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STJD ratifica punição e rebaixamento da Lusa é mantido

Renan Rodrigues e Vinicius Castro

Do UOL, no Rio de Janeiro*

27/12/2013 13h00

A Portuguesa não escapou do rebaixamento nos tribunais. O time paulista teve a queda confirmada, por decisão unânime (8 a 0), após reunião do Pleno do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) no início da tarde desta sexta-feira, 27. A sentença acabou evitando o descenso do Fluminense. 

A decisão de primeira instância foi mantida por conta da escalação irregular do meia Héverton na partida contra o Grêmio, pela 38ª rodada do Brasileirão. Com a perda de quatro pontos, a Portuguesa termina em 17º e troca de lugar com o time das Laranjeiras. O clube paulista já sinalizou que pode recorrer à Justiça Comum para tentar reverter a decisão.

Os auditores do STJD mostraram, em seus votos, respostas para todo o tipo de argumentos que surgiram em torno do caso nos últimos dias. Alguns desses argumentos nem chegaram a ser aproveitados pela defesa. Enquanto faziam suas declarações, os auditores citaram dezenas de reportagens e artigos publicados na imprensa.

O relator do caso, Décio Neuhaus, falou por cerca de 40 minutos, enquanto lia o seu parecer. Além de rebater todos os argumentos de Zanforlim, negou que existisse a possibilidade de que regras da Fifa pudessem influenciar o julgamento e que a suspensão do atleta poderia ser cumprida em outro torneio.

A defesa da Portuguesa manteve uma linha de argumentação parecida com a que já havia sido explorada no julgamento do dia 16, embora o advogado João Zanforlim tenha mudado a ênfase dada a alguns pontos. A tese de que a Lusa não agiu de má fé ao escalar o Héverton, por exemplo, perdeu espaço na fala do advogado. 

O Tribunal puniu o Flamengo com perda de pontos pela escalação de André Santos. Desta forma, a Lusa foi declarada rebaixada. Fluminense e Flamengo permanecem na elite.

Teses da Lusa

O primeiro ponto levantado por Zanforlim foi a proporcionalidade. Segundo ele, a aplicação da pena de perda de 4 pontos é desproporcional tendo em vista que a partida contra o Grêmio não valia nada para a Lusa. Para sustentar essa tese, o advogado foi pouco elogioso a Héverton. "É um jogador reserva, que atuou só em seis jogos e entrando no segundo tempo. Um atleta que não tem qualidade técnica para desequilibrar uma partida. E em um jogo que nada valia."

João Zanforlim, advogado da Portuguesa

O Héverton é um jogador reserva, que atuou só em seis jogos e entrando no segundo técnico, que não tem qualidade técnica para desequilibrar uma partida

A Lusa tentou, ainda, responsabilizar a CBF pela escalação irregular de Heverton. O armador aparecia sem pendências no sistema eletrônico da entidade, o BID da suspensão, apesar de ter que cumprir suspensão naquela rodada. A suspensão foi aplicada pelo STJD na sexta-feira, dia 6, e já estaria valendo a partir de então. 

Zanforlim, argumentou, também, que o Estatuto do Torcedor afirma que qualquer decisão da Justiça Desportiva só terá validade se for publicada em algum lugar, como o site da entidade, a exemplo do que acontece em outras esferas da Justiça. Por ser uma lei federal, aprovada pelo Congresso Nacional, o Estatuto do Torcedor estaria em uma posição maior de importância, segundo o advogado. Zanforlim ultrapassou em pelo menos dois minutos os 15 minutos que tinha para falar.

A última tese, porém, foi rebatida pelo procurador Paulo Schmitt. Ele afirmou que o Estatuto serve apenas para que os torcedores sejam informados sobre as decisões do STJD; e não teria a mesma validade para os times. “Não tem problema com o Estatuto do Torcedor. O torcedor tem o direito de conhecer as decisões da Justiça Desportiva. Mas para fins de cumprimento da pena, é óbvio que haveria sem nenhuma dúvida que se cumprir decisões do tribunal”, afirmou o procurador.

Acusação rebate

Schmitt retrucou todos os outros argumentos de Zanforlim. Disse que o BID da suspensão não tem valor maior do que as decisões do STJD e que a punição proposta à equipe está dentro do previsto nas regras. 

O terceiro a falar foi o advogado do Fluminense, Mário Bittencourt, que seguiu a mesma linha do procurador e ajudou a desqualificar a defesa da Portuguesa. "A portuguesa já mudou de tese 19 vezes desde  o começo do caso. Começaram a atacar advogado, ai viram que iam ser processado e mudaram. Começaram a se apegar ao BID de suspensões da CBF, depois a validade do artigo 133 e aí agora se agarram ao Estatuto do Torcedor."

