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Fórmula 1

Prost, Lauda e Galvão relembram polêmico 2º lugar de Senna em Mônaco-84

Livio Oricchio

Do UOL, em Mônaco

27/05/2014 11h21

A decisão de dar como encerrado o GP de Mônaco de 1984, na 32ª volta de um total de 76, gerou uma série de desdobramentos de grande importância para a definição do campeonato. Jacky Ickx, o diretor de prova, em entrevista exclusiva e inédita, disse ao UOL Esporte que a razão foi garantir a segurança dos pilotos, comissários e público. 

Vários outros personagens acabaram envolvidos. Alain Prost ficou com a vitória. Niki Lauda, companheiro do francês na McLaren-Porsche, conquistou o título no fim do ano porque aquela prova, terminada bem antes do previsto, só valeu metade da pontuação prevista. Mas, além de Jacky Ickx, Alain Prost e Niki Lauda, há outros profissionais que ainda hoje, 30 anos depois, seguem trabalhando na F1. 

O UOL Esporte conversou com os protagonistas daquele controverso GP a fim de saber o que pensam da que foi, talvez, a decisão mais polêmica de um diretor de prova na história da F1.

Niki Lauda

Niki Lauda - Mike Powell/Allsport - Mike Powell/Allsport
Imagem: Mike Powell/Allsport

O austríaco já havia sido campeão do mundo em 1975 e 1977 pela Ferrari. Parou de correr no fim de 1979, quando competia pela Brabham, e voltou em 1982, na McLaren. Em 1984, já estava com 35 anos e tinha como companheiro Prost, então com 29 anos e sem nenhum título.

Os 4,5 pontos que o francês recebeu pela vitória, metade dos nove normais, por Jacky Ickx acabar a corrida com menos de 75% das voltas completadas, foram decisivos para Niki Lauda celebrar a conquista do seu terceiro mundial, em 1984. Ao final das 16 etapas, somou 72 pontos, diante de 71,5 de Prost.

Sábado pela manhã, no GP de Mônaco, antes de Nico Rosberg e Lewis Hamilton entrarem em rota de colisão na sessão de classificação, Lauda falou com o UOL Esporte

"O que mais lembro daquele fim de semana, em 1984? O que fiz quando vi Jacky (Ickx) depois de a temporada terminar. Eu o abracei e beijei. Ele não estava entendendo nada. Eu lhe lembrei que graças à interrupção da prova de Mônaco e meu companheiro (Alain Prost) receber metade dos pontos eu me tornei campeão do mundo", disse, rindo.

Para ele, não há dúvida. "Eu sou suspeito para falar porque todos sabem que sempre defendi que sob determinadas condições não devemos ter largada e talvez até corrida", afirmou o austríaco, hoje aos 65 anos, diretor da Mercedes. "Jacky agiu corretamente ao paralisar ou encerrar a prova, os pilotos não viam nada. Eu já estava fora da competição (rodou e parou na 23.ª volta)."

A preocupação com segurança era antiga. Em 1976, Niki Lauda deu duas voltas com o carro da Ferrari no GP do Japão, em Fuji, e simplesmente abandonou a corrida. Era a última do ano, ele liderava o Mundial e tinha boas chances de ser campeão novamente. "Assumo que depois do que passei em Nurburgring não seria possível para mim disputar aquela prova. E independente disso as condições de segurança eram ridículas." No GP da Alemanha Niki Lauda, sob chuva, se acidentou, sofreu queimaduras importantes e quase morreu.

Sobre o GP de Mônaco de 1984, Lauda comenta: "Vi, claro, Ayrton me ultrapassar na corrida. Mas queria contar uma coisa que poucos sabem. Na quinta-feira, eu vinha numa volta rápida e ele simplesmente não me deu passagem. Perdi a volta e vim atrás dele até os boxes. Saí do carro e fui conversar com ele. Eu o chamei de menino (Ayrton Senna tinha 24 anos e aquela era a sua sexta corrida na F1) e falei duro com ele. Ayrton me mostrou o dedo."

A história não terminou: "Estava decidido a dar uma lição em Ayrton, que havia conhecido melhor um mês antes, na reinauguração de Nurburgring. Conto já. No treino do sábado, em Mônaco, eu vi que Ayrton estava atrás de mim. Deixei dois carros que também eu via pelo espelho me passarem e mantive Ayrton atrás. Eu parei a minha McLaren, não deixei ele me ultrapassar. Nos boxes Ayrton estava louco, veio discutir comigo e eu lhe disse: 'É para você ver o que me fez. E vê se aprende'. Ayrton precisava daquela lição. Depois de um tempo, passamos a ter bom relacionamento, conversávamos com alguma regularidade".

