Topo

Em clima de Copa, Argentina se divide entre euforia e desespero com queda do River

Torcedores do River Plate assistem ao jogo da queda em um bar de Buenos Aires - Fernando Moura/UOL
Torcedores do River Plate assistem ao jogo da queda em um bar de Buenos Aires Imagem: Fernando Moura/UOL

Fernando Moura

Em Buenos Aires

27/06/2011 07h00

Classificação e Jogos

O frio e os nervos tomaram conta de Buenos Aires neste domingo. Parecia até mesmo final de Copa do Mundo, mas sem festa. Bares cheios, milhões de pessoas viradas para a TV tentando desvendar o epílogo de uma “muerte anunciada”. Após o River ter perdido por 2 a 0 para o Belgrano no jogo de ida do mata-mata que definiria a sobrevivência na elite, a torcida colocou imensas bandeiras com a legenda “Ganar o morir”. Morreu. O River empatou em 1 a 1 e, pela primeira vez em seus 110 anos de história, foi rebaixado para a segunda divisão do Campeonato Argentino.

CENAS DO REBAIXAMENTO

  • Fernando Moura/UOL

    Soledad não encontra explicação ao rebaixamento do River e não sabe o que se vai passar no futuro

  • Fernando Moura/UOL

    Santiago:"se somos rebaixados me atiro pela janela. estou tão nervoso que nem sinto o corpo"

  • Fernando Moura/UOL

    Daniel manteve a ilusão até o fim do jogo: "Tudo é possível. A esperança é a última a perder”

  • Fernando Moura/UOL

    Balões com as cores do Boca e um caixão do voam próximos ao marco histórico de Buenos Aires

O jogo acabou minutos antes do minuto 90 com a invasão, pela segunda vez - já que tinha acontecido isso no primeiro jogo - dos torcedores do River ao gramado. No estádio Monumental, após a suspensão do jogo, passou-se muita coisa: invasão do gramado, queima de cadeiras da arquibancada, ataques à sede do clube, destruição de vidros do interior do estádio e ataque a jogadores e dirigentes. Além de muito pranto, dor e angústia. A polícia deteve quase meia centena de torcedores e o país parece estar chocado. Mais de 70 pessoas se feriram nos incidentes.

Do River Plate ninguém falou, nem jogadores nem corpo técnico. O único que assumiu o rebaixamento foi o presidente do clube, Daniel Passarella, (ídolo como jogador do River e capitão da seleção argentina campeã do mundo em 1978) que disse: “Vamos resistir. Só saio morto e em um caixão do clube.”

No fim do primeiro tempo e com o resultado 1 a 0 a favor do River a esperança dos torcedores ainda existia. Em um bar do tradicional bairro da Recoleta, Daniel (31 anos), esperava a vitória: “O segundo gol vai chegar agora. Chegamos até aqui por culpa dos dirigentes. Vamos sair adiante”. Parado na esquina de rua Vicente López no mesmo bairro, Santiago Alvarez (18), sonhava com um final feliz: “Dois ou três gols mais e acabamos com esse pesadelo.”

Num outro bar, o mexicano, Jesús García Morales (29) olhava atordoado e tentava compreender o que se passava. A tensão aumentou com o gol do Belgrano e, mais tarde, com o pênalti errado por Pavone, do River Plate. “Apoio o melhor (...) Parece que é o Belgrano, mas neste jogo não saberia por quem torcer. Como sofre esta gente.”

No centro neurálgico da capital argentina, a esquina das ruas Corrientes e Carlos Pellegrini, em frente ao Obelisco, o desespero diante do resultado não se fez sentir nos poucos que se atreveram a estar no emblemático centro de comemorações do país. Olhos úmidos, semblantes duros e preocupados, anseios de glória atravessados na garganta. A reportagem do UOL viu passar os minutos no bar da esquina, olhou para o Obelisco e sentiu que qualquer coisa se rompeu na alma dos poucos corajosos que lá estavam.

Carla Alicia (24 anos), professora de português e torcedora do Boca Juniors, disse ao UOL num bar da capital que o rebaixamento do máximo rival "é uma sensação esquisita, por um lado a euforia de ver o rival no pior momento da sua história, por outro a tristeza de ver o futebol cada vez mais deteriorado. Agora acabou o “super-clássico” (Nome que se da ao dérbi argentino)."

“O rebaixamento é o fim de uma sucessão de erros administrativos. O time de hoje é desastroso. Mesmo assim fez uma boa campanha, mas isso não chega porque aqui o promedio (média de pontos nos três últimos campeonatos, que define o rebaixamento) é mais importante”, explicou Gabriel (45), que estava no bar “Locos por El fútbol”. E continuou: “Os distúrbios são porque na Argentina a sociedade sente o futebol como algo muito importante. Dizem que aqui o futebol é o mais importante entre as coisas menos importantes da vida.” Para Carlos Cabral (65), comerciante, “é um desastre. Uma tragédia. Talvez o dia mais difícil da minha vida.”

VEJA O DRAMA NO ESTÁDIO APÓS A QUEDA

Para Nicolás Jarolasqui (32), apresentador do programa de rádio “River desde la tribuna” na AM líder 1540 de Buenos Aires afirmou ao UOL Esporte que  "a situação que vive hoje o River é inédita, talvez ainda mais difícil de compreender por isso. Que tenham entrado no gramado é uma loucura. Esses não são torcedores, são bandidos que fazem mal ao clube e ao futebol.”      

“Tenho uma grande impotência, estou triste. São muitos sentimentos misturados, é muito difícil explicar,” comentou Soledad (18) com olhar perdido e uma lágrima a escorrer-lhe pelo rosto enquanto tentava preparar um café a turistas no balcão do bar onde trabalha.

QUEDA DO RIVER É DESTAQUE NO MUNDO

A violência nas ruas de Buenos Aires e as lágrimas do rebaixamento do River Plate ganharam destaque nos principais jornais esportivos. Leia Mais

Fora, rente ao Obelisco, alguns torcedores do Boca apareceram de repente. “Vamos Boca!”, gritou Juan com um sorriso enorme. “Vimos o jogo num bar. Eram todos do River. Gritamos o gol do Belgrano e agora saímos porque iam nos matar. O clima estava ficando muito feio”, explicou Nicolás. Os dois com 18 anos afirmaram ser o dia mais feliz da suas vidas, cantaram e dançaram ao som de buzinas de automóveis na avenida 9 de Julho. Do outro lado, Luís (30) estendeu no chão outdoors e cantou.      

O fio que aguentava a vontade de voar de uma centena de balões azuis e amarelos (cores do Boca) acorrentados na cerca que protege o Obelisco se soltou e voaram. Aí um grupo de torcedores cantou: “Mi vida no es igual, si te vas a la B... cómo te voy a extrañar. Gallina no volvés más”. (A minha vida não será igual, se jogas na Serie B… Que saudades vou ter. “Gallina” não voltas mais.)

* Colaborou Gabriel Costa

ASSISTA AOS MELHORES MOMENTOS DA PARTIDA ENTRE RIVER E BELGRANO