Paulo Schmitt, procurador-geral do STJD

Não tem problema com o Estatuto do Torcedor. O torcedor tem o direito de conhecer as decisões da Justiça Desportiva. Mas para fins de cumprimento da pena, é óbvio que haveria sem nenhuma dúvida que se cumprir decisões do tribunal

O advogado do Flamengo, Michel Assef Filho, que participou também dos debates, pois a equipe é julgada em um caso semelhante, também criticou a CBF e o BID das punições. "O sistema da CBF serve para a Procuradoria oferecer denúncia, mas não serve para os clubes saberem se podem escalar um jogador ou não? Para que serve aquele BID da suspensão? Para nada? É melhor não existir", argumentou. 

O julgamento foi marcado por declarações ríspidas, principalmente entre Schmitt e Zanforlim. O procurador disse, por exemplo, que o advogado da Portuguesa não acreditava na tese que estava apresentando no Pleno. O procurador chegou a citar Nelson Mandela antes de terminar sua sustentação oral, ao pedir que os auditores perdoassem "ignorantes e incompetentes que tentam atingir a honra de vossas excelências e implodir o sistema do Tribunal, que garante a ampla defesa."

Bittencourt recorreu à literatura durante sua participação. O advogado do Fluminense citou uma passagem de Pequeno Príncipe, do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, para pedir ao tribunal que faça cumprir a lei. No trecho destacado por Bittencourt o personagem principal encontra um uma pessoa que acende e apaga um lampião sempre na mesma hora. Ao questionar a ação, o Pequeno Príncipe ouve que o tal personagem faz esse trabalho porque "regra é regra".

Opinião do relator

Ao ler seu relatório, Décio Neuhaus afirmou que o Estatuto do Torcedor fala de "publicidade" e não de "publicação" ou "intimação". Segundo ele, não existe "qualquer sentido em tentar falar que o Estatuto do Torcedor é superior às decisões do STJD". Ele manteve a condenação do julgamento do dia 16, após ler seu relato por 36 minutos.

Para ele, intimação é o ato de dar ciência a alguém. A publicação, portanto, seria apenas uma das formas de intimação. Neuhaus lembrou que na Justiça do Trabalho não há necessidade de publicação, uma vez que os advogados participam das audiências. "Rechaço qualquer ilegalidade na decisão proferida no primeiro julgamento." 

Décio Neuhaus, auditor do STJD

Virada de mesa seria não cumprir as regras. Quem cumpre as normas não vira a mesa. É moral um time jogar com um atleta que não deveria ser escalado? Para que se faça moral no esporte, temos que ter igualdade dos participantes da disputa

Neuhaus fez suspense no início de sua participação, ao dizer que, embora estivesse com o voto pronto, não teria problema em mudar de decisão. Instantes depois, porém, voltou a ler o texto que já havia preparado, a favor da condenação da Lusa. Os auditores chegam com o voto pronto, muitas vezes, pois defesa e acusação entregam por escrito seus argumentos. 

O relator do processo chegou a afirmar que a tese de que o jogo era sem importância e que Héverton jogou pouco são "fracas" e "são desrespeitosas com o passado de time". Segundo ele é "fato público e notório que o clube foi intimado do julgamento de Héverton e que foi representado, na situação, por um advogado".

Neuhaus também rebateu a tese de que o cumprimento da pena só valeria a partir do primeiro dia útil. Segundo ele, como foi punido no dia 6, Héverton não poderia atuar no dia 8. "A Portuguesa conhece o regulamento e concluiu com ele desde o início."

MANUEL DA LUPA, PRESIDENTE DA LUSA

Pesa muito a camisa. Se fosse o inverso queria ver se seria o mesmo resultado

Sobre o BID das suspensões, afirmou que o regulamento da Justiça Desportiva não obriga a CBF a colocar todas as decisões do STJD no sistema. Minucioso, o relator falou também sobre a tese de que o regulamento da Fifa protegeria a Portuguesa, ao permitir, por exemplo, que a pena de um atleta possa ser cumprida em outro torneio. Segundo ele, o texto não estabelece uma relação automática entre as punições.

"Virada de mesa seria não cumprir as regras. Quem cumpre as normas não vira a mesa. É moral um time jogar com um atleta que não deveria ser escalado?", questionou Neuhaus. ""Para que se faça moral no esporte, temos que ter igualdade dos participantes da disputa"

* (Colaborou Tiago Dantas, do UOL, em São Paulo)