O UOL Esporte o lembra de que tinha algo para falar sobre ter conhecido melhor Senna no dia 12 de maio daquele ano, 1984. O GP de Mônaco foi disputado no dia 3 de junho. Os alemães criaram um circuito na área do antigo autódromo de Nurburgring. Não eram mais os 22.835 metros de extensão do último GP de F1, em 1976, em que Lauda por pouco não morreu. Agora, tinha apenas 4.542 metros. 

A Mercedes promoveu um evento para celebrar o novo circuito. Chamou os campeões mundiais vivos e lhes deu o modelo 190 E, de 2,3 litros, praticamente sem preparação, para disputar uma corrida. Emerson Fittipaldi estava convidado, pelos dois títulos na F1, 1972 e 1974. Mas à última hora Emerson informou não poder ir. Chamaram, então, aquele menino de 24 anos que acabara de estrear na F1, Ayrton Senna. 

"Amanheceu chovendo em Nurburgring no dia da corrida e vimos como Ayrton pilotava no molhado, como todos evitavam as zebras e ele conseguia passar sobre elas e, claro, era muito mais rápido", lembra Niki Lauda. 

Naquela competição, Alain Prost largou na pole com Ayrton Senna em segundo. Mas já na largada Ayrton Senna assumiu a ponta e foi embora. "Eu cheguei em segundo, atrás de Ayrton. Passamos a observá-lo com outros olhos", disse Niki Lauda. "Depois disso fomos para Mônaco onde aconteceu tudo o que você já sabe", disse o atual diretor da Mercedes.

Alain Prost

Alain Prost - Roger Gould/Getty Images - Roger Gould/Getty Images
Imagem: Roger Gould/Getty Images

Os franceses finalmente tinham um piloto potencialmente campeão do mundo. Em 1983, pela Renault, liderou boa parte do campeonato, mas perdeu a disputa para Nelson Piquet, da Brabham-BMW. Alain Prost decidiu regressar à McLaren, onde fez sua temporada de estreia na F1, em 1980, depois de três anos na Renault. 

Em Mônaco, no último fim de semana, Alain Prost abordou com naturalidade o polêmico tema do GP de Mônaco de 1984, onde muitos acreditaram que teria sido favorecido pela diretor de prova, Jacky Ickx, mas que no fim do ano aqueles pontos distribuídos pela metade lhe custaram o seu primeiro título mundial.

"O maior prejudicado por aquela decisão, acertada na minha opinião, porque não víamos nada, em razão da chuva que aumentava, fui eu mesmo. Eu perdi o meu primeiro campeonato", disse Alain Prost. "Ayrton estava bem mais rápido do que eu, 3, 4 segundos, não há dúvida. Mas tamanha diferença tinha uma explicação. Nós usávamos na McLaren freios de carbono, que se não tiverem na faixa de temperatura correta não funcionam, ou são bem menos eficientes", contou Alain Prost.

"Naquelas condições, chuva e frio, meus freios simplesmente me obrigavam a frear muito antes, para que se aquecessem. Já na Toleman de Ayrton os discos de freio eram de aço, não carbono, e para aquela temperatura e quantidade de água tornavam o carro bem mais veloz. Não estou querendo justificar toda a diferença do tempo de volta com isso, mas boa parte dela sim." E conclui a conversa ratificando sua opinião de que não havia como prosseguir com a corrida. Foi a primeira vitória de Alain Prost no GP de Mônaco.

Pat Symonds

Pat Symonds - Mark Thompson/Getty Images - Mark Thompson/Getty Images
Imagem: Mark Thompson/Getty Images

Era o engenheiro de Ayrton Senna na Toleman-Hart Turbo. "Minha ascensão profissional seguiu os mesmos passos da de Ayrton e nos mesmos anos. Comecei na Fórmula Ford 1600, Ford 2000, F3 e depois F1. Eu conhecia, portanto, Ayrton, das categorias de formação. Não havia trabalhado com ele, ainda, mas Ralph Firman, da Van Diemen, onde Ayrton começou na Fórmula Ford, me disse estar com um piloto realmente especial", disse Pat Symonds.

"Sobre aquele ano, o mais importante foi que o moral do time da Toleman estava muito baixo até Ayrton começar trabalhar conosco. A Toleman estreou na F1 em 1981 e só foi marcar pontos na Holanda em 1983. Ayrton chegou em 1984 e já na segunda corrida marcamos pontos (obteve a sexta colocação no GP da África do Sul)."

Especificamente sobre o GP de Mônaco de 1984, Pat Symonds conta: "Nós passamos a competir com pneus Michelin (a Toleman mudou de Pirelli para Michelin em pleno campeonato). Mas tivemos de aceitar uma condição. Ron Dennis, da McLaren, principal time da Michelin, concordou que passássemos a correr com os pneus franceses, mas não os da última geração, teríamos de ter sempre a especificação anterior".

