida é período. Nós (Zé Roberto e Bernardinho) tivemos um período de problemas e aí foi acalmando. Ele teve vontade de falar comigo algumas vezes, e eu com ele, e isso não acontecia, como na Olimpíada de Londres. (A reaproximação) acabou acontecendo naturalmente e era necessária. Ele tem a filosofia dele, tem uma pressão enorme nos ombros e tem muita coisa a realizar. A gente conversa. Recentemente eu vi uma palestra dele no COB, que foi proveitosa. Nossa relação está tranquila. A gente conversou sobre algumas jogadoras e trocamos um pouco de opiniões, o que acho válido e benéfico.