Ocorre que a Michelin não tinha pneus de chuva distintos, assim, lembra Pat Symonds, Ayrton Senna e seu companheiro, o venezuelano Johnny Cecotto, tiveram os mesmos pneus da McLaren em Mônaco. 

"Nossa primeira impressão foi de que a decisão de Jacky Ickx era muito suspeita e, claro, ficamos bravos. Mas depois começamos a estudar a corrida e vimos que Stefan Bellof (Tyrrell-Ford Aspirado) vinha bem mais rápido que Ayrton, o seu motor aspirado ajudava naquelas condições diante do nosso turbo. Assim, ficamos contentes com o segundo lugar."

O relacionamento de Ayrton Senna com o grupo era muito profissional. "Ele era sério. Depois que deixou o carro, aqui em Mônaco, nós o desconhecemos, estava nervoso, dizia que lhe haviam roubado a vitória. E essa era a nossa impressão inicial também." 

A escassez de recursos à disposição dos times era grande. "Vimos só depois a corrida, com mais detalhes, e nos divertimos. Ali na hora, na mureta dos boxes, quase não dispúnhamos de dados naquela época, não havia rádio para falar com o piloto. Tínhamos uma imagem bem simples da prova e apenas o tempo de volta, sem as parciais. Assim, a cada passagem de Ayrton na reta dos boxes ficávamos sabendo, de verdade, do andamento da corrida."

O engenheiro inglês diz que a partir daquele resultado o ambiente na Toleman mudou. "O pessoal começou a trabalhar de forma diferente. Todos viram que era possível obter resultados e dependendo das condições até pódios. Ayrton revolucionou a equipe. Conseguimos ainda com ele dois pódios, terceiro em Brands Hatch (GP da Grã-Bretanha) e no Estoril (Portugal)." Pat Symonds conta que a base daquele grupo foi a que se tornou campeã, já com o nome Benetton, dez anos mais tarde, com Michael Schumacher.

Galvão Bueno, locutor da TV Globo, presente no GP de Mônaco de 1984, e amigo de Ayrton Senna

Galvão Bueno - Foto Rio News - Foto Rio News
Imagem: Foto Rio News

"Não se pode dizer que o Ayrton estivesse triste um tempo depois de encerrada a corrida. Eu o vi extremamente feliz com o resultado, era muito jovem, estava começando e já chegou no pódio, com uma equipe pequena. Comemoramos muito, o Ayrton, o Alex Hawkridge, da Toleman, eu, o Reginaldo, o Janus Lengel (repórter da Globo, já falecido)."

Lembrar do que ocorreu a seguir fez Galvão Bueno rir. "Depois de jantar fomos jogar no cassino. O Ayrton estava de agasalho de praticar esporte, jogging. E quando fomos entrar no cassino o pessoal do controle barrou o Ayrton e disse que sem paletó não poderia entrar. O Janus tinha um paletó, seu para o Ayrton e ele entrou de paletó, como exigiam, mas de calça de agasalho e tênis."

O jogo foi até tarde. "O Ayrton ficou direto na roleta e fez sempre a mesma aposta, no número 19. Enquanto jogava, o Ayrton me dizia que iria ganhar aquela corrida. O que nós discutimos foi por qual razão o Ickx deu logo a bandeira quadriculada, encerrando a prova, e não a bandeira vermelha, o que a paralisaria e depois, se as condições melhorassem, fosse reiniciada."

Faltava muito para completar os 75% da prova. O programado era que a corrida teria 76 voltas. Jacky Ickx a terminou na 32.ª volta, enquanto 75% correspondem a 57 voltas.  

Bernie Ecclestone 

Bernie Ecclestone - Mark Ralston/AFP - Mark Ralston/AFP
Imagem: Mark Ralston/AFP

O promotor da F1 concordou com o fim da corrida. "Chovia forte. Eu me lembro de ter ido duas vezes ao diretor de prova e pedir para interromper a competição. Uma vez foi em Zolder (na Bélgica) e outra em Monza. Mas confesso que no caso de Mônaco não entendemos a bandeira quadriculada, essa é a questão. Por que não a vermelha, esperar e depois analisar se a corrida poderia prosseguir. Bem, mas ele é francês (na realidade belga) e a gente nunca os entende muito bem."

Herbie Blash

Herbie Blash - Paul Gilham/Getty Images - Paul Gilham/Getty Images
Imagem: Paul Gilham/Getty Images

Para o diretor esportivo da equipe Brabham, de Nelson Piquet, hoje vice-diretor de prova da F1, a decisão de Jacky Ickx tem uma única definição: "Suspeita